Descobrir para Definir
Entendendo o ser humano para colocá-lo no centro dos propósitos das invenções e inovações de design.

Quem já está inserido no mundo do User Experience Design (UX Design), entende as palavras proferidas pelos fundadores do NN Group, Donald Norman e Jakob Nielsen que dizem: o primeiro requisito para uma experiência de usuário exemplar é atender às necessidades específicas do usuário, sem complicações, inconveniências ou problemas. Em seguida, vem a simplicidade e a elegância que produzem produtos que são uma alegria de possuir, uma alegria de usar. Para garantir uma boa experiência do usuário, é importante fundir diferentes conhecimentos, tais como design industrial, visual e de interface, engenharias, marketing, antropologia, ergonomia, entre outros. E uma boa experiência do usuário pode e deve acontecer em todas as experimentações da vida, não somente quando estamos tratando de websites e aplicativos.
A partir do texto anterior, quero destacar alguns termos que ajudam a construir uma linha de raciocínio que mostra quão necessária é a etapa DESCOBRIR do Duplo Diamante no UX Design: necessidades específicas do usuário; diferentes conhecimentos; e experimentações da vida.
Para isso, vão ser criadas relações entre os conhecimentos desenvolvidos por:
- Edgar Morin — Homo complexus;
- Donald Norman, Jakob Nielsen ePeter Desmet — Design Emocional;
O Homo Complexus de Edgar Morin
Primeira coisa que se deve ter em mente é que, tratando-se de UX, devemos colocar o ser humano no centro dos propósitos das invenções e inovações, ou seja, entender que o nosso usuário é um ser humano. Parece meio óbvio, porém a ideia aqui é assumir o conceito de ser humano desenvolvido por Edgar Morin (2000), antropólogo, sociólogo e filósofo francês que realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Para Morin, o ser humano deve ser reconhecido como um homo complexus, ou seja:
“O ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, histórico e social”.
“É um ser racional e irracional, capaz de medida e desmedida; sujeito de afetividade intensa e instável. Sorri, ri, chora […]; é sério e calculista, mas também ansioso, angustiado, gozador, […] é um ser de violência e de ternura, de amor e de ódio; […] nutre-se dos conhecimentos comprovados, mas também de ilusões”.
Isso implica que o ser humano deve ser entendido como um indivíduo que possui necessidades específicas, e estas os torna usuário de um produto. Por ser indivíduo, ou seja, único, é dotado de diferentes conhecimentos por causa das suas experimentações de vida singulares.
Contudo, todo o ser humano, mesmo que individual, é um cidadão pertencente à um Estado, ou seja, está inserido em uma comunidade. Essas comunidades podem ser entendidas como o conjunto de cidadãos de um país inteiro ou, até mesmo, uma micro população que habita um certo território de um bairro dentro de uma cidade. O que caracteriza a população como comunidade é o compartilhamento de algo em comum.
Para elucidar como dentro de uma mesma comunidade, no caso pessoas interessadas em aprender sobre UX, possuem opiniões diferentes umas das outras por causa das suas experiências de vida anteriores, costumo fazer nas minhas aulas de Design Emocional e UX Design a seguinte pergunta:
Você gosta do barulho da chuva?
As respostas são diversas. Muitos entendem o barulho da chuva como sendo algo relaxante, calmante… outros querem entender o momento em que a chuva está caindo, pois se estiverem saindo de casa para pegar um ônibus, o barulho da chuva se torna algo que causa uma chateação, mas se forem ficar em casa, o barulho da chuva ajuda a dormir.
Agora, imaginem como é a sensação de ouvir o barulho da chuva para aquelas populações que habitam em locais de difícil acesso, com baixos recursos financeiros e que sofrem com enchentes? O mesmo som que foi relaxante para outras pessoas, pode ser amedrontador para indivíduos que vivem em situações de risco. Uma pessoa interessada em aprender sobre UX Design pode ser um desses indivíduos que mora em região propícia para esse tipo de catástrofe.
Essa simples pergunta já mostra que, muitas vezes, as características dos usuários são muito distintas de muitas outras pessoas e, inclusive, das do designer. Por isso, entender o contexto ao qual o usuário do nosso produto está inserido é muito importante. Como contexto, pode-se citar a cultura, linguagem, sexo, gênero, as características físicas, entre outros, que podem ajudar a compreender como aquele ser humano se tornou o que é em sua comunidade.
Percepções sobre a experiência e a emoção
Por causa do contexto em que o usuário está inserido, que provocou suas experimentações de vida e que lhes proporcionou diferentes conhecimentos e entendimento de mundo, os indivíduos irão diferir suas percepções sobre a experiência e emoção quando interagirem com um determinado produto. Porém, apesar dessas diferenças, o processo que antecede estas respostas é universal: preocupação, avaliação e emoção (Desmet, 2003).
- Preocupação: os significados emocionais da experiência do indivíduo podem ser interpretados apenas no contexto das próprias preocupações (Lazarus, 1991). Qual é a preocupação que as pessoas têm quando confrontadas com um produto? O número e a variedade das preocupações humanas são infinitos. Tipos de problemas reportados na literatura de pesquisa são, por exemplo, necessidades, instintos, motivações, objetivos e valores (Scherer et al, 2001).
- Avaliação: a implicação central do conceito de avaliação é que não é o produto como tal, mas o significado que o indivíduo atribui a este produto: o produto é benéfico, prejudicial ou não relevante para o bem-estar pessoal. Estes três resultados gerais resultam em uma emoção agradável, uma emoção desagradável ou uma ausência de emoção, respectivamente.
- Emoção: reação positiva ou negativa em relação ao produto. Os usuários podem experienciar uma variedade de sentimentos potencialmente contraditórios em relação a um produto.

E para compreender a dimensão de mundo em que o usuário está inserido, é necessário levar a sério a frase que afirma: UX Design é 80% de pesquisa, e 20% de desenho do produto. É completamente indispensável que você faça pesquisas — entender o problema a partir do usuário, e validar a solução criada com o usuário.
Entendendo o fenômeno para modificá-lo
Gosto de olhar para a pesquisa e desenvolvimento de produto comparando-os com o desenvolvimento da ciência, porque entendo que, se temos uma situação existente, um fato ou evento, que pode ser explicado quando compreendemos a sua complexidade, podemos descrevê-lo e explicá-lo cientificamente. Ou seja, é uma descrição ou explicação de um fenômeno.
Quando queremos entender o por que de os usuários de um site colocar diversos produtos no carrinho, mas não finalizam o processo de compra, queremos entender um fenômeno, ou seja, um acontecimento observável.
Para isso, nos apropriamos de métodos científicos para a compreensão do fenômeno, podendo ser de revisão teórica (desk research) ou técnicas com abordagens qualitativas e quantitativas, como entrevistas com usuários ou questionários objetivos.
Quando tivermos feito todas as nossas descobertas, podemos gerar insights e definir um método para o desenvolvimento da proposta de solução, que terá como propósito a modificação do fenômeno compreendido na etapa anterior.
UX research e abordagens científicas para levantamento de dados
Existem várias abordagens de pesquisa que, frequentemente, devem ser desenvolvidas e aplicadas pelo designer ou grupo de pessoas com diferentes perfis, encarregadas pelo UX Research. Dentre as quais, podemos citá-las a partir de seus conceitos definidos por abordagens científicas:
- Desk Research: feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de websites, etc.
- Pesquisa qualitativa: método de investigação de base linguístico-semiótica usada principalmente em ciências sociais. Nesse método, as respostas costumam não ser objetivas, ou seja, os resultados obtidos não são contabilizados em números exatos. Usa respostas abertas e deixa o entrevistado à vontade para responder com base exclusivamente naquilo que pensa.
Exemplos de técnicas:
- Entrevistas em profundidade: é realizado por meio de perguntas abertas em que um respondente é motivado por um entrevistador a manifestar motivações, crenças, atitudes e sensações sobre um determinado tópico.
- Métodos de observação: estuda as motivações do objeto de estudo através da observação. É uma análise do modo de vida de um grupo de indivíduos com características comuns;
- Grupo focal: técnica de pesquisa que coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico especial sugerido pelo pesquisador. Como técnica, ocupa uma posição intermediária entre a observação participante e as entrevistas em profundidade;
- Benchmarking: análise do conjunto de empresas que atua no mesmo setor para avaliação do valor dos produtos e estratégias que criamos. Uma engenharia-reversa. Na etapa de benchmarking devemos realizar uma análise completa dos concorrentes e levar em consideração os diversos aspectos do design do produto: materiais utilizados, processos de fabricação, funcionalidade, questões ambientais, bem como a relação destes aspectos entre si e, por fim, destes com o usuário.
Para a consolidação e análise das pesquisas qualitativas, deve-se concentrar na análise textual de conteúdo e/ou de discurso.
- Pesquisa quantitativa: busca quantificar opiniões e informações para um determinado estudo. As informações declaradas pelos seus respondentes são traduzidas em números e contempladas em uma única métrica, facilitando a análise dos resultados.
Exemplos de técnicas:
- Questionários: questões pré-formuladas usadas para obter informações dos entrevistados sobre um tópico de pesquisa sem a presença do pesquisador. Quando uma quantidade expressiva de sujeitos responde às mesmas questões, é possível comparar os resultados em forma de gráficos ou tabelas. Assim, tem-se uma ideia geral do comportamento de uma população, com base em porcentagens e médias. Devem-se levar em conta as variáveis. São a idade, a escolaridade, as condições socioeconômicas ou quaisquer outros aspectos que possam justificar certos hábitos.
- Pesquisas experimentais: é qualquer pesquisa realizada com uma abordagem científica, onde um conjunto de variáveis é mantido constante, enquanto o outro conjunto de variáveis é medido como o assunto do experimento. Um exemplo pode ser os testes de laboratórios em produtos para se ter informações sobre o seu desempenho mecânico, como ensaios de resistências (compressão, tração, flexão, etc).
Para a consolidação e análise das pesquisas quantitativas, observam-se, em boa parte, o estabelecimento de categorias (“menores de 18 anos”, “entre 18 e 60 anos” e “maiores de 60 anos”); codificação e tabulação (religião: (1) Católico (2) Evangélico (3) Espírita (4) Umbandista)); análise estatística dos dados (os dados podem ser organizados em gráficos ou tabelas e submetidos à interpretação).
Sintetizando os resultados das pesquisas
Com todas as informações em mãos, é o momento de analisá-las e sintetizá-las em respostas e insights. Para isso, sugiro a realização de uma síntese do projeto, ou seja, um resumo, uma descrição abreviada de como o produto deve ser baseada nas pesquisas realizadas anteriormente.
Em um projeto de design, a síntese é a resposta gerada segundo a combinação de diversas tomadas de decisão em coerência com os objetivos definidos. Nessa fase, os objetivos do produto são transformados em requisitos específicos, estabelecidos por meio da compreensão dos usuários e suas necessidades. É a descrição do que será abordado e, também, do que não fará parte do projeto. Garrett (2011) sugere que os requisitos sejam registrados de forma que fiquem bem organizados. Uma forma de organizar a síntese do projeto pode ser por meio de um quadro que relaciona as necessidades do usuário, requisitos de funcionalidade e/ou conteúdo e experiência do usuário.
O quadro a seguir mostra uma pequena parte dos requisitos de conteúdo, funcionalidade e experiência do usuário desejada do projeto da minha aluna Marina Pavan (2017), que teve como objetivo o desenvolvimento de uma ferramenta para a conscientização sobre depressão e resultou em um produto digital.

A síntese do projeto deve ser construída de modo que se una os insights e ideias com os conceitos e teorias trazidos por meio dos levantamentos dos dados, sejam estes de desk research, qualitativos ou quantitativos. A partir de toda essa compreensão do usuário e das necessidades do produto, será relativamente fácil construir um bom storytelling para apresentar o seu projeto ao cliente / investidor.
Bora descobrir mais sobre o Homo Complexus para criar produtos que proporcionem experiências agradáveis aos usuários?
Referências
- Desmet, Pieter M. A. A Multilayered Model of Product Emotions. Industrial Design Delft, Delft University of Technology, 2003.
- Garrett, J. J. The Elements of User Experience: User-Centered Design for the Web and Beyond. 2. ed. Berkeley: New Riders, 2011.
- Lazarus, R. Emotion and adaptation. New York: Oxford University Press, 1991.
- Morin. Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. Revisão Técnica de Edgard de Assis Carvalho. — 2. ed. — São Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000.
- Pavan, Marina. Design e tecnologia: criação de ferramenta de conscientização sobre depressão. 2017. Monografia (Graduação em Design) — Universidade do Vale do Taquari — Univates, Lajeado, 27 nov. 2017
- Pedra, Vanessa. Design Sprint na Prática
- Scherer, K. R., Schorr, A., & Johnstone, T. Series in affective science. Appraisal processes in emotion: Theory, methods, research. Oxford University Press, 2001.
- NN. Group. Don Norman: O Termo “UX”. NN Group, 2016.
