Como a arquitetura moderna pode influenciar o design digital
E como ela pode ajudar a conduzir o rumo da história do design digital.

Vivemos um momento muito bom e talvez bastante perigoso para o futuro do design digital. Em uma pesquisa rápida feita no LinkedIn Brasil, encontrei mais de 3.500 vagas de design. Fica até difícil entender a sopa de letrinhas dos cargos exigidos.
Arquitetura e design se parecem muito em suas metodologias e formas de pensar e realizar um projeto. Em ambas, é fundamental dominar aspectos técnicos e humanos para um fazer um bom trabalho. Com mais de 100 anos, a arquitetura pode ser uma grande fonte de inspiração para a história do design digital.
Este texto nasce com o propósito de fazer uma reflexão sobre como a maturidade da arquitetura pode ajudar a conduzir o rumo da história do design digital.
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Domine a matéria prima do seu projeto
Nem vale gastarmos o nosso tempo na discussão se o designer deve ou não saber programar. Esse assunto já foi discutido diversas vezes na indústria e têm opiniões super diferentes. Olhando para a história da arquitetura, fica claro que os grandes arquitetos procuravam dominar a matéria-prima utilizada em seus projetos.
O arquiteto alemão Ludwig Mies Van Der Rohe, estudava a fundo todas as possibilidades de uso do vidro como uma forma de modernizar seus trabalhos. Ele costumava aplicar materiais modernos para definir melhor os espaços internos e externos em uma obra.
Frank Lloyd Wright é considerado por muitos o maior arquiteto de todos os tempos. Ele valorizou, como ninguém, a interação entre espaços interiores e exteriores. Conseguia criar suas obras aproveitando ao máximo a relação do homem com a natureza.
Isso tudo aconteceu porque a arquitetura moderna provocava um senso muito forte de inovação na forma de pensar uma obra. O contexto geral era de ter mais construções com lógica e funcionalidade. O que valorizou e muito o uso racional de materiais, e tecnologia para produzir construções modernas.

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Não crie um movimento separatista
Existiram diversos estilos de arquitetos ao longo da história. Tiveram aqueles que fizeram projetos icônicos no sentido estético e outros que focaram em construir cidades e prédios facilmente escaláveis. Le Corbusier, por exemplo, criou cidades inteiras na França com um olhar bastante sistêmico. Oscar Niemeyer projetou um sonho em Brasília, e obras tão bonitas por fora que são bastante desconfortáveis por dentro.

Geralmente, os arquitetos eram focados em fazer uma boa estrutura. Não existia ou existe o UX e UI arquiteto. A profissão não criou um movimento separatista onde cada profissional cuida de uma parte do trabalho. É apenas mais uma atividade que exige muito estudo e domínio técnico para ser bem executada.
Quando voltamos o olhar para o design digital, infelizmente o mercado criou um movimento separatista entre UX Designer e UI Designer. Existem até empresas com diretorias separadas. Um olhar super antiquado para os desafios que a profissão exige agora.
O designer deveria focar em ser mais fluente na profissão que escolheu, e entender que saber fazer uma pesquisa e uma interface tem o mesmo grau de importância. São apenas etapas do trabalho que se alimentam, e não há necessidade de ser executado por pessoas diferentes.
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A relação entre o projeto, o local e as pessoas
Os arquitetos precisam olhar um projeto sobre diferentes perspectivas — a localidade, orientação, clima, vizinhança, topografia, região, etc.
Frank Gehry, um famoso arquiteto canadense que fez sucesso nos Estados Unidos, diz em seu curso no Master Class, que o arquiteto precisa conhecer muito bem o ambiente ao redor do prédio que será criado. Ele acredita que uma nova estrutura precisa combinar esteticamente com as construções que estão ao redor.

Para fazer um projeto de sucesso, o designer precisa conhecer os objetivos de negócio, as necessidades das pessoas que vão usar o produto, categoria de conteúdo, sistemas de tecnologia, etc. Muito semelhante com os desafios de um arquiteto que precisa dominar o ecossistema para que um projeto seja bem feito.
Um local pode nos dar várias pistas sobre a origem de um edifício e os materiais escolhidos pelo arquiteto. No design digital, podemos perceber também como a nossa solução se adapta ao conteúdo, contexto e sistemas utilizados.
Assim como na arquitetura, o design não é feito somente de serviços essenciais. Existem sites e aplicativos que oferecem entretenimento para as pessoas. Como existem também prédios feitos para serem admirados, sem o propósito de ser um lugar confortável para morar ou trabalhar.
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Não sai de perto da sua obra
O trabalho do arquiteto consiste em criar soluções inovadoras que resolvam um problema ou uma ambição. E para isso acontecer, o profissional precisa trabalhar muito perto dos engenheiros e pedreiros que vão colocar a obra de pé. Imagina como seria frustrante para o arquiteto se os engenheiros fizessem um projeto totalmente diferente do que foi planejado?
Nada muito diferente no design digital. Também precisamos criar produtos e serviços que sejam disruptivos e resolvam os problemas de um mercado. E para isso acontecer, temos que trabalhar muito perto de quem nos ajuda a desenvolver a solução. É muito frustrante olharmos um trabalho no ar feito sem o mesmo cuidado tido no projeto inicial.
Documentar bem é apenas parte da resolução do problema. É preciso ter um vocabulário técnico e jogo de cintura para entender onde algumas dificuldades de implementação podem impactar a solução inicial. É super importante entender bem onde está o problema antes de fazer qualquer mudança no que foi pensado inicialmente. Muitas vezes, a solução está em uma boa conversa entre designers e desenvolvedores.
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A influência da história nos projetos
A Primeira Guerra Mundial teve um impacto muito grande no nascimento da arquitetura moderna. Walter Gropius e Mies Van Der Rohe tiveram stress pós-traumático após os conflitos na Alemanha que perderam mais de 2 milhões de pessoas em 4 anos.


Recentes avanços na neurociência apontam um fator muito importante: uma das razões da arquitetura moderna se parecer tão diferente de obras antigas, foi porque os arquitetos fundadores do século XX não olhavam o mundo como algo fashion. Eles nem poderiam, pois, segundo alguns estudos, seus cérebros estavam traumatizados com as consequências da Guerra.
Ainda é difícil medir todas as consequências da pandemia, mas é fato que vai existir a história do design digital antes e depois do momento que estamos vivendo agora. É super importante entender como novos comportamentos podem influenciar diretamente na forma como projetamos sistemas.
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Não pare de projetar
Os grandes arquitetos da história moderna trabalharam até os seus últimos dias de vida. Fizeram isso porque amavam verdadeiramente a profissão que escolheram. Nada garante que alguns entraram na indústria somente pelo “glamour”, mas só se destacaram quem realmente amava aquilo que escolheu fazer até os últimos dias de vida.
Já no design digital é muito fácil ver as pessoas deixarem de projetar antes mesmo de completar 10 anos de carreira, imaginando que gestão é o único caminho de evolução. Não existe idade para realizar um bom trabalho. Também não podemos cair na armadilha que design é algo somente para a nova geração. É super importante e contagiante a energia das pessoas que entram no mercado, mas nada substitui a experiência de quem já passou por muitos desafios para resolver diversos problemas.
