Dá para ver suas marcas de dedo em tudo o que você desenha

Fabricio Teixeira
UX Collective 🇧🇷
3 min readMay 23, 2018

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Tecnologia não é neutra. Não é imparcial.

O que somos se reflete no que construímos.

Quando você navega um espaço físico, você está seguindo o plano criado pelo arquiteto ou urbanista que projetou aquele espaço. Claro que como você navega é uma característica única sua — a forma como você anda, ou a ordem em que visita os diferentes ambientes — mas no geral, sua navegação pelo espaço segue o plano maior projetado pelos criadores do espaço.

O mesmo se aplica a canais digitais.

Claro, como usuário, você deixa suas próprias pegadas digitais, você tem o seu comportamento específico — e dizem até que experiências não podem ser desenhadas. Mas no geral, sua experiência segue o plano projetado pelos designers do aplicativo ou serviço.

A verdade é: os valores dos criadores estão intrinsicamente enraizados em tudo o que você interage. Os feeds que você scrolla. Os botões que você clica. As imagens que você vê.

  • Alguém decidiu que a principal experiência do Facebook seria scrollar por um feed infinito, para deixar você engajado o mais tempo possível. Ninguém no Facebook criou cards que aparecem a cada 10 ou 15 posts lembrando você de respirar, dar uma volta lá fora, ou ligar para um amigo.
  • Alguém decidiu que, no Tinder, você dá um swipe nas pessoas com as quais você não quer interagir. Você consegue dar um swipe em pessoas indesejadas na vida real?
  • Alguém decidiu que a Alexa vai aceitar seus comandos mesmo você não precisando dizer “por favor” ou “obrigado”. Será que isso vai afetar a forma como você trata garçons (e outros provedores de serviços) daqui a algumas décadas?

Escolhas, feitas por outras pessoas, podem ter um impacto gigante na forma como você experiencia um produto.

Isso não quer dizer que exista um designer no Facebook que tenha sido responsável por criar aquele feed interminável e viciante. Não foi parte de um plano maligno, criado por uma pessoa maligna. Mas o ambiente em que você está inserido também deixa marcas de dedos sobre você. Quando as empresas recompensam funcionários que têm ideias de design que aumentarão o engajamento, elas estão setando o tom da conversa. Estão implicitamente definindo o que é considerado bom vs. ruim no ambiente de trabalho. Features que aumentem o tempo que as pessoas passam interagindo com o produto levarão a reconhecimento, maiores salários, promoções.

Como designers, nos deparamos com esse tipo de decisão várias vezes no decorrer de nossas carreiras. A decisão de adicionar um botão extra para conseguir maiores taxas de conversão. A decisão de reescrever o nome de um botão para suavizar uma decisão que os usuários estão tomando e não fazer parecer que eles estão se comprometendo com nada. A decisão de auto-selecionar um checkbox, de reduzir o tamanho do link de unsubscribe, de desenhar uma pop-up.

As marcas dos nossos dedos estão em todas as telas que desenhamos. E as telas que desenhamos são o nosso legado no mundo. Pense nisso.

Este artigo é parte de journey: estórias sobre a fantástica jornada de ser um designer.

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