Como você lida com as expectativas do usuário de seu produto ou serviço?

Aprenda a atender expectativas e nunca mais (ou quase) lide novamente com frustrações.

Marcelo Sales
UX Collective 🇧🇷

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Mãos de uma mulher, segurando um biscoito da sorte chinês partido ao meio e parte da palavra "expectativa", sendo exibido.
Expectativas foram geradas… Crédito da foto: Unsplash (editada por Marcelo Sales).

VVocê começou a ler este artigo por um determinado motivo. Ou alguém te indicou, ou você o encontrou por achar o tema interessante ou simplesmente caiu de paraquedas.

A questão é que independentemente do motivo, antes de começar a ler este conteúdo, você gerou uma expectativa para ele e a partir deste momento eu faço parte do seu julgamento.

Como projetistas e criadores de produtos ou serviços, estamos o tempo todo em busca de uma melhor experiência na jornada da pessoa que irá consumir o seu conteúdo — o que consequentemente fará com que a empresa gere mais negócios e talvez mais promotores do seu produto ou serviço.

Este processo é fundamental para a manutenção do ciclo de vida de qualquer produto e do ponto de contato entre consumidor e empresa.

Quantas vezes você já não presenciou projetos que poderiam ser sensacionais em todos os aspectos, mas que por conta de prazos apertados (ou talvez, ego exacerbado), fatalmente sofrem as consequências da ausência de um aprofundamento maior no entendimento das pessoas que o utilizarão?

Além de aprofundamento na pesquisa antes do lançamento, é fundamental manter os ciclos de manutenção e evolução ativos, pois você até pode usar como desculpa a velha:

“Não houve tempo para uma pesquisa pré-lançamento.”

Mas não há desculpas para se manter desatualizado um produto ou serviço, cujos dados de acesso deixam claro que há problemas de uso.

Aliás, você costuma acompanhar o comportamento das pessoas que usam os produtos que desenvolve, ou deixa isso apenas na mão da “equipe de métricas”?

Gerenciando expectativas, muito além da interface e da experiência

É importante deixar claro que “oferecer uma experiência adequada para todos” (verdadeiramente para todos), é algo que dificilmente acontecerá independentemente de sua preocupação ou não com as expectativas, uma vez que a experiência, além de ser única, tem a ver com toda a jornada que o cliente enfrentará ao consumir o seu produto e cada uma dessas etapas é responsável por determinar uma expectativa diferente em quem está consumindo esse conteúdo.

Também é importante perceber que uma coisa é:

  • o não atendimento satisfatório no processo de uso de um produto ou serviço — e isso invariavelmente tem a ver com percepções subjetivas da própria pessoa, do tipo “gostei” ou “não gostei”;
  • outra coisa é o não atendimento básico e essencial de funcionalidades importantes para a aquisição ou consumo deste mesmo produto ou serviço — o que fatalmente acarretará em uma frustração tanto para o negócio quanto para o cliente e é justamente esse tipo de expectativa que precisamos aprender a gerenciar.

Você deve ouvir o tempo todo termos como UI (User Interface) ou UX (User eXperience), pois esses termos estão de acordo com qualquer framework padrão de desenvolvimento de produtos e serviços, mas quando falamos de expectativas, há uma questão muito comum a quem lida com IHC (Interação Humano-Computador), mas que não é levado tanto em consideração em outras disciplinas (sendo de certa forma, até esquecido).

São as User Expectations, ou seguindo o padrão de siglas, UE; cujo campo de estudo é justamente responsável por lidar com as expectativas das pessoas.

3 círculos ligados por setas entre um e outro com as siglas, UE, UX e UI em cada um deles.

Não, eu não estou criando uma nova sigla.

Estou apenas evidenciando a sua importância no processo que deveria fazer parte de todo o ciclo de desenvolvimento de qualquer produto ou serviço.

E por que isso costuma não ser levado em consideração?

Simplesmente porque as pessoas envolvidas nos projetos estão acostumadas (ou acomodadas ou mesmo são cobradas) em criar seus produtos em cima de personas (quando não em proto-personas) que muitas vezes traduzem de uma forma não completa a real necessidade dos clientes daquele produto ou serviço a ser criado.

Ou então, nos casos em que evoluímos para pesquisas com usuários reais (mas devido aos custos do processo) envolvemos poucos usuários e muitas vezes essas pesquisas acabam sendo utilizadas mais como “viés de confirmação” do que de fato como insumo para direcionamentos inconclusivos e que deveríamos ter “certezas” somente após um longo período de análise pós-publicação, o que normalmente também não é feito, pois envolve se manter focado em um mesmo projeto a médio ou longo prazo.

"Cada vez que pensamos que o problema não é nosso, essa atitude é o problema."

— Stephen Covey

Não confundam essa afirmação como se o problema fosse o uso de personas ou pesquisas — pelo contrário, elas continuam sendo essenciais em todas as etapas.

O problema está na forma como lidamos com esses métodos sem nos aprofundarmos em entender de fato a pessoa em si.

Ao trabalharmos de forma mecânica e direcionada a uma confirmação “da nossa verdade” estamos sabotando o nosso próprio trabalho e longe de pensar verdadeiramente na pessoa que irá utilizar de fato nosso produto.

Envolver pessoas no processo, significa “conhecer de verdade” as pessoas

Enquanto não se abre a mente para lidar com esse entendimento, somos naturalmente direcionados a nos comportar seguindo o modelo de percepção social de Susan Fiske, que nada mais é que criarmos estereótipos ao lidar com pessoas.

Em todas as fases da sua vida, você cria ou criou estereótipos para as pessoas, e, você só as removeu (ou não) dessa “caixinha”, após se relacionar com elas.

Foi, é e sempre será assim com todos os seus relacionamentos pessoais.

Enquanto existir uma certa distância ou barreira, não haverá compreensão.

"As pessoas ignoram o design que ignora as pessoas"

Frank Chimero

Conhecer verdadeiramente as pessoas está diretamente ligado a fatores humanos gerais que vão desde:

Na verdade, conhecer todos esses fatores (e outros) te ajudará um bocado com a questão da previsibilidade necessária para facilitar no entendimento das expectativas citadas neste texto, mas ainda assim, as pessoas reais sempre te surpreenderão.

Qualquer que seja o seu produto ou serviço, ele depende do contato com pessoas. Qualquer que seja o seu negócio, ele também depende do contato com pessoas.

Tenha contato com pessoas, mas tenha um contato real com pessoas. Isso fará toda a diferença no que se propõe a fazer. Vale desde a pesquisa envolvendo pessoas até mesmo a convivência com a diferença diariamente, seja em um âmbito pessoal ou no profissional. É preciso contemplar a diferença em todas as suas sutilezas.

Deveríamos ter menos empatia e muito mais alteridade, diria Carol Zatorre.

Quando você estiver conversando com pessoas, colhendo dados e agrupando-os, será natural ter duas percepções diretamente ligadas:

1. Pessoas são muito mais complexas do que dados e frameworks

Por mais que você colha informações e os agrupe, ainda assim é importante ter a capacidade de absorver os ensinamentos, o que nos leva a outra percepção;

2. Não adianta nada ter dados, sem saber o que fazer com eles

E neste ponto é importante frisar que, não são todas as pessoas que tem facilidade em sintetizar tudo o que foi colhido nas pesquisas, e obter algo realmente relevante que possa contribuir com o desenvolvimento do produto.

Conversar, observar e anotar é relativamente simples, mas sintetizar em algo útil o que foi colhido é literalmente um trabalho relacionado a psicologia — e aqui cabe reforçar a questão de termos as pessoas certas nos lugares certos, o que invariavelmente não acontece, pois não é qualquer um que possui naturalmente essa característica de compreender com facilidade perfis comportamentais e gerar insumos úteis da pesquisa realizada.

Lidar com expectativas é literalmente lidar com o futuro (e também com o passado)

Já percebeu que algumas pessoas nunca deixam um copo encostado em uma ponta da mesa, justamente por que ela sabe que ela mesma ou alguém diferente dela pode esbarrar nesse copo e fazer com que ele caia no chão?

Se você nunca percebeu, definitivamente você não é uma pessoa preditiva e acredite, pessoas preditivas se darão muito melhor em uma posição de análise comportamental e gerenciamento de expectativas.

É justamente a falta dessa capacidade, literalmente uma soft skill, que faz com que as pessoas envolvidas nos projetos “se esqueçam” de lidar com as expectativas dos usuários.

Qualquer um que estude heurísticas, percebe que algo em comum entre elas é o cuidado que seus autores tem com a tolerância ao erro.

Isso é extremamente importante quando se pensa em atender as expectativas das pessoas, pois você não sabe como o usuário consumirá de fato o seu produto ou serviço.

Você criou e projetou pensando em uma “jornada linda e feliz”, mas fatalmente seus usuários não seguirão essa jornada ou então utilizarão os métodos mais diferentes que você possa imaginar (ou não possa imaginar) para acessar seu conteúdo.

Lidar com expectativas é pensar em design inclusivo, é pensar no que pode dar errado no caminho, é pensar que seu usuário pode (ou precisa) utilizar voz para chegar ao seu conteúdo ou talvez um teclado, é imaginar que ele pode descobrir uma rota alternativa e também estar preparado para o caso dele receber algum tipo de mensagem não esperada.

Sobre Tolerância ao Erro

Já que estamos falando em heurísticas, que tal relembrar os momentos em que os autores das principais e mais conhecidas no campo do design, mencionam sobre tolerância ao erro:

  • Em 94, Nielsen nos lembrou disso no item 5 (prevenção de erros) de suas Heurísticas de Usabilidade;
  • Já em 97, representantes do Centro de Design Universal da Universidade do Estado da Carolina do Norte nos EUA comentou sobre isso também no item 5 (tolerância ao erro), em seus Princípios do Design Universal;
  • Em 98, Tim Berners-Lee falou sobre tolerância no item 4 (tolerância) de seus Princípios de Design para a Web;
  • Daí em 2002, Norman em seu livro, O Design do dia a dia, onde ele nos trouxe os 6 Princípios de Design, não menciona a tolerância diretamente, mas ela está presente em Affordance, Feedback e Visibilidade (na verdade, nos demais também);
  • E no ano seguinte, 2003, o sempre esquecido Bruce Tognazzini (ou apenas, Tog) também cita a tolerância em vários de seus Princípios de Design de Interação, como no item 15 (proteger o trabalho dos usuários) ou no 12 (redução da latência) ou no 6 (predefinições) ou no 2 (antecipação)… enfim, creio que todos aqui tenham algo relacionado com tolerância ao erro;
  • Seguindo a sequência cronológica, a versão moderna da WCAG (ou Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web) que é baseada em 4 Princípios e também são heurísticas, lidam com a tolerância em muitos de seus 78 critérios de sucesso.

Enfim, lidar com as expectativas das pessoas é fundamental para o sucesso de qualquer produto ou serviço, e a forma mais simples de lidar com isso é compreendendo de fato o que as pessoas que usarão o seu produto querem.

Parece óbvio dizendo assim, mas acredite, não é.

No entanto, acompanhar como está o progresso do seu produto, associar isso a novas possibilidades de melhorias e consequentemente aplicar em técnicas que podem fazer com que você compreenda melhor o que o seu usuário espera é uma outra forma de lidar com as expectativas.

"Um cliente insatisfeito significa uma nova oportunidade para aprender."

— Bill Gates

Qualquer que seja o momento ou situação do seu produto, o que definirá o seu sucesso ou fracasso será a capacidade que você tem de lidar com as expectativas — não as suas, pois essas se traduzirão em frustração caso você não aprenda a lidar com a dos outros.

Previsibilidade, clareza e humanidade: sempre serão as melhores opções para todos

Qualquer semelhança com relacionamentos entre pessoas, “não” é mera coincidência.

Lidar com expectativas é literalmente lidar também com frustrações e para que elas sejam evitadas, precisamos ter previsibilidade e clareza nas informações.

Cheryl Platz traduz muito bem essa questão em sua palestra “Opti-pessimism — Design for the best case, build for the worst”. Ela deixa muito claro que:

Lidar com perguntas difíceis é algo mais complexo do que se imagina, e isso contribui para que não sejamos previsíveis ao se desenvolver produtos.

Explorar o contexto humano e sempre desenvolver pensando no “pior” caso, são fundamentais no processo.

A designer Jo Szczepanska montou uma timeline sensacional demonstrando quando fatores como antropologia e psicologia cognitiva ou negócios e tecnologia passaram a ter uma ligação direta com o design nos últimos 60 anos.

Nele é possível perceber claramente a maior atenção que o design passou a dar (ou deveria dar) para as pessoas em todos os seus processos. Fazer um paralelo a isso com o desenvolvimento de produtos e serviços, faz todo sentido e abre margem ao desenvolvimento mais humanizado e consequentemente traz uma responsabilidade maior no gerenciamento das expectativas dessas pessoas.

"Se quisermos que os usuários gostem do nosso software, devemos projetá-lo para se comportar como uma pessoa agradável: respeitosa, generosa e útil ."

Alan Cooper

E se mesmo após compreender a importância de se envolver as pessoas em todo o processo de desenvolvimento de um produto, você ainda não conseguir gerenciar as expectativas de quem o utilizará, talvez a leitura de cartas de tarot, funcione (não é ironia, é sério).

Ou se quiser algo mais prático, quem sabe, saber estatisticamente que 73% dos consumidores esperam que as empresas entendam suas expectativas e necessidades faça você dar mais atenção a isso tudo.

Aprenda a atender expectativas e nunca mais (ou quase nunca) lide novamente com frustrações.

Este texto foi originalmente escrito em 2019 para o projeto “Design 2020”.

O UX Collective doa US$1 para cada artigo publicado na nossa plataforma. Esta história contribuiu para o UX Para Minas Pretas (UX For Black Women), uma organização Brasileira focada em promover equidade para mulheres Pretas na indústria de tech através de iniciativas de ação, empoderamento, e troca de conhecimento. Silêncio contra o racismo sistêmico enraizado na sociedade não é uma opção. Construa a comunidade de design na qual você acredita.

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Designer com foco em acessibilidade digital e design inclusivo. Apaixonado por psicologia e comportamento humano. Criador do Guia WCAG (http://guia-wcag.com).