Ética e Design: uma conversa necessária

Nunca foi tão necessário falar sobre ética nos projetos de Design e a nossa responsabilidade com aquilo que criamos. Precisamos conversar…

Fabricio Zillig
UX Collective 🇧🇷

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Estamos em todos os lugares, nas mais diversas áreas, desde a criação de móveis, utensílios médicos, produtos digitais, projetando exposições, serviços, processos, fazendo a gestão de equipes e definindo estratégias de negócio. Nós, designers, estamos por todas as partes! Isso é incrível e assustador ao mesmo tempo.

Esse protagonismo acarreta responsabilidades outrora alheias ao Design. Enquanto outras profissões têm códigos de conduta bem claros, definidos e seus profissionais vivem ponderando e analisando suas ações do ponto de vista da Ética, nós designers parecemos não perceber a importância e necessidade dessas discussões.

Vivemos em uma sociedade cada vez mais doente e muitos desses problemas podem e devem ser colocados na conta das más decisões de Design.

Até que ponto é ético vasculhar o conteúdo de emails para oferecer propaganda de forma mais assertiva? Até onde é moralmente correto manipular o comportamento dos usuários para mantê-los trabalhando?

Enquanto buscamos maneiras de aumentar o engajamento e retenção em nossos produtos, jovens tem se tornado cada vez mais suscetíveis à depressão por conta disso.

Quanto mais tempo os jovens usam mídias sociais, maior a probabilidade de eles se tornarem deprimidos — Forbes

Vivemos discutindo as melhores ferramentas, metodologias e outras questões superficiais e nos esquecemos de como essa nova complexidade, trazida pelos tempos modernos, nos forçam (mesmo que de forma inconsciente) a tomar decisões que acarretam em consequências profundas na vida de pessoas.

Vivemos usando palavras e termos como Empatia, Design centrado no Usuário, Centrado em Pessoas, mas até que ponto isso baliza nossas decisões?

O Design se tornou importante demais para ficar a margem do debate ético. Nós somos responsáveis por aquilo que projetamos, você goste disso ou não.

Como tomar a decisão certa? Qual caminho seguir?

Como tomar a decisão certa?

Nunca se falou tanto sobre Ética e Moral como nos dias atuais. A todo momento vemos sendo noticiados escândalos éticos ou então pessoas invocando a Moral, os princípios ou os bons costumes para justificar suas ações.

O que define se uma pessoa agiu ou não corretamente em determinada situação? Como julgar uma conduta de forma imparcial? Como agir quando nos deparamos com conflitos morais? É isso que a Ética tenta responder.

A Ética se apresenta como esse campo amplo de estudo que busca compreender e auxiliar no julgamento do que faz uma ação boa ou ruim, o que torna uma atitude correta ou errada, o que faríamos para agir melhor.

O objetivo final de um juízo ético é orientar a prática, sem esse objetivo prático a Ética deixa de ter sentido.

Diferente do que muitos acreditam sobre ética, essa avaliação moral não pode se resumir a uma simples lista ou tabela de certo e errado, uma espécie de 10 Mandamentos Éticos. Ao criá-la, no dia seguinte, já haveria a necessidade de atualizá-la com novos dilemas éticos que no momento da sua criação não existiam.

Se, por tanto, não é possível criar uma lista de ações "Éticas" para nos auxiliar a tomar boas decisões de Design, como lidamos com os dilemas morais dentro dos nossos projetos?

Assim como ninguém até hoje conseguiu uma resposta definitiva para os problemas morais de nossa sociedade, também não existe uma fórmula mágica para nos auxiliar com isso, porém, algo que está no DNA do Design pode nos mostrar um caminho e direcionar o debate.

Voltemos ao princípio, ao básico…

De volta ao princípio…

Já fazem anos que o "Design centrado no usuário" se popularizou e tomou lugar de destaque nos discursos. Empatia virou a palavra chave! Mas até que ponto utilizamos de empatia de verdade?

Muitos pensam na empatia apenas como ferramenta, uma forma de descobrir dores e necessidades, e apenas isso. É nisso que erramos, ao utilizar "empatia" apenas em um ponto dentro do processo de Design. Empatia não é uma ferramenta, é um princípio que deve permear todo o processo.

Ao criarmos uma solução não basta entender bem o problema a ser resolvido, é necessário entender quais as consequências que a nossa decisão acarretará na vida das pessoas.

Será que eu devo adicionar determinada função apenas para "forçar" o usuário a se manter mais tempo no meu produto? Será que preciso pedir dados pessoais, como o sexo, para meus usuários? Decisões que podem parecer inofensivas podem ter consequências terríveis quando lançadas.

Muito dos problemas que podemos classificar como problemas éticos surgem de ações tomadas sem avaliar de forma séria os impactos futuros na vida das pessoas. Em alguns casos boas intenções trazem resultados desastrosos.

We need to unpack our relationship with “unintended consequences.” The damage tech causes is almost always unintentional. And this is so important to bear in mind, because it reminds us we can’t avoid creating harmful work through good intentions alone. — LU HAN (Designing for Tomorrow — A Discussion on Ethical Design)

Quando focamos demais na métrica, no número, nos afastamos aos poucos do humano, do real. Segundo Kim Goodwin um Design centrado em métricas nunca será Design centrado no humano, eles são incompatíveis em seus princípios.

No momento em que foco apenas nos números e em soluções para melhorá-los estou desumanizando o meu design e facilito o surgimento de decisões que acarretarão em consequências ruins para pessoas.

Devemos sim observar métricas e utilizá-las para auxiliar na tomada de decisão de nossos produtos, mas isso nunca pode sobrepor os desejos, interesses, necessidades e direitos das pessoas. Empatia é um valor caro demais para se abrir mão.

If you don't apply it when it's inconvenient, it's not a value — Kim Goodwin

É preciso falar sobre…

Os avanços tecnológicos têm criado grandes oportunidades e melhorado a vida de muitos, mas também vem deixando pessoas cada vez mais ansiosas e depressivas.

Como designers não podemos mais fugir dos resultados que nossas decisões geram, direta e indiretamente, nas pessoas e por consequência na sociedade.

It’s 2019, and nothing is simple anymore. So many of our interactions occur through screens and devices, and the use of these new technologies at scale has had unforeseen consequences in the social, political, and emotional arenas of our lives — Adam Lefton

Começar a analisar de forma profunda as consequências, utilizando a empatia, não como ferramenta mas como forma de pensar e guiar decisões, pode não ser a solução, porém é um começo.

O papel ético dentro do Design, como disse Vilém Flusser, adquiriu um novo significado no contexto atual, e até mesmo um caráter de urgência. Não podemos mais fugir do assunto.

Não pretendo com esse texto resolver a questão, pretendo apenas instigar o debate e a discussão tão necessária, e mesmo assim, escassa em nosso meio.

O que você tem projetado, no saldo final, contribui de forma positiva para a vida das pessoas?

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Brazilian Designer | UX and Interaction Design lover | Trying to understand why 42 is the answer to life, universe and everything