Co-criação no design: desenhando com os usuários
Falamos sempre por aqui sobre a importância em se fazer pesquisas com usuários durante o projeto. Criamos até uma série de posts que falam exatamente sobre isso: os benefícios, os desafios, os métodos e os aprendizados de um processo de design que seja verdadeiramente centrado no usuário.
Testes de usabilidade, focus groups, workshops, pesquisa etnográfica — são vários os métodos que os UX Designers utilizam para investigar mais a fundo como as pessoas interagem com determinado produto ou serviço e o que elas esperam ao fazê-lo.
Mas existe um método ainda pouco utilizado que já começa a mostrar bons resultados por aqui…

A co-criação com os usuários
A co-criação é uma alternativa que aproxima ainda mais os UX Designers dos seus futuros usuários. Trata-se de aumentar drasticamente o envolvimento do usuário dentro do processo criativo.
Como?
Trazendo os usuários para colaborar diretamente com os designers na hora de pensar ideias para o produto ou serviço.
Diferente de um focus group, onde existe uma série de perguntas pré-determinadas pelo moderador, na co-criação os usuários colocam a mão na massa junto com os designers e participam de workshops, brainstorms, sessões de sketching e ajudam os designers a refinarem os conceitos criativos daquilo que estão co-criando com os usuários.
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É a mudança do “designing for” para o “designing with”[/caption]
Ao fazer isso, você aproveita a energia criativa das pessoas que efetivamente utilizam o produto e tornam o processo criativo muito mais heterogêneo e mais próximo da realidade.
O sim e o não estão ali do seu lado
Uma das grandes vantagens da co-criação é que as respostas estão ali do seu lado. Em um processo tradicional (onde os designers pensam as ideias primeiro, refinam os conceitos e só então partem para testá-las com os usuários), designers acabam perdendo muito tempo refinando conceitos que não fazem sentido para os usuários finais do produto.
A resposta está ali do seu lado. Quando você fala alguma ideia que parece interessante no papel mas que não necessariamente resolve algum problema do usuário final, a reação já aparece na hora: uma expressão de dúvida, uma testa franzida, um “não sei não…” já são suficientes para desafiar o designer a justificar suas ideias com insights que sejam verdadeiramente centrados no usuário.
No fim do ano passado fizemos esse teste em um projeto no qual estamos trabalhando aqui na R/GA. Ao invés de agendar uma etapa de testes e pesquisas para validar os conceitos que nosso time tinha criado (algo que acontece normalmente algumas semanas depois que o processo criativo já começou), decidimos agendar um mês inteiro de co-criação com usuários.
As pessoas eram convidadas a trabalharem com a gente das 10h às 17h, como se fossem membros do time. Eram quatro usuários por vez. Dois fixos (que possuíam um perfil mais criativo) acompanharam o processo do começo ao fim durante quatro semanas; e a cada semana convidávamos dois novos usuários para virem co-criar com a gente. Os usuários, claro, eram remunerados pela participação como se fossem “freelancers” que estavam trabalhando com a gente. A diferença é que eram pessoas que já usavam o serviço (ou então algum serviço concorrente) e por isso possuíam insights valiosíssimos sobre aquilo que estávamos criando.
Nota ao Gerente de Projetos: um mês pode parecer muito tempo, mas é importante observar que nesse caso estávamos mesclando a etapa de “descoberta” (discovery), de concepção criativa e de construção de requisitos e user stories. No fim das contas não estendemos o cronograma em nem um dia sequer; o único gasto extra foi a remuneração dos usuários durante aquelas quatro semanas.
Aumentando a empatia entre designer e usuário
Uma outra vantagem da co-criação é aumentar a empatia entre o designer e o usuário final do produto. Passamos um mês inteiro com aquelas pessoas. Como em qualquer relação humana, você acaba criando empatia pelo seu novo amigo.
Você vai almoçar com eles, conversa sobre coisas cotidianas, sutilmente investiga mais sobre o contexto de uso do serviço ou sobre a rotina do usuário e como o serviço se encaixa nela. Aos poucos vocês acabam criando uma amizade, como com qualquer outro colega de trabalho, o que te permite entender mais sobre o que agrada aquela pessoa e o que a desagrada. E quando você começa a conhecer melhor uma pessoa, é natural que suas ações e decisões se moldem para aquela nova realidade.
Outra diferença notável acontece na hora de criar os requisitos (na última semana de co-criação, antes de começar efetivamente a etapa de produção). Como os designers estão envolvidos com os usuários durante todo o processo criativo, fica muito mais fácil entender e justificar as necessidades do usuário por trás de cada requisito do novo serviço. O que ajuda, obviamente, a tomar decisões mais fundamentadas durante a etapa de design e produção.

Receber visitas requer preparo
Pense no processo de co-criação como quando você recebe visitas em casa (aquele seu primo que vem passar algumas semanas na sua cidade). Naturalmente, é necessário um certo preparo para que a experiência daquele visitante seja a melhor possível, e para que vocês consigam aproveitar o tempo que têm juntos de forma produtiva e divertida.
- Chegue antes das visitas, saia depois. Você e seu time não precisam ter um calendário pré-determinado para cada um dos dias em que os usuários estarão in-house para co-criar com vocês; só uma ideia geral semana a semana já ajuda. Mas é importante separar 1 hora por dia antes das atividades começarem para preparar o material que vocês vão precisar, repassar as atividades com o time e providenciar algo que seja necessário para aquele dia. E no final do dia, tomar 1 hora com o time (sem os usuários) para sumarizar aquilo que vocês aprenderam naquele dia e discutir o que deve ser feito no dia seguinte.
- Faça os usuários se sentirem à vontade. Como com qualquer visita que você recebe em sua casa, é importante garantir que eles se sintam à vontade no período em que estiverem lá. Comece com atividades “quebra-gelo”, onde vocês se apresentam e contam um pouco dos seus hobbies, atividades e planos para as próximas férias. Usuários que se sentem à vontade estão mais propensos a falarem o que estão pensando e não guardarem feedback para si com medo de serem inconvenientes com vocês.
- Evite certas discussões na frente das visitas. Em alguns momentos do período de co-criação, é natural que você e seu time precisem discutir coisas como budget, relação com o cliente e cronograma. Deixe os usuários de fora dessas discussões — justamente para não “contaminá-los” com preocupações que são mais burocráticas do que criativas.
- Pergunte aos usuários como melhorar ainda mais o processo. Apesar de vocês terem um plano do que pretendem fazer semana a semana, pergunte também aos usuários o que eles acham que vocês poderiam fazer ou sobre processos que não estão funcionando muito bem. Esteja preparado para mudar o caminho que vocês estão seguindo naquela semana de acordo com o feedback que você receber deles.
Dando os primeiros passos para a co-criação
O processo de co-criação com usuários tem inúmeras vantagens, mas requer também preparo e uma mudança de pensamento dentro da empresa.
Não são todas as empresas e os times que estão prontos para aceitar o fato de que ideias podem sim partir dos usuários. Se a empresa não acredita nisso, dificilmente apoiará o investimento (de tempo e paciência) necessário para trazer os usuários para co-criar com o restante do time.

Comunique com clareza para os stakeholders o porquê de vocês estarem fazendo essa mudança no processo, e certifique-se de que os resultados também são compartilhados — como forma de ajudar a comprovar a eficácia da co-criação.
E obviamente, seja criterioso no processo de seleção de participantes para a co-criação. Diferente de um processo de recrutamento para testes de usabilidade, por exemplo, onde um ou dois usuários que não são muito participativos acabam sendo compensados por mais três ou quatro que o sejam, na co-criação vocês investirão muito tempo junto daquelas pessoas. Considere uma entrevista pré-recrutamento (pode ser por vídeo mesmo) para sentir se a pessoa consegue articular ideias com clareza e se ela tem um perfil mais criativo do que a média dos consumidores daquele produto ou serviço. Selecione um time de “usuários all-stars”. Lembre-se que eles estão sendo (bem) pagos para participar dessa jornada em tempo integral junto com você e seu time.
Se você já passou por um projeto assim, ou se sua empresa de certa forma já incorpora a co-criação com usuários no processo criativo, fique à vontade para compartilhar sua experiência aí nos comentários :)