LIDERANDO PELO CRAFT

Colaboradores individuais e gerentes não são mutuamente exclusivos — Kim Bost

Entrevista com Kim Bost sobre o equilíbrio entre ser um colaborador individual e um gerente.

Luciano Infanti
UX Collective 🇧🇷
8 min readNov 16, 2020

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Kim Bost, ilustrada por Shreya Damle.
Kim Bost, ilustrada por Shreya Damle.

Liderando pelo Craft é uma série limitada de artigos onde lançamos uma luz sobre histórias de designers com carreiras de sucesso como colaboradores individuais.

Com a curadoria e publicação de centenas de artigos todos os meses no UX Collective, notamos uma abundância de recursos para designers que estão mudando de carreira para gerenciamento, mas uma lacuna para aqueles que querem continuar a se concentrar em seu trabalho.

Esta série destaca profissionais (como a Kim Bost) que nunca permitiram que sua senioridade os afastasse do que os tornava excelentes em primeiro lugar: sua prática, sua paixão e seu trabalho.

Com mais de 15 anos de experiência no design, Kim Bost é atualmente Diretora de Design na Work & Co e anteriormente foi Principal Designer no Dropbox — também é mãe de um cãozinho, enófila, às vezes padeira, e ceramista amadora.

UX Collective: Existiu um momento na sua carreira em que você percebeu que queria permanecer como uma colaboradora individual, e não necessariamente se tornar uma gerente?

Minha primeira função como gerente foi em 2012, onde liderei a equipe de Experiência do Comprador na Etsy. É engraçado, me tornar gerente não estava no radar, mas descobri que estávamos adicionando mais estrutura à equipe através de novos cargos de gerentes e pedi para assumir uma dessas funções. A indústria do design era diferente, pois havia pouca ou nenhuma discussão sobre o que significava ser gerente. Minha principal motivação para fazer essa mudança foi porque associei o papel a poder e influência — que se mostraram verdadeiros e ainda são hoje.

Sim, a gestão é uma função focada nas pessoas e os melhores gerentes são profundamente habilidosos em orientação, crescimento, desempenho, motivação etc. — mas, especialmente em uma organização de tecnologia, gerentes também são os primeiros na sala a fazer definição de metas, estratégia e planejamento.

Isso é algo que estávamos trabalhando para mudar durante meu tempo no Dropbox, enquanto descobríamos como apoiar o crescimento dos seniores tanto para funções de gerenciamento quanto para funções como colaboradores individuais. Se a equipe e os Principal Designers estão no mesmo nível dos gerentes e diretores, e, sua responsabilidade é definir, executar e entregar a estratégia — então eles deveriam estar presentes também e, em alguns casos, são mais importantes do que alguém focado só em pessoas. Na minha opinião, os colaboradores individuais seniores geralmente se comunicam mais e estão mais próximos do trabalho, de modo que podem ser mais adequados para contribuir com a estratégia, porque os gerentes tendem a se espalhar muito. (Posso escrever outra entrevista inteira sobre como organizações perdem tempo e dinheiro mantendo seus talentos mais bem pagos e qualificados em reuniões o dia todo, especialmente os gerentes.)

Tive vários empregos de gerenciamento, mas decidi fazer a transição e voltar a ser uma colaboradora individual há alguns anos, no Dropbox. Eu estava gerenciando uma equipe de 12 pessoas e, para ser honesta, estava exausta.

De qualquer forma, tive vários empregos de gerenciamento, mas decidi fazer a transição e voltar a ser uma colaboradora individual há alguns anos, no Dropbox. Eu estava gerenciando uma equipe de 12 pessoas e, para ser honesta, estava exausta. Eu li o livro Designing Your Life, e nele há um exercício onde você tem que manter um registro de todas as suas atividades (pessoais e profissionais) e identificar se a atividade foi energizante ou desgastante e se ela te colocou em estado de "fluxo". O padrão era muito claro para mim: as reuniões (a maior parte do meu trabalho como gerente) absorviam muita energia e as atividades onde eu estava criando — cozinhar o jantar, trabalhar em um processo de design para a equipe, pintar cartazes de protesto — eram energizadoras e eram atividades onde eu estava em um estado de fluxo. Isso é parte do que me levou a pedir para mudar de emprego.

Template no Dropbox criado por Kim para ajudar designers a definirem melhor os problemas que estão tentando resolver.
Kim compartilhou este modelo com sua equipe no Dropbox para ajudar designers a definirem e compreenderem melhor os problemas que eles precisam resolver.

Outro fator importante era que, na época, eu trabalhava para uma grande empresa com uma organização de design madura que podia dar suporte aos vários níveis que tínhamos. Nós, como indústria, não falamos sobre como isso é difícil de fazer e sobre o escopo e os recursos que isso necessita. Por outro lado, se você está em uma startup, está trabalhando em uma pequena equipe ou está em um estágio em que, por algum motivo, a função de design pode ter prioridades mais importantes, como manter as coisas funcionando.

Nessa linha, não vejo a decisão de passar de colaborador individual para gerente ou gerente para colaborador individual como algo irreversível ou mutuamente exclusivo. O fato de ter experiência em gerenciamento — ou seja, que sei como mentorar, como resolver conflitos de pessoas, como identificar quando preciso olhar para fora da minha equipe imediata para conectar as peças, etc. — aumentou minhas habilidades como colaboradora individual em dez vezes. Consigo enxergar além do trabalho de design e ver o ecossistema mais amplo da empresa e seus objetivos, o que aumenta minhas chances de fazer algo bom.

Eu realmente incentivo as pessoas a experimentar o gerenciamento e até mesmo ir pra depois voltar. E só porque estou em uma função de colaboradora individual agora não significa que nunca mais serei gerente.

Screenshot do artigo de Kim no Dropbox Design.
No Dropbox, Kim liderou uma equipe para identificar e avaliar oportunidades de novos produtos. Ela escreveu sobre esse processo aqui.

Não mutuamente exclusivo

Você mencionou que não vê colaboradores individuais e gerenciamento como duas faixas mutuamente exclusivas. Como alguém encontra o equilíbrio certo entre liderar o trabalho e liderar a equipe?

Eu vejo o trabalho de gerenciamento e de contribuidores individuais como precisando de conjuntos de habilidades diferentes e especializados, mas não vejo esses conjuntos de habilidades como mutuamente exclusivos. Os gerentes e contribuidores mais influentes tendem a ter uma mistura de habilidades em liderança e execução.

Gerentes com boa capacidade de execução podem orientar melhor os designers na solução de problemas difíceis e esses designers serão mais propensos a buscar e seguir sua orientação. Colaboradores com aquilo que normalmente consideramos habilidades de gerenciamento (ter uma boa compreensão do processo, construir um alinhamento multifuncional, liderar uma equipe através da ambiguidade, definir e cumprir metas de negócios, etc.) podem assumir projetos mais complicados e entregar bons resultados.

Quando estava no Dropbox, tive uma parceria dos sonhos com minha gerente e Diretora de Design, Jenna Bilotta. Tínhamos uma combinação dos conjuntos de habilidades que descrevi acima e não apenas nossa relação de trabalho era realmente harmoniosa, mas a equipe também se beneficiou. Então, por exemplo, dividiríamos os projetos grandes e confusos entre nós duas e, na prática, tínhamos um papel muito semelhante, mas com títulos diferentes.

É nossa natureza querer traçar limites rígidos, mas o melhor trabalho que fiz e as melhores equipes em que estive foram quando as pessoas ultrapassavam esses limites. Isso também se aplica à colaboração multifuncional.

Como esse equilíbrio está funcionando para você?

Eu estaria mentindo se dissesse que não fico um pouco assustada por ir contra a corrente. Tenho quase 40 anos. A maioria dos meus amigos designers está na gestão. Eles são diretores, vice-presidentes, nível C etc. e têm títulos chiques. Uma forma negativa de colocar isso é que tenho medo de ser a colaboradora individual mais velha na sala. E ainda por cima, sendo mulher.

Não existem muitas pessoas por aí que definiram isso para mim. Mas, por outro lado, talvez eu esteja definindo algo para outra pessoa e talvez isso a faça se sentir melhor sobre ser fiel a seus instintos. E eu tento permanecer forte e fazer isso por essas pessoas e por mim.

Em termos de carreira, isso pode me fazer perder o sono às vezes. Tenho a mesma síndrome impostora e viés de comparação que todo mundo. Mais uma vez, meus pensamentos negativos me dizem que estou falhando porque não sou vice-presidente de design em algum lugar ou que eventualmente terei menos oportunidades porque não estou seguindo o caminho tradicional. Mas, na prática, isso não tem sido verdade. O trabalho está ficando mais difícil, não mais fácil, e é útil ter pessoas com profunda experiência para poder lidar com essas questões.

Honestamente, porém, meu sonho é começar meu próprio negócio um dia. Ainda não sei o que é esse negócio, mas sei que ter essa mistura de gerenciamento com esse conjunto de habilidades de contribuidora individual será uma vantagem.

Screen shot do projeto paralelo de Kitchen Rodeo.
Kim trabalha com amigos em um projeto paralelo, o Kitchen Rodeo, onde as pessoas cozinham à distância com chefs e arrecadam dinheiro para caridade.

Quais são alguns dos desafios que você vê na nossa indústria para aqueles que querem continuar a crescer, mas não querem assumir uma posição de gestão?

Isso é tão real para mim porque muitos designers me perguntaram no Dropbox, “estou crescendo em minha carreira e preciso decidir se vou ser um gerente ou não.”

  • Meu primeiro conselho foi não pensar nessa escolha como algo permanente ou definitivo. Mas, por todos os motivos que descrevi acima, acho que a indústria vai começar a abraçar e celebrar mais fluidez entre as funções.
  • Meu segundo conselho é remover o título da decisão, pelo menos temporariamente. Em vez disso, concentre-se nos tipos de experiência que você precisa ou deseja ter para crescer e, em seguida, decida um caminho (ou talvez até discuta como fazer o seu próprio!).

O crescimento é algo muito pessoal e impossível de generalizar. Apoiar o crescimento de alguém significa conhecer seus objetivos, suas motivações, seus energizadores e aquilo que lhe drena. E, idealmente, você tem uma noção disso tanto profissionalmente quanto pessoalmente, embora o último nem sempre seja bem-vindo ou apropriado (e com razão).

Para mim, pessoalmente, crescer como uma contribuidora individual significou construir um conjunto de habilidades além do trabalho, onde eu poderia pensar de forma holística, mais estratégica e ter mais influência. Essas oportunidades vêm naturalmente em uma função de gerenciamento, mas muitas vezes precisam ser iniciadas proativamente pelos contribuidores. Tive a sorte de estar em uma função de gerenciamento, mas para as pessoas que não querem fazer isso, eu os aconselharia a tentar borrar os limites rígidos e conseguir algum vislumbre do “outro” lado. Peça para participar de reuniões de estratégia, ajude a controlar um processo de equipe, peça treinamento de liderança (nunca vou entender porque só gerentes recebem treinamento de liderança rs) e encontre um mentor (contribuidor ou gerente) que modele os pontos fortes onde você quer crescer.

O UX Collective doa US$1 para cada artigo publicado na nossa plataforma. Esta história contribuiu para o Bay Area Black Designers: uma comunidade de desenvolvimento profissional para pessoas Pretas que são designers digitais em San Francisco. Por serem designers de um grupo pouco representado, membros do BABD sabem o que significa ser “o único” em seus times de design e em suas empresas. Ao se juntarem em comunidade, membros compartilham inspiração, conexão, mentoria, desenvolvimento profissional, recursos, feedback, suporte, e resiliência. Silêncio contra o racismo sistêmico enraizado na sociedade não é uma opção. Construa a comunidade de design na qual você acredita.

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