Design para UX (Parte 1): Conhecendo as camadas semióticas de um produto
Como designers, somos continuamente levados a refletir sobre as experiências que nossos projetos proporcionam às pessoas e organizações para as quais atuamos. Somos profissionais que atuam na experiência do usuário (UX), embora não possamos determinar como esta será — pois é vivenciada unicamente pelo usuário. Por essa razão, somos desafiados a projetar um design ‘para’ (ou seja, orientado à) experiência, e não a experiência em si. O objetivo dessa série é estimular essa filosofia em um contexto de mudanças na produção, consumo e compartilhamento de produtos e serviços na sociedade, cada vez mais mediados pelas novas tecnologias.
Neste artigo, apresento um modelo de representação para o design de produtos. Esse modelo tem sido base para construção de procedimentos e ferramentas orientados ao processo de design colaborativo de artefatos digitais.
Introdução
Existem características fundamentais e indissociáveis no design de um produto. Essas características ajudam a explicar a sua existência, e o tornam inteligível para seus usuários e para os atores do ecossistema onde o produto está inserido.
Servem ainda como uma moldura, um contorno que descreve o seu escopo, seus limites, mas também suas possibilidades, uma vez que o interior da moldura é uma tela em que cada pessoa pode enxergar diferentes paisagens.
Podemos dizer que a união dessas características resulta no conceito de um produto, isto é, o discurso que resume a essência daquele design. Enquanto discurso, o conceito opera como uma linguagem, a qual é decodificada pelo usuário.
Dessa maneira, o conceito de um produto explica o sentido e os significados do seu design.
Explica o sentido do design na medida em que sua funcionalidade e finalidade são bem percebidas e compartilhadas pelas pessoas, e evoca os significados mediante a qualidade das experiências objetivas e subjetivas que proporcionam a esses indivíduos.
Essas experiências se comunicam com os repertórios estéticos, culturais, econômicos e sociais dos indivíduos, os quais influenciam sua relação afetiva com os produtos e suas marcas.
Enquanto linguagem (seja visual, sonora, tátil, entre outras), os produtos emitem mensagens aos seus utilizadores. Na verdade, projetistas, ao conceberem o produto, utilizam de intencionalidades e elementos informacionais para evidenciar as funções que aquele artefato pode cumprir.
No entanto, essa relação extrapola quando os próprios indivíduos, interlocutores nessa comunicação usuário-interface, interpretam de diferentes maneiras as características dos artefatos. Esse fenômeno amplia a potência do produto, que passa a cumprir funções adquiridas para resolver outros problemas e questões não imaginadas pelos designers.
Nesse sentido, quando pensamos na criatividade para inovação de um produto na experiência dos usuários, percebemos que esta não existe somente no lado do designer e nos processos tecnológicos implicados, mas reside na subjetividade das próprias pessoas que utilizam os artefatos. É para elas a quem se destina o produto e, portanto, deveriam ter participação mais ativa no processo que, ao fim, influenciará em suas experiências.
Por esse motivo, é importante entender as características que constituem a essência de um produto e as potenciais formas de uso dos artefatos. Isso pode ser observado considerando o design como linguagem em suas dinâmicas de comunicação e significação com o usuário, consequentemente, na compreensão de suas dimensões semióticas.
Dimensões semióticas
A semiótica é discutida em diversos campos do conhecimento. Uma das finalidades da semiótica é conhecer a origem, construção e dinâmica dos significados.
Em Design, a disciplina transita entre as frentes teórica e metodológica, principalmente em interseções com a Comunicação.
Um produto pode ser caracterizado como um signo, isto é, uma unidade representativa de potenciais significados (Niemeyer, 2003). Charles Morris (1938) descreve o que chamou de dimensões semióticas do signo, isto é, as partes fundamentais de um signo que operam em interdependência.
Com base nos enunciados de Morris, teóricos da disciplina de Design caracterizam as dimensões semióticas do autor na seguinte definição (Gomes Filho, 2006:115):
- Dimensão pragmática: É a descrição da compreensão lógica do produto, de como ele é formado. São suas leis de funcionamento e sua utilidade.
- Dimensão sintática: Refere-se à descrição e à compreensão do funcionamento técnico do produto, sua organização física e estrutural, visual, e suas inter-relações sistêmicas.
- Dimensão semântica: Diz respeito à dimensão do próprio objeto e do que ele pode significar, no contexto de várias relações entre signos diversos. É a significação do produto.
Em outras palavras,
- A dimensão pragmática explica para que serve o produto e por que ele existe.
- A dimensão sintática explica como o produto é constituído, suas partes e características.
- A dimensão semântica compreende o que significa o produto para o usuário.
Como isso se aplica aos produtos digitais?
Quando acessamos um serviço mediado por tecnologia, estamos diante de um produto que atua como ponto de contato de um negócio ou organização.
O produto, que pode ser um sistema, site, aplicativo móvel, dentre outros artefatos, será sempre constituído pelas três dimensões semióticas:
- Existe uma oportunidade de mercado para esse produto digital ser comercializado e distribuído, com públicos-alvo e escopo definidos (dimensão pragmática);
- O produto possui características funcionais e estéticas que descrevem sua interface (dimensão sintática); e
- Possibilita as interações humano-tarefa-máquina que resultarão em significados sobre a experiência do usuário com a interface (dimensão semântica).
Camadas Semióticas de Design
Como podemos observar, essa relação entre o Design e a manifestação de significados é muito bem-vinda para compreendermos a experiência do usuário em interfaces digitais.
Uma vez que as dimensões semióticas atuam em interdependência, podemos compreendê-las como camadas que se sobrepõem em diferentes momentos, interagindo entre si.
Para representar essa dinâmica, construí um modelo de equivalência das dimensões semióticas com aspectos metodológicos do design de um produto, as quais denominei Camadas Semióticas de Design, em que:
I. A dimensão pragmática corresponde à estratégia do produto.
II. A dimensão semântica corresponde à percepção do usuário.
III. A dimensão sintática corresponde à configuração do produto.
As camadas são espaços de geração de dados sobre e para o produto. Dessa forma, um produto existente pode ser analisado em sua estratégia, na maneira como sua interface foi configurada e na percepção que as pessoas têm sobre a solução.
Do mesmo modo, um novo produto pode ser projetado a partir de uma definição de estratégia, de uma visão concreta sobre a percepção dos usuários em potencial, e da configuração da interface em seus aspectos informacionais, interativos e tecnológicos.
Importante ressaltar que as camadas funcionam de maneira interdependente ao longo do processo de design (o que veremos mais profundamente no próximo artigo).
Designers e desenvolvedores podem buscar esses três elementos no conceito do produto que estão desenvolvendo ou aprimorando, a fim de aprofundar os diferentes sentidos e significados que atribuem valor ao produto para seus utilizadores e para o negócio.
Continua ⏳💬
No próximo artigo, conheceremos melhor como as camadas semióticas podem auxiliar o processo de design de um produto e a tornar o planejamento do time mais alinhado ao contexto dos usuários.
Autor
André Grilo, MSc.
Mestre em Design, com ênfases em artefatos digitais
Coordenador de Design na Superintendência de Informática
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Referências
- Gomes Filho, João (2006). Design do objeto: bases conceituais. São Paulo, Escrituras.
- Grilo, André (2019). Experiência do usuário em interfaces digitais. Natal, RN: SEDIS-UFRN.
- Morris, Charles (1938). Foundations of the Theory of Signs. University of Chicago Press.
- Niemeyer, Lucy (2003). Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB.
Aprofunde a leitura sobre UX 📖
Esse artigo está baseado em um livro de minha autoria, intitulado Experiência do Usuário em Interfaces Digitais, no qual abordo o design nas tecnologias de uma perspectiva interdisciplinar. A publicação é gratuita e está disponível em formato digital. Você pode baixar ou ler online. Boa leitura! 😉