MÉTRICAS EM UX

A Relação entre UX e Métricas: Acompanhamento prático de métricas

O que mudou na relação do Designer com o uso de dados e como realizar um acompanhamento acionável desses insumos.

Gabriel Pinheiro Maciel
UX Collective 🇧🇷
10 min readAug 3, 2020

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Cena do filme Gravidade, com uma astronauta realizando um ajuste num satélite, ilustrando planejamento é diferente de análise
Lançar a nave para o espaço, é diferente de atuar no espaço. Coleta e análise.

Por onde você começa ao se deparar com um relatório de analytics? Se tentar olhar para as métricas esperando que tudo faça sentido, você terá problemas.

Por mais que o relatório ou a dashboard estejam orientadas conforme o mapeamento da sua interface e vinculado ao objetivo que você estabeleceu, se não sabe o que está procurando responder, dificilmente encontrará resposta alguma. E por muitas vezes eu já presenciei este tipo de situação, a equipe de designer briga para ter acesso aos dados, mas quando se depara com as informações em mãos, não consegue extrair todo o valor contido no material, parando em uma primeira compreensão.

Quando olhamos para a nossa comunidade de design, percebemos que não existem muitos conteúdos práticos. E aqueles que se arriscam a falar um pouco mais a partir desta perspectiva, acabam tendendo a criar fórmulas ou receitas, o que simplesmente não é replicável, porque todo conjunto de dados está relacionado a produtos inseridos em contextos e ecossistemas únicos.

Indo adiante: uso prático de dados

Lógica, mais do que ferramentas.

Entendo que para falarmos sobre um uso prático de métricas, do acompanhamento de dados, o consumo prático e funcional deste tipo de recurso depende da atuação em dois momentos: execução do planejamento e consumo das métricas.

Execução do planejamento

A execução do que deve ser acompanhado no seu produto é algo que exige sua capacidade de firmar parcerias e buscar aliados em outras áreas. Por isso, o modelo ideal para definir o que precisa ser acompanhado é construir junto com as áreas responsáveis por cada fonte de informação que pode ser aproveitada.

Benefícios

Dentre os principais benefícios em envolver os responsáveis pelas etapas de configuração e disponibilização dos dados, podemos citar:

  1. Ter visibilidade das restrições e limitações de acompanhamento: uma boa análise de dados, depende de um bom processo de aplicação e sustentação do tagueamento. Algumas vezes o que pretendemos medir não é possível por questões técnicas, ou pela ausência de um planejamento de acompanhamento anterior. Ter visibilidade do que é possível ou não significa atuar em um cenário realista.
  2. Evitar usar cruzamentos muito complexos para enxergar coisas simples: muitas vezes queremos acompanhar cada micro detalhe da interface. Entretanto, a possibilidade de acompanhar tudo, além de um excesso de dados que muitas vezes não acaba sendo aproveitado, pode resultar em cruzamentos que exigem um esforço muito grande para coleta e trazem um retorno muito pequeno. Evite o desperdício na coleta de métricas.
  3. Compreender a real necessidade do que e como queremos acompanhar: quando apresentamos o que queremos acompanhar para especialistas, eles nos ajudam a questionar a real intenção e importância de acompanhar determinados eventos e comportamentos. Deixe as pessoas à vontade para questionarem.

Identificando aliados

Uma forma de facilitar execução do planejamento é identificar as fontes disponíveis em sua organização e quais os respectivos tipos de métricas eles conseguem gerar/fornecer. Isso porque você já saberá quais grupos precisará recorrer e também estabelecer um processo que integre estas áreas, caso a necessidade de coleta seja recorrente.

Um frame para mapear as fontes e tipos de dados disponíveis em sua organização.
Mapeamento as fontes e tipos de dados disponíveis em sua organização

Um outro benefício que este simples mapa traz é que facilita a execução, porque evidencia o que precisa ser trabalhado, ele também ajuda no próprio planejamento, identificando quais são os tipos de dados disponíveis em sua organização.

Uma visão detalhada do frame, identificando os responsáveis, a postura e ações com foco em relacionamento.
Identificando os responsáveis e estabelecendo ações

Além disso, com visão de fontes é possível identificar os responsáveis e traçar algumas estratégias para facilitar o acesso e a integração deles ao processo de iteração dos produtos.

O uso deste detalhamento do mapa é simples, consiste em identificar o responsável, a postura dele em relação ao processo, ou a sua equipe, e ações que podem ser feitas para continuar reforçando uma postura positiva, alterar uma postura neutra, ou até mesmo mudar uma negativa.

O interessante é que você pode fazer isso não apenas por tipo de fonte, mas também por tipo de dado, porque às vezes dentro de uma mesma área, podem existir pessoas diferentes responsáveis por determinados tipos de informação.

O uso de métricas é um esporte coletivo

Cena do filme Jamaica abaixo de zero, a equipe carregando o trenó para terminar a competição.
Cena do filme Jamaica abaixo de zero, a equipe carregando o trenó para terminar a competição.

De maneira geral, o melhor caminho para conseguir executar um bom planejamento é: envolver os especialistas no processo. Quanto mais cedo você envolve-los, mais eles se sentirão como parte integrante do processo e serão mais participativos.

Por exemplo, se você envolve um especialista ainda durante a etapa de discovery, ele já pode trazer alguns dados específicos que podem ser utilizados não apenas para comparação em coletas futuras, mas também para enriquecer a própria exploração inicial da solução.

Ao contrário de quando você traz a figura de métricas, apenas quando o protótipo está pronto. Neste caso, você provavelmente vai ser colocado em uma fila de priorização de demandas.

Consumo de dados

Na primeira publicação sobre o tema, abordei o consumo de dados a partir da estruturação de uma rotina de acompanhamento recorrente, baseada no objetivo do produto e dos pontos mapeados da sua interface. Este modelo é ótimo para estruturamos um report que garante o acesso as métricas, entretanto, não especifica como interpretamos os dados coletados.

Durante a etapa de planejamento, começamos a falar de métricas de maneira associada ao objetivo da estrutura: o que estamos nos propondo a resolver na vida das pessoas? Essa abordagem pode ser vista como uma maneira de mensurar o sucesso da nossa iniciativa.

Para tornar esse objetivo acionável, precisamos usufruir de um conceito que me foi apresentado pelo Huxley Dias que se chama: Core Action. Ela representa a principal tarefa que seu cliente precisa fazer na sua experiência.

Para alcançar determinado objetivo, o cliente precisa realizar determinada atividade.

Com visibilidade do objetivo e da atividade principal — ou do conjunto de atividades principais — basta saber qual o tipo de resposta que você está buscando: o negócio vai bem? A base está se renovando? Um novo recurso teve uma boa adoção? Ou ainda: as pessoas continuam usando com frequência?

Precisamos estar atentos também para quando olhamos para um conjunto de dados, levar em consideração a influência que o tempo exerce sob eles. Por exemplo, as perguntas que você vai fazer olhando para as métricas de um produto que acabou de ser lançado no mercado são bem diferente daquelas relacionadas a um recurso que já está sendo usado já há algum tempo.

Para fazer as perguntas certas

Para saber qual o tipo de pergunta deve ser feita, você precisa primeiro entender como a sua companhia enxerga alguns critérios associados a cada estrutura do ecossistema:

  • O que é considerado adoção no contexto da estrutura “X”?

Exemplo 01: Baixar o aplicativo / + Criar uma conta / + Primeira transação
Exemplo 02: Avaliar um produto / + Avaliar e comentar 25% dos produtos comprados
Exemplo 03: Favoritar ao menos 5 conteúdos

  • O que é considerado conversão no contexto da estrutura “X”?

Exemplo 01: Adicionar um produto ao carrinho / + Finalizar Comprar
Exemplo 02: Realizar a assinatura de um clube recorrente
Exemplo 03: Realizar assinatura de um clube de benefícios
Exemplo 04: Realizar o cadastro para receber novidades

  • O que é considerado engajamento no contexto da estrutura “X”?

Exemplo 01: Indicar ao menos 3 amigos para usar
Exemplo 02: Avaliar X% dos pedidos no serviço
Exemplo 03: Realizar “X” logins em intervalo de tempo “Y”
Exemplo 04: Fazer uma compra na loja após 2 meses como sócio do clube de assinatura

  • O que é considerado retenção no contexto da estrutura “X”?

Exemplo 01: Permanecer na base após a primeira infância (3 meses)
Exemplo 02: Continuar comprando ao menos de 2 em 2 meses
Exemplo 03: Manter ticket-médio em R$ xx,xx
Exemplo 04: Realizar login ao menos 1x por mês
Exemplo 05: Adicionar ao menos 1 conteúdo por semana no favoritos
Exemplo 06: Manter a base de clientes ativa em “x%”

  • Qual é considerado a core action no contexto da estrutura “X”?

Exemplo 01: Selecionar produto de uma lista
Exemplo 02: Adicionar produto ao carrinho
Exemplo 03: Clicar em Assistir Trailer para ver prévia do conteúdo
Exemplo 04: Clicar em pagar fatura / + Clicar em solicitar 2 segunda via de fatura

  • Quais são as mudanças de comportamentos esperados no contexto da estrutura “X”?

Exemplo 01: que o cliente passe a consumir determinado tipo de produto
Exemplo 02: que o cliente passe a acessar mais vezes o produto
Exemplo 03: que o cliente mantenha-se mais tempo com saldo na conta
Exemplo 04: que o cliente passe a interagir mais com os recursos de interação
Exemplo 05: que o cliente ligue menos para a central de atendimento

Para identificar as estruturas em seu ecossistema, você pode usar a matriz de classificação de estruturas que apresentei em “Mapeamento generativo de produtos”. E para chegar nestas definições é preciso promover o diálogo entre as áreas de negócio, gestores de produto e as equipes responsáveis pelas análises de dados. Quando não existe esta visão compartilhada, cada indivíduo pode assumir como verdade os seus próprios conceitos.

Consumindo métricas de maneira acionável

Para apoiar a maneira como este tipo de informação pode ser incorporada ao seu dia a dia eu criei algumas classificações que ajudam não no emprego de fórmulas, mas no desenvolvimento de um racional que auxilie a criar combinações coerentes com cada um destes contextos.

Uma matriz dividia em quatro quadrantes: Sustentação, alcance, desempenho e comportamento.
Usar estes quadrantes te ajudam a escolher as perguntas certas para as respostas que você precisa obter.

Sustentação
Quando falamos de sustentação, estamos falando de todas as métricas que são fundamentais para continuar entregando valor para sua base de clientes ativa, ou seja, estamos falando de métricas associadas à retenção e engajamento.

Numa perspectiva de tempo: Precisamos considerar que novos clientes terão percepções e necessidades de retenção e engajamento muito diferentes do que clientes que já estão há mais tempo em sua base. Novos clientes precisam se encantar, se sentirem seguros, enquanto para os clientes recorrentes precisamos olhar muito para os indicadores de satisfação e a maneira como a experiência está conseguindo se adequar a suas expectativas e necessidades.

Alcance
Este quadrante diz respeito a todas as métricas associadas à aquisição de novos clientes para a sua base. Muitas vezes um mesmo produto pode abrigar públicos com diferentes necessidades. Isso significa que um recurso que é utilizado por apenas parte da base pode ser melhorado para que gere valor para os demais grupos.

Numa perspectiva de tempo: é preciso entender quais são as estruturas que estão relacionadas ao interesse de cada público e como o investimento associado a cada um deles se reflete nos resultados da sua companhia.

Comportamento
Este quadrante apresenta a possibilidade associada a duas perspectivas distintas: o uso da interface e a motivação relacionada ao uso das suas estruturas. Por exemplo, as pessoas estão usando apenas para pagar a fatura, ou estão consumindo os conteúdos disponibilizados a partir do seu app? E as que usam para pagar fatura, elas estão conseguindo realizar esta atividade?

Numa perspectiva de tempo: precisamos compreender como a evolução da base de clientes muda a forma como as pessoas percebem e usam suas experiências. Por isso, as métricas de comportamento devem ser acompanhadas por grupos de clientes com diferentes tempos de base. Um cliente que acabou de entrar usa os mesmos recursos que um cliente que já está há 1 ano na base?

Desempenho
Quando olhamos a partir de uma perspectiva de desempenho, estamos olhando diretamente para os indicadores associados a sua camada de negócio. As métricas indicadas aqui estão altamente ligadas a efetividade e projeções de crescimento das suas estruturas.

Numa perspectiva de tempo: vamos acompanhar as oscilações e os resultados obtidos, acompanhando a influência de eventos externos e comportamentos sazonais. Quanto mais tempo de vida, mais assertiva é o acompanhamento do desempenho da sua companhia.

Usando estes quadrantes é possível exercitar diferentes métricas para entender como o seu produto esta se desenvolvendo e qual valor ele está entregando para as pessoas e para o negócio.

Conclusão

Na verdade, para mim, a mudança na forma como o designer se relaciona com dados é apenas um reflexo da maneira como as estruturas organizacionais estão se adequando a um novo cenário, mais dinâmico, complexo e hiperconectado e que exige de nós uma capacidade de adequação.

O design sempre teve uma cultura analítica. Entender o comportamento das pessoas foi o que fundamentou os princípios da nossa disciplina e que nos tornou capazes ascender nas organizações.

Entretanto, percebo que o uso de dados ainda é um ponto de bastante interesse e também de carência em nossa comunidade de design. Olhando especificamente para a maneira como a relação entre UXers e dados tem se desenvolvido, entendo que a nossa disciplina de design ainda está aprendendo como incorporar de maneira acionável ao nosso dia a dia.

A capacidade de interpretar esse tipo de informação, evidencia a necessidade de algo muito mais profundo em nossa disciplina e que ao longo do tempo colocamos numa caixa preta, associada a ferramentas pré-formatadas: o thinking. O Design está entrando em um novo momento, onde a calibragem dos aspectos do thinking e do craft tornam-se fundamentais.

O que vem por ai?
Eu continuarei falando em publicações futuras sobre o uso de métricas no design. Nas próximas publicações falarei um pouco sobre heurísticas para o uso de dados, trazendo algumas dicas para ajudar a construir uma cultura analítica. Também vou apresentar o conceito de data labs, o que podemos aprender com a maneira como diferentes esportes tem usado dados e também algumas formas de exercitar a capacidade de cruzar informações em diferentes situações e contextos.

Agradecimentos:
Um agradecimento especial para Huxley Dias que sempre me apoiou e ajudou em meus aprendizados relacionados ao uso de métricas no contexto de design e produtos. Agradeço também a Ofhelia Raquel R. Lemos por me ajudar na revisão deste material.

O UX Collective doa US$1 para cada artigo publicado na nossa plataforma. Esta história contribuiu para o UX Para Minas Pretas (UX For Black Women), uma organização Brasileira focada em promover equidade para mulheres Pretas na indústria de tech através de iniciativas de ação, empoderamento, e troca de conhecimento. Silêncio contra o racismo sistêmico enraizado na sociedade não é uma opção. Construa a comunidade de design na qual você acredita.

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