Ampliando horizontes: Uma visão sobre a cognição distribuída em UX
Como a teoria da cognição distribuída pode nos ajudar a entender melhor as necessidades dos usuários.

Se você, assim como eu, adora testar milhões de apps de produtividade, anotação e gerenciamento de tempo, talvez você já tenha se deparado com uma das expressões da teoria da cognição distribuída sem nem saber.
O que se entende hoje por “cognição distribuída”, como termo, surge a partir de estudos e artigos de Edwin Hutchins na década de 1990 (Rocha, J. A. P., Paula, C. P. A. de, & Sirihal Duarte, A. B. (2016)) e consolida-se com o seu artigo “Distributed cognition: toward a new foundation for human-computer interaction research”, embora autores pregressos (sobretudo os preponentes da psicologia sócio-histórica, tais como Vigotski, Luria e Leontiev) já discutiam a relação entre como nossa mente processa os fenômenos a nossa volta com os contextos sociais, culturas e físicos que nos cercam.
Mas do que de fato ela se trata?
A cognição distribuída, conforme proposta por Hutchins (2000) redefine os processos cognitivos como fenômenos que ocorrem além dos limites do cérebro humano, distribuindo-se através de artefatos culturais, sistemas simbólicos e interações sociais.
Na prática? Isso significa que usamos recursos externos a nós — membros do nosso grupo social, artefatos físicos e digitais e o ambiente como um todo — para amplificar nossa capacidade cognitiva.
Implicações para UX
Se você captou bem do que se trata a cognição distribuída, você já tenha entendido em que ponto nossa prática profissional é transpassada por ela.
Embora aplicativos de produtividade sejam um exemplo escancarado de como utilizamos ferramentas externas para realizar atividades cognitivas por nós — um pomodoro para nos ajudar a ter foco, uma lista de tarefas para no Notion para nos lembrar de tudo que temos para fazer ou as anotações interconectadas do Obsidian — em última instância, qualquer produto ou interface desenvolvida por nós tem potencial de “compartilhar” parte da nossa cognição.
Quer exemplos? Segura:
- O recurso de autocompletar em formulários (onde delegamos tarefas para o sistema);
- O histórico de navegação e sua aba de favoritos no seu navegador (externalizam a memória);
- Um style guide bem definido e coeso (simplifica a tomada de decisões por reconhecimento de padrões).
Todos são exemplos de como não dependemos mais apenas de recursos internos para realizar atividades.
Essa é uma implicação muita mais filosófica do que prática, admito. Mas ao pensarmos em abordar nossos projetos sob essa ótica, podemos entender, por exemplo, o sucesso de um de nossos queridinhos: o Figma.
- Pense em como o Figma nos permite criar diversos tipos de artefatos;
- Pense também em todas as formas pelas quais esses artefatos podem ser representados no programa — anotações escritas, desenhos, emojis, selos, etc.
- Por fim, pense no recurso de versionamento e histórico do aplicativo.
O que o Figma faz, com tudo isso, é tornar a colaboração em tempo real num processo cognitivo distribuído, através do qual você, em grupo (todos os colaboradores que fazem edições num projeto), excede suas capacidades cognitivas individuais.
Mas, se o usuário precisa desses artefatos externos para superar suas capacidades… o que acontece quando esses artefatos não estão disponíveis?
E se estivermos fazendo coisas demais pelo nosso usuário?
A integração entre a cognição distribuída e o campo do UX/UI Design é digamos um salto na compreensão da nossa atividade: não somente atender as expectativas e necessidades do usuário, mas ajudá-lo a superar seus limites internos num ambiente cognitivo sustentável.
E isso traz um questionamento:
Até que ponto, ao criarmos artefatos úteis para a cognição do usuário, não estamos na mesma medida tirando sua capacidade de resolver problemas por conta própria?
É com essa pequena pulga atrás da orelha que pensei em escrever esse artigo. Tenho uma resposta para essa dúvida? Claro que não.
Mas me arrisco a dizer que no futuro vamos precisar encontrar o equilíbrio entre:
- Manter a autonomia do usuário;
- Desenvolver produtos que diminuam a sobrecarga cognitiva.
E para isso, haja estudo.
Referências
- Rocha, J. A. P., Paula, C. P. A. de, & Sirihal Duarte, A. B. (2016). A Cognição Distribuída como referencial teórico para os estudos de usuários da informação. Informação &Amp; Sociedade, 26(2)
- James Hollan, Edwin Hutchins, and David Kirsh. 2000. Distributed cognition: toward a new foundation for human-computer interaction research. ACM Trans. Comput.-Hum. Interact. 7, 2 (June 2000), 174–196
- MELLO, D. E. de; VALLINI, S. A. de A. .; VIEIRA, V. D. As tecnologias digitais: Uma análise a partir da teoria da cognição distribuída. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp.1, p. 0768–0780, 2022. DOI: 10.21723/riaee.v17iesp.1.16327