Design é uma profissão elitizada. Como mudar isso?

Por sorte, entrei no mundo do design. Digo sorte, pois vinda de uma família de origem simples e sem muitas expectativas, consegui uma bolsa de estudos em Design Industrial (escolhi design porque pensava que era decoração de interiores, eu tinha 16 anos). Comecei a estudar sem ter ideia do que encontraria ali, me apaixonei pela profissão e assim continuo, depois de 10 anos.
Me sinto realizada por poder usar a minha força de trabalho para melhorar a vida de algumas pessoas. Eu me orgulho disso. O problema dessa história é que foi o acaso que me colocou lá. Com o meu histórico, não era pra eu estar ali, afinal eu nem sabia o que era design e não tinha grana como a galera que pagava a faculdade. Hoje eu entendo o porque disso: o design é uma profissão que está elitizada.
Mas como assim elitizada? Decidi ilustrar essa afirmação com um tweet interessante que vi esses dias. Ele possui um link para o site do livro ‘How they got there’, que em português seria algo como ‘Como eles chegaram lá’.
O livro (que parece ser ótimo) conta a história de como alguns designers bem sucedidos chegaram ao sucesso em que estão hoje. No total, 15 designers contam suas história. Nenhum deles é negro. E logo abaixo dos autores, 13 pessoas recomendam o livro: nenhuma dessas pessoas é negra.
É interessante que esse tweet recebeu muitas respostas, inclusive a do autor do livro em que ele diz que a falta de representação negra é um problema do mundo, mas que ele deveria e poderia ter feito algo sobre isso.
Sim, esse problema não é exclusivo do design, é da tecnologia, é da medicina, é de tantas outras áreas. Mas design é o que cabe a mim, nesse momento. Se olharmos apenas pro design gráfico nos Estados Unidos, por exemplo, 86% dos designers gráficos são caucasianos, asiáticos são 6%, espânicos são 4%, e negros são só 2%.
Uma frase em inglês diz: “You can’t be what you don’t see”, que em português significa algo como “Você não pode ser o que você não pode ver”. O caso acima mostra o cenário da representação de raça, mas isso tem tudo a ver com representação de gênero, de origem. No cenário do Brasil, essa história se repetiu em todas as empresas que trabalhei e universidades que estudei: poucos (ou nenhum) negros trabalhando com design, e uma grande maioria de caucasianos que tiveram suporte, tanto financeiro quanto emocional, para começar na área. Ou seja, quem se atreve a trabalhar nessa profissão, ou já era uma pessoa privilegiada, ou está entre as exceções.
Bom, e o que eu posso fazer para mudar isso?
Tim Brown, um dos designers que mais admiro e um dos criadores da IDEO, diz no livro Change by Design que o “design se tornou importante demais para ser deixado apenas para os designers”. Ele promove uma linha de pensamento chamada Design Thinking, que acredita que o design tem que ser participativo, colaborativo. E eu acredito que tem que ser diverso também, com pessoas de diferentes origens, raças, sexos. Tem que ter opiniões diferentes, tem que ter visões de mundo diferentes. Se não for assim, como um(a) adolescente pobre vai sequer tentar entrar nessa área? E como seremos inovadores, se tivermos as mesmas pessoas com as mesmas histórias de vida, fazendo o mesmo trabalho?
Bom, como uma resposta pra isso, eu e um amigo designer começamos a conversar, e depois de um bom tempo, finalmente chegamos em uma proposta que parece fazer sentido pra tentar atacar o problema que estamos enxergando, que é basicamente ensinar Design na Escola. Queremos que o conhecimento sobre design seja acessível para todos, e acreditamos que a educação é a chave para isso.
A proposta com o Design na Escola é compartilhar o conhecimento (que é público, mas pouco acessível) através do ensino dos conceitos/metodologia de Human-Centered Design com alunos adolescentes das escolas públicas, que são justamente onde estão os que menos recebem oportunidades. A proposta deste modelo de ensino está sendo estruturada em três grandes pilares: estudar (leituras semanais), praticar (colocar a mão na massa) e discutir (aprender a pensar, gerar a conversa e não apenas seguir instruções).
O objetivo é que estudantes menos privilegiados percebam que podem gerar ideias e soluções para a comunidade onde vivem, além de aprenderem a possibilidade de uma nova profissão e alguns meios para se aprofundarem no assunto. Conversando com alguns educadores de uma ONG de ensino que fica em uma favela de Porto Alegre, fica claro que a educação ajuda as pessoas a verem novas possibilidades, seguindo uma vida longe do crime e drogas, e com uma crença em futuro melhor.
A estrutura que criamos é dividida em cinco fases: Introdução ao Design, Descobrimento (do problema), Ideação (de possíveis soluções), Prototipagem e Implementação (da solução). Isso não é nada novo no mundo, o curso sobre Human-Centered Design da IDEO em conjunto com a Acumen+ tem exatamente esse propósito (mas é em inglês e online, ou seja, demanda saber que o curso existe, entender uma segunda língua e possuir um computador) mas nada contextualizado com o cenário brasileiro.

O designer é um profissional que carrega uma carga importante de responsabilidade social. Eu tive sorte, mas será que outras pessoas não poderiam receber oportunidades? O designer Erik Spiekermann brincou em um cartaz que “o design irá salvar o mundo, logo depois do rock’n’roll”. Podemos não salvar o mundo, mas quem sabe, poderemos assim ter mais pessoas engajadas e com ferramentas para fazer do nosso país um lugar melhor?