A arte da comunicação efetiva: 3 lições de Wolton para content designers
Mais do que informar, precisamos nos comunicar com as pessoas usuárias.

Em 2010, o sociólogo francês Dominique Wolton reuniu seus principais pensamentos sobre comunicação e informação em um pequeno (mas profundo) livro chamado Informar não é comunicar.
Se informar não é o mesmo que comunicar, em que consiste essa distinção? Segundo o autor (p. 12):
“A informação é a mensagem. A comunicação é a relação, que é muito mais complexa.”
Apesar dessa primeira distinção, Wolton pondera que elas devem ser pensadas em conjunto. O ponto é que a comunicação vai exigir um tratamento mais complexo, já que se refere a questões da relação, de quem recebe a mensagem, da alteridade. Por essa complexidade, ele afirma (p. 15):
“A revolução do século XXI não é a da informação, mas a da comunicação. Não é a da mensagem, mas a da relação. Não é a da produção e da distribuição da informação por meio de tecnologias sofisticadas, mas a das condições de sua aceitação ou de sua recusa pelos milhões de receptores, todos sempre diferentes e raramente em sintonia com os emissores. […] A informação esbarra no rosto do outro. Sonhava-se com a aldeia global. Estamos na torre de Babel.”
E o que isso tem a ver com nós, pessoas que trabalham com conteúdo em interfaces digitais? Bom, basicamente tudo.
Se formos pensar nessa questão de a comunicação ser mais complexa por precisar considerar a outra pessoa, já esbarramos em um conceito que nos é muito caro: a empatia.
Será que nos colocamos mesmo no lugar de outra pessoa?
Sou um pouco contrária à definição básica e muito difundida de que a empatia é “se colocar no lugar da outra pessoa”. Se formos seguir esse conceito, é muito evidente que não dá para a empatia existir na prática.
Isso porque levamos um mundo dentro de nós. Minhas vivências e crenças são completamente diferentes das suas. É por isso que reagimos de formas distintas às mesmas situações.
Então não tem como eu, do ponto em que estou em minha vida, me colocar no lugar de alguém e compreender de fato a situação pela qual a pessoa está passando. Posso acolhê-la, reconhecê-la, mas nunca substituí-la em suas dores para compreendê-la e, no nosso caso, saber ao certo como me comunicar com ela.
Gostei muito de uma definição feita pela Ellen Lupton no livro O design como storytelling. Para ela, a empatia é a “capacidade de reconhecer e compartilhar os estados mentais de outras pessoas” (p. 84).
“A empatia permite que as pessoas trabalhem juntas e construam sociedades para benefício mútuo. Empatia é essencial para a civilização humana e é o eixo do design centrado no usuário.”
Ou seja, eu não me coloco no lugar da pessoa, e sim reconheço o momento pelo qual ela passa e busco, dentro das minhas vivências, algo parecido para compartilhar meu estado mental naquela situação.

É aquela antiga frase que a gente sempre escuta justamente por sempre precisar relembrar: nós não somos nossa pessoa usuária. O que funciona para mim, em termos de comunicação e entendimento, pode não funcionar para quem vai ler uma mensagem, por exemplo, de que o aplicativo está fora do ar enquanto tenta, sedenta, fazer um Pix para comprar água na fila do ônibus.
Então o grande lance aqui nesse caso é buscar, dentro do nosso arsenal de content designer e das nossas vivências, formas acolhedoras (e que respeitem o modo de o produto se comunicar) de transmitir essa informação de maneira a minimizar o desconforto de quem vai ler.
Percebe o elemento a mais que surge? Vamos além de passar uma informação. Ao refletir sobre quem vai recebê-la e levar essa pessoa em consideração, passamos a — ou pelo menos tentamos — nos comunicar de verdade com ela.
Essa já seria uma primeira lição de Wolton para nós. Mas, como a considero basilar para essa reflexão, fica como uma dica extra.
Continue a leitura para descobrir outras 3 lições a aprender com o sociólogo francês.
Lição 1: promova o reconhecimento mútuo
“A questão da comunicação é o outro. […] Claro que não há mensagem sem destinatário, mas ainda assim a informação existe em si. O mesmo não acontece com a comunicação. Ela só tem sentido através da existência do outro e do reconhecimento mútuo.” (p. 59)
Reconhecimento mútuo. Acredito que essa seja a expressão-chave que resume bem essa lição de Wolton.
Vamos pensar primeiro aqui do nosso lado. Como conseguimos gerar reconhecimento em quem consome nossos conteúdos?
Gerando reconhecimento na pessoa usuária
Um primeiro ponto para esse reconhecimento passa, é claro, pelo branding. E o famoso manual de voz e tons vem fazer coro a ele.
Mais do que dizer quando usar ou não emojis, por exemplo, esse tipo de documento (e que muitas vezes é um entregável nosso) nos ajuda a manter a consistência em nossos textos.
Consistência e padronização — nada menos do que uma das heurísticas de Nielsen e que é superaplicável no nosso contexto.
Durante uma experiência com nosso produto, a pessoa não pode sentir que está interagindo cada hora com “alguém” diferente. Os tons variam dependendo do contexto, mas a voz é uma só.
Assim, conseguimos que a pessoa nos reconheça tanto em uma tela de sucesso quanto em um empty state (estado vazio). Já em um cenário micro, manter a consistência de termos, por exemplo, ajuda a diminuir o esforço cognitivo durante a experiência.
Reconhecendo a pessoa usuária
Agora é o momento de pensar em como reconhecemos quem consome o que produzimos. A ideia de Wolton de que quem recebe a mensagem é uma pessoa ativa na comunicação se alinha ao papel também ativo das pessoas usuárias na interação com interfaces.
Por isso, é crucial envolvermos as pessoas nas nossas soluções e, antes disso, saber para quem estamos desenvolvendo experiências. Ellen Lupton, em O design como storytelling, reforça a importância de atividades de cocriação com pessoas usuárias.
Segundo ela, quem vai utilizar nosso produto é um perito especializado em uma tarefa ou problema humano. Assim, cocriar com essa pessoa, criar personas, fazer pesquisas de entendimento dos textos na interface, tudo enriquece o processo e demonstra que nosso produto reconhece seu público. Já mencionei isso antes, mas… “Você não é sua pessoa usuária”, lembra?
Outro ponto interessante de trazer esse reconhecimento do papel ativo da pessoa usuária na interface é permitir que ela “negocie” com nosso produto. Como? Deixando que se customize a experiência, por exemplo. Poder filtrar, hierarquizar informações na tela, adaptar o conteúdo conforme as necessidades — tudo isso auxilia a promover uma experiência mais centrada em quem está ali interagindo.
Lição 2: considere e respeite a diversidade
“O outro, ao mesmo tempo, atrai e assusta. Esse outro mudou de status. Ontem, ele estava distante, em outro lugar, era diferente, frequentemente em posição hierárquica. Hoje, está aqui, no centro da modernidade e, mesmo não havendo igualdade, está decidido a conservar suas diferenças. É preciso se equilibrar sobre duas pernas: aceitar a identidade e organizar a convivência das diferenças num espaço mais amplo.” (p. 65)
Aceitar e organizar a convivência das diferenças, nos aconselha Wolton. Como conseguimos isso? Estabelecendo uma comunicação que considere a diversidade de pessoas que utilizam nossos produtos.
No item anterior, mencionei a questão da persona, essa pessoa usuária arquetípica que tanto nos ajuda a desenhar nossos conteúdos. No entanto, precisamos ter sempre em mente que, por mais que tenhamos algumas personas, nem todas as idiossincrasias das pessoas usuárias reais serão abarcadas — e tudo bem!
Afinal, é muito difícil conseguirmos dar conta de tudo, o que não significa que não devemos nos esforçar para isso.

Incluindo todas as pessoas nos seus conteúdos
De nossa parte, entra em cena uma comunicação inclusiva. Há um tempinho, eu trouxe alguns aspectos históricos que baseiam as discussões sobre linguagem inclusiva, principalmente no que se refere ao gênero.
Entretanto, podemos e precisamos ampliar essa lente, abrangendo questões étnicas, raciais, etárias, entre outras. Ao desenvolvermos conteúdos que respeitem diferenças, diminuam vieses e não perpetuem preconceitos e estereótipos, consideramos as diferenças e demonstramos nossa preocupação genuína em respeitá-las.
Lição 3: construa confiança
Administrar a alteridade implica, de resto, direitos e deveres recíprocos ou, então, o modelo de convivência desaba. Isso obriga que se valorize um conceito essencial, mas frágil, o da confiança. A convivência supõe confiança, ou a desconfiança mútua, mãe de todos os comunitarismos, instala-se. (p. 65)
Wolton ressalta a necessidade de convivência e confiança para estabelecer uma comunicação verdadeira.
No nosso trabalho, mensagens claras, autênticas e transparentes contribuem para estabelecer uma relação de confiança entre as pessoas usuárias e a interface, promovendo uma experiência positiva.
Isso se encontra inclusive nas famosas definições dos princípios básicos de um texto para experiência: claro, conciso, útil e humano.
A construção de confiança pode nos fazer lembrar de conteúdos jurídicos, ou checkboxes de “Li e aceito os termos”, onde a gente às vezes esconde informações importantes. Há também aqueles asteriscos cujos textos aparecem lá embaixo da tela, em fonte pequena.
Muitas vezes essas situações mais geram desconfiança do que tudo e estremecem o relacionamento da pessoa com a experiência. No entanto, há momentos em que são necessárias.
Tenha em mente que somos designers que trabalham com negócio. Por isso, é sempre válido lembrar um ponto destacado por Torrey Podmajersky em seu livro Redação estratégica para UX: “O objetivo estratégico do conteúdo UX é alcançar dois conjuntos de metas: aquelas pertencentes à organização responsável pela experiência e as das pessoas utilizando a experiência.”.
Então, sim, às vezes você vai precisar de um asterisco ou de uma linguagem mais técnica. Mas isso não significa que você precisa dificultar o entendimento.
Simplificando a linguagem
Ninguém gosta de ler e não entender bem o que leu, não é mesmo? E isso fica ainda pior quando temos pressa ou estamos ali consumindo conteúdos pelo celular.
Penso que, independentemente do produto no qual a gente esteja trabalhando, é nosso dever simplificar a linguagem.
Essa simplificação não resulta em perda de conteúdos importantes ou no empobrecimento da linguagem. Esses são argumentos vazios de que pessoas sem muito conhecimento da plain language (linguagem simples) lançam mão para se opor a ela.
Quando fiz alguns paralelos entre linguagem simples e UX Writing, destaquei que o principal objetivo dessa técnica de comunicação é ajudar a pessoa leitora a:
- Encontrar a informação de maneira rápida;
- Entender seu sentido;
- Saber como agir a partir do que entendeu.
Ao garantir esses três passos, conseguimos sim aumentar a confiança em nossa experiência digital, pois a pessoa usuária vai se apropriar do que está fazendo, vai entender como agir e quais as consequências ou o destino de cada interação que fizer.
Finalizando…
Tenho uma percepção muito pessoal de que a Academia (com A maiúsculo, que abrange graduação, mestrado, doutorado) e o mercado dialogam muito pouco.
Pelo menos na área de Comunicação (de onde vim), não vejo nada na grade curricular de graduações abordando Content Design ou UX Writing. Percebo uma Academia muito teórica ainda e distante do dia a dia.
Por outro lado, vejo muito conteúdo para content designers focado na prática e imperativo, com um tom até mesmo “mandão”: escreva assim, pontue assado, não faça isso. Aqui já sinto falta de um cadim (desculpe o mineirês) de teoria.
Foi por isso que escrevi este texto, em uma tentativa simples de gerar conexão, fazer uma ponte — nem que seja colocar uma pequena tábua entre as margens de um riacho para uni-las. Temos muitos autores da Comunicação que podem nos dar subsídios interessantes para o nosso dia a dia de content designers.
Edgar Morin, por exemplo, tem um livro fantástico que, entre outras coisas, aborda os movimentos de projeção e identificação da audiência com as estrelas de cinema e os filmes. É muito provável que dê para traçar paralelos com nosso movimento de nos aproximar da pessoa usuária para construir conteúdos efetivos. Quem sabe não não trago essas reflexões em um próximo artigo?
Longe de mim ter a pretensão de esgotar aqui qualquer discussão sobre os ensinos de Wolton, que são complexos e ressignificados inclusive pelo próprio autor, que já vem falando até em “incomunicação” e “acomunicação”.
Minha ideia, no fim, é trazer a importância desse diálogo para que não nos engessemos só na prática e pensemos em algumas teorias que vão nos dar subsídios em discussões sobre o nosso trabalho.
É criar ou ampliar nosso repertório, que pode nos diferenciar um pouco em um mercado com tanta gente boa, mas também com tanta repetição de pensamentos e regras de “bem-fazer”.
Mas, voltando para o assunto central do texto, é interessante perceber como é possível conectar o que fazemos em UX ao que pensadores contemporâneos estudam sobre comunicação.
E constatamos — mais uma vez — o papel central da pessoa usuária em nosso trabalho. Não podemos nos esquecer de que desenhamos experiências, isto é, algo que alguém vai vivenciar, usar. E esse alguém deve sempre ser considerado em todos os aspectos.
Assim, não tenho como finalizar esse texto sem ser com uma pergunta para você que chegou até aqui:
E aí, content design, você está se comunicando de forma efetiva com as pessoas usuárias?
Referências
- Branding: a alma de um negócio | Digital Republic
- Do desafio da ‘incomunicação’ ao impasse da ‘acomunicação’ | Jornal da Unicamp
- Informar não é comunicar | Dominique Wolton
- Linguagem inclusiva e UX Writing: muito além de dicas | Paloma Destro
- Manual de tom e voz: a chave para nossa comunicação | Marcela Faria
- O design como storytelling | Ellen Lupton
- Redação estratégica para UX | Torrey Podmajersky
- UX Writing e linguagem simples: a união perfeita | Paloma Destro
- 10 heurísticas de Nielsen para o design de interface | Gabriel Moma