A estética visual e o design de experiências
Projetar soluções focadas em experiências vai muito além da estética, mas nem por isso ela deve ser descartada.
O design precisa ser bonito?
Não faz muito tempo, escrevi um artigo falando do reflexo das emoções na experiência das pessoas quando impactadas por produtos e serviços.
Elas são responsáveis até mesmo pelas nossas tomadas de decisões.
Mas, conforme o mercado começou a dar mais atenção para a experiência das pessoas (principalmente as tecnológicas) e a dar espaço para os designers facilitarem as jornadas de descoberta, muitas vezes parece que os aspectos visuais estão sendo deixados de lado.
Quando falo sobre “aspectos visuais”, estou realmente me referindo ao senso estético, ou seja, o que é considerado bonito e harmônico por um determinado público quando estão interagindo com algo.
É claro que trazer este assunto para algumas pessoas designers pode ser complicado, já que algumas organizações ainda contratam estes profissionais pensando na experiência do usuário como sinônimo de criação de interfaces bonitas e intuitivas.
Talvez até a expectativa de que temos sempre que entregar soluções relacionadas a interfaces bonitas e intuitivas precisa de reflexão, será que a solução sempre é uma interface?
Isso deveria estar em pauta até mesmo nas descrições das vagas por aí, já que UX sempre está relacionado ao UI nos jobs descriptions.
Bom, mas acredito que esse assunto é para outro artigo.
A questão aqui é sobre quanto temos pontos de interação com as pessoas, temos que considerar o senso estético, entender se o que está sendo proposto é agradável visualmente para as pessoas, que colabora até mesmo para ser intuitivo quando elas usarem.
Isso não sou eu que estou falando, mas alguns estudos que já foram feitos sobre o tema.
O impacto das emoções no uso de uma interface intuitiva
Dependendo do público que vai ser o foco de um projeto, alguns fatores externos podem ser estímulos para emoções que podem dar o direcionamento de ações na hora de interagir com um produto ou serviço, podendo ser experiências boas ou ruins.
Na interação com uma interface, alguns aspectos como a resposta emocional positiva e a expansão das habilidades cognitivas podem ser características agregadas quando uma interface está bem resolvida esteticamente. Trazendo até mesmo a impressão de que aquele design apresentado funciona melhor do que se esperava dele.
O autor Jon Yablonskido livro “Leis da Psicologia Aplicadas a UX: Usando psicologia para projetar produtos e serviços melhores”, nos conta como o efeito estética-usabilidade foi estudo pela primeira vez em 1995 pelos pesquisadores Masaaki Kurosu e Kaori Kashimura:
“Kurosu e Kashimura testaram 26 padrões de layout de interfaces de ATM com 252 participantes e pediram a cada um deles que avaliasse cada design de acordo com a funcionalidade (High/Low Usability Score — Nota de alta/baixa usabilidade) e a estética (High/Low Beauty Score — Nota de alta/baixa beleza). Os participantes usaram uma escala de classificação de 10 pontos para avaliar a usabilidade e a atratividade visual de cada design. Os resultados mostraram que sua percepção de usabilidade (Easy to use) foi fortemente influenciada pela percepção de atratividade (Beautiful) da interface. Em outras palavras, a usabilidade aparente é menos correlacionada com a facilidade inerente de uso do que com a beleza aparente”.
Na figura abaixo vamos observar a correlação entre usabilidade e beleza do estudo de Kurosu e Kashimura:
É sempre bom deixar claro que a atração estética depende muito da cultura das pessoas que estamos impactando. Podendo ter uma variação de emoções dependendo do público, por isso é de extrema importância na coleta de dados da pesquisa em design que essas características estejam de uma maneira clara para todo o time.
O que é bonito vende mais?
Existem situações que vão além da solução de um problema, exploram também outros sentimentos, como o próprio desejo por algo que não veio motivado por necessidade.
Podemos pegar como exemplo um automóvel, um bem de consumo que o usuário já pode possuir um que cumpra muito bem a necessidade de levá-lo do ponto “A” ao ponto “B”. Para muitas pessoas isso é o suficiente e o automóvel cumpre bem o seu papel, mas existem outras que vão além e acabam vendo outros valores neste bem.
Muitas pessoas gostam de artigos de luxo, tanto por causa do conforto quanto pelo ato de ostentar um determinado bem. No universo dos automóveis isso não é diferente.
Pode acontecer também dessas pessoas que são mais exigentes nem saberem muito bem o que querem ou o que seria luxuoso em um automóvel, mas quando as marcas apresentam o produto o consumo se torna instantâneo.
Vamos ver esse exemplo na prática na análise de Donald Norman, autor do livro “Design Emocional”. No livro ele fala sobre ao consumo de um Jaguar 1961 tipo-E e o design visceral:
“Como o design visceral diz respeito a reações iniciais, ele pode ser estudado de maneira muito simples, pondo as pessoas diante de um design e esperando pelas reações. Na melhor das circunstâncias, a reação visceral à aparência funciona tão bem, que as pessoas dão uma olhada e dizem: “Quero isso”. Em seguida elas poderiam perguntar: “O que ele faz?” E, por último, “Quanto custa?”. Essa é a reação que o design visceral aspira, e ela pode funcionar”.
Para um grupo de pessoas, a experiência de um produto como esse vai refletir nos níveis comportamental e reflexivo, se o usuário tiver condições de ter uma estrutura para manter a experiência que esse automóvel fornece, com certeza toda essa jornada será positiva. Agora temos também que refletir que nem todas as pessoas conseguiriam ter uma estrutura para manter um item desse tão luxuoso.
O design emocional nos ajuda a compreender muitas coisas sobre o comportamento humano e suas emoções em relação ao design com um apoio da psicologia e das neurociências.
Mas quais valores realmente importam?
O neurocientista André Souza no podcast “Nerdcast — Notas mentais sobre neurociência” que nem sempre a percepção de valores é clara para um determinado público de pessoas.
Imagine colocar várias pessoas em uma sala na intenção de formar casais, para as pessoas que possuem mais qualidades, que podem ir desde a beleza, inteligência ou até mesmo uma boa situação financeira, vão acabar se interessando por pessoas do mesmo nível.
Consequentemente, as pessoas que não possuem tantas qualidades, vão ter que se contentar com as pessoas do mesmo nível delas.
Já para as pessoas que estariam na média, a percepção de valores ou qualidades umas das outras vão variar conforme o contexto do repertório adquirido até aqui. Para algumas pessoas a beleza pode pesar mais e para outras talvez o caráter pode pesar mais.
Para cada pessoa ali, o seu interesse pode ter motivações diferentes e nada é tão óbvio, como nos dois primeiros exemplos dito anteriormente.
Vale lembrar que até mesmo para os pontos extremos de quem tem mais qualidades e quem tem menos qualidades podem ter exceções, mas por estarem imersos em seus universos distintos, acaba sendo um padrão social.
Mas uma coisa é certa, assim como acontece nos aplicativos de relacionamentos, a questão estética é o que vai fazer as pessoas se conectarem inicialmente, para só depois terem a oportunidade de se conhecer outros valores que ambos possam ter.
Conclusão
Para ajudarmos a projetar boas experiências, temos que considerar o todo dela e não apenas uma parte ou outra.
As questões relacionadas ao visual precisam fazer parte dessa conversa, assim como outros seres vivos, somos atraídos pelo que consideramos bonito e agradável aos nossos olhos.
Faz parte de quem somos e o design pode nos ajudar a conhecer ainda mais sobre nós mesmos.
Bibliografia
- YABLONSKI, Jon. Leis da psicologia aplicadas a UX. São Paulo: Novatec, 2020
- NORMAN, Donald A. Design emocional. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.
- OTTONI, Alexandre. et al. Notas mentais sobre neurociência.