Design, uma disciplina subestimada
Percepções e sentimentos.
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Antes de começar, deixe-me te fazer algumas perguntas:
- O que você vê quando olha o design brasileiro?
- Você sente que seu trabalho é valorizado?
- Você se sente valorizado no trabalho?
- Qual é a sua percepção sobre o mercado de design no Brasil?
Responda às perguntas quando terminar de ler esse artigo.
Design existe no Brasil há séculos. A história do design brasileiro começa muito antes da formalização da profissão, desde a arte indígena, passando pelo barroco, pelo modernismo, até chegar aos dias atuais. O design brasileiro tem uma identidade única, rica em história e diversidade cultural. Design brasileiro não começou nos anos 60 como é amplamente dito pela mídia, sua história remonta o período colonial e da monarquia. (CARDOSO, 2005).
No entanto, às vezes, fico com pena de nós, designers. Vou meter um pouco de achismo aqui. Eu acho que, depois de profissionais da medicina, design possui mais profissionais que amam o que fazem. Sinto-me privilegiado trabalhando com design, principalmente trabalhando com algo de que gosto. Tem muitas pessoas no mundo que não têm esse privilégio.
Porém, designers também são profissionais que mais sofrem com a evolução profissional. A profissão de design no Brasil é inexistente. Nas falas do próprio Alexandre Wollner (Pai do design moderno brasileiro):
“Ninguém conseguiu registrar a profissão de designer no Brasil. Tem várias escolas, tem faculdades de design, mas ninguém conseguiu registrar a profissão de design. Eu não consigo nem registrar o imposto sobre o serviço da prefeitura como designer. Sou artista comercial.”
— WOLLNER, 2011.
Design é uma profissão séria. Sei que, no Brasil, as empresas não levam o design a sério. Trabalhei em vários lugares: consultoria, bancos, startups, prestei serviço para a indústria farmacêutica, agrícola e outros. A maneira como o design no Brasil é percebido é totalmente visual, puro facelift. Quando você começa a tentar aproximar o design das suas raízes, não demora para ser chamado de chato ou intelectual demais. Isso acontece porque as pessoas desconhecem a história do design e como a disciplina evoluiu ao longo dos anos.
O design é uma disciplina pautada no intelectualismo. Se olharmos para a Bauhaus, considerada uma das grandes escolas de design do século passado, veremos que foi o intelectualismo de Gropius e seus companheiros que tornou a escola famosa. Havia a necessidade de ir além do visual, de entender o material e os porquês de cada decisão.
Por outro lado, isso também acontece porque, no Brasil, as pessoas não gostam de estudar. Embora o país seja um dos que mais produzem artigos acadêmicos no Hemisfério sul, também é o o país onde as pessoas menos leem.
Já vi gente citando About Face, Design do Dia a Dia, Design Emocional, The Elements of User Experience, mas nunca abriram esses livros. Nos últimos anos, eu vi como as discussões sobre design no Brasil não mudaram. A comunidade gosta de discutir ferramentas, processos, how to, disse-me-disse e atacar os colegas. Precisamos elevar a qualidade das nossas conversas/debates enquanto comunidade.
O design tem um potencial enorme para transformar negócios, produtos e experiências, mas isso só será possível quando houver uma compreensão mais ampla e profunda do seu valor.
Quem nos gerencia não sabe o que está fazendo
Várias vezes, design está sob a gestão do marketing, da tecnologia ou do product management; dificilmente design é gerenciado por designers, talvez porque as empresas olham design como ‘perfumaria’. Precisamos dos designers só para deixar bonito.
A visão ‘deixar bonito’ surge porque quem gerencia design nas empresas brasileiras não são designers, sempre foram áreas que não entendem de design. Há quase 7 anos, tive uma superintendente que gerenciava e liderava o marketing e UX Design num banco famoso no Brasil. Sendo sincero, ela podia até entender de Marketing, não duvido das suas capacidades profissionais, mas não entendia nada sobre UX ou Design. Então, eu te pergunto: se seu líder não entende a sua profissão ou atuação, como espera que esse líder defenda você ou a sua área? Há grande probabilidade de você não ser valorizado e não ser bem pago.
Sendo sincero, não quero passar a minha carreira toda educando ou evangelizando as pessoas do ramo de negócio sobre design. Ninguém fica evangelizando os outros a ir ao médico, as pessoas sabem que saúde tem valor. Assim como design.
Para quem contrata designers, eu quero que você entenda uma coisa: Designers precisam de referência técnica que sirva de inspiração e motivação. Colocar um diretor de marketing ou de tecnologia para gerenciar designers é um erro grotesco e vai gerar tumultos.
Outra preocupação que tenho é com os gerentes de design ou diretores de design inexperientes com sede de mostrar aos seus superiores que estão batendo metas ao invés de se preocupar genuinamente com as pessoas.
— TEIXEIRA, 2021
Se tem uma coisa que aprendi ao longo desses anos todos é que ser líder ou gerente não consiste apenas em controlar o que seus colaboradores fazem e bater metas para ter PLR, mas também em ser essa ponte que conecta seu colaborador ao seu futuro desejado.
Na minha última atuação no Brasil como líder de design, percebi que a UX Researcher da nossa equipe estava um pouco ansiosa e preocupada com o futuro dela. Tive uma longa conversa na qual apontei outros caminhos que ela poderia seguir, em vez de se limitar a uma abordagem tradicional de pesquisa, que consiste em levantar problemas, apresentar dados e criar jornadas. Sugeri que ela poderia atuar como Product Researcher, conectando negócio e pesquisa em um nível não apenas operacional, mas também estratégico. Indiquei livros, artigos e referências para embasar essa visão e a deixei refletir sobre as possibilidades. Com essa única conversa, pude notar que seus sentimentos estavam começando a mudar.
Lembre-se: as pessoas passam uma parte significativa de suas vidas no trabalho. Se você, como líder, não está ajudando-as a alcançar seus objetivos de vida, talvez não devesse estar nessa posição.
Conforme argumenta Felipe Memória:
“Todo negócio é um negócio de pessoas, mas o nosso é realmente um negócio só de pessoas. Se não formos bons nisso, acabou.”
— MEMÓRIA, 2022.
Essa reflexão reforça a ideia de que, como líderes, nossa principal responsabilidade é cuidar e desenvolver as pessoas que estão sob nossa orientação. Afinal, são elas que dão vida aos projetos, aos produtos e, em última instância, ao sucesso da organização.
Acredito que ser líder, independentemente da área de atuação, consiste essencialmente em ajudar quem está sob sua responsabilidade a crescer profissionalmente. No entanto, nem todos compartilham dessa visão. Já presenciei situações em que um gerente sênior de design passou sete meses nos enrolando, apresentando apenas slides sobre a organização da equipe, em vez de focar no desenvolvimento real das pessoas que compunham o grupo. Infelizmente, há líderes que subestimam suas equipes, tratando-as como se fossem incapazes, o que é um grande equívoco.
Plano de carreira ambíguo
Outro problema é que o designer no Brasil não tem um plano de carreira claro e não sabe qual é o seu caminho de evolução. Embora muitas empresas afirmem ter um plano de carreira, os critérios de crescimento são, na prática, ambíguos. Já participei de reuniões longas sobre o tema e, sendo sincero, não avançamos muito.
Na minha última atuação como líder de design no Brasil, trabalhei na estruturação de um plano de carreira para os designers. Embora não tenha conseguido finalizá-lo, era um projeto que eu queria muito concluir. Para construí-lo, comecei observando o que os nossos designers faziam no dia a dia e analisei as técnicas mais comuns utilizadas por designers no Brasil. Baseei-me no Panorama UX e também no plano de carreira que tínhamos na McKinsey Digital Consulting (MDL).
Entender as necessidades da empresa e a atuação dos designers é fundamental para não exigir habilidades desnecessárias. Por exemplo, se a sua empresa não utiliza animação em interfaces, por que incluir UI Animation como uma habilidade obrigatória? Saber conduzir testes de usabilidade é uma habilidade, criar protótipos é outra, e assim por diante.
Dessa forma, fui construindo o plano de carreira dos designers da empresa com sinceridade e cuidado. Na minha humilde opinião, não faz sentido criar um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) para os designers se não houver um plano de carreira bem estruturado. Por que os líderes de design insistem em mentir para si?
Nunca esqueci essa fala do Emiliano Chinchelli (Ex-VP Design Mckinsey&Co):
“O designer, ele sempre tem que fazer sempre o trabalho duplo para realmente ser aceito pelo nível que outras pessoas no mesmo nível fazem. Um manager generalista, que faz um bom trabalho, ele tem um caminho já preparado, já sabe onde vai ser a carreira dele. Um designer manager não. Um designer manager não sabe se vai crescer, se existe uma posição acima no futuro, se tem uma oportunidade de entrar no C-Level. Mas, ainda o career path para um designer hoje não é uma coisa que é bem considerada”.
— CHINCHELLI, 2019
Quando um Product Manager (PM) entra em uma empresa e, se trabalhar duro, há uma grande probabilidade de se tornar um Chief Product Officer (CPO). No entanto, para um designer, esse caminho é bem mais difícil. Se ele entrar como pleno e não cutucar o chefe para ser promovido, pode acabar permanecendo nessa posição por anos.
Então, para evitar estagnação, muitos preferem o “pula-pula”. Dessa forma, a pessoa constrói uma carreira Frankenstein, mas pelo menos consegue evoluir profissionalmente e acumular experiências valiosas.
Design é subestimados
Quantos diretores de design temos no Brasil? Quantos gerentes de design? Quantos VP de design? Quantos CDO temos no Brasil?
Qual é o valor do design? Sem olhar para benchmarks externos, qual é o valor do design para as empresas brasileiras? Design não é apenas “perfumaria”. Se fosse só para deixar as coisas bonitas, tenho certeza de que muitos produtos seriam apenas esteticamente agradáveis, mas teriam usabilidade deficiente e uma relação ruim com os usuários.
Se observarmos as dez marcas mais valiosas do Brasil, veremos que todas possuem um design bem estruturado seja no branding, no design visual ou no design de interação. Isso prova que o design é essencial e não pode ser subestimado. Ainda que os designers enfrentem dificuldades para quantificar o impacto do seu trabalho em números, isso não significa que a contribuição do design para o ROI das empresas seja insignificante.
Precisamos nos organizar para mudar essa percepção. Caso contrário, continuaremos sendo subestimados. Teremos que nos esforçar para demonstrar, de forma clara e convincente, que o design é fundamental. Quem nos contrata — sejam diretores de tecnologia, CEOs ou CPOs — sabe que o design é importante. Eles podem não admitir abertamente, mas, sem o design, muitas dessas empresas de tecnologia teriam produtos de qualidade inferior. Designers trazem reflexões valiosas para as organizações e elevam a qualidade dos produtos interativos.
Pulando sem paraquedas
O designer brasileiro é perspicaz, trabalhei e colaborei com vários, bom de técnica. Se valorizarmos designs brasileiros, os designers vão se sentir valorizados, isso irá reduzir sua ansiedade. A performance de uma pessoa no ambiente de trabalho depende de diversos fatores, o mais importante é ver que seu trabalho é valorizado e apreciado, sem isso ninguém ficará na sua empresa.
Meu pedido às lideranças de design brasileiro:
- A profissão precisa ser registrada nos órgãos estatais.
- Construam um plano de carreira claro, parem de copiar planos de carreira das empresas do Vale do Silício, o contexto deles é diferente, os desafios de negócio são diferentes. Um plano de carreira claro vai permitir que o designer entenda o que deve fazer para avançar e o que é esperado dele(a).
- Promovam as pessoas com frequência. Ter dois design lead numa equipe não é um problema. Parem com esse negócio de janela de promoções; é realmente contraproducente.
- Lideres, por favor estudem, parem de fazer design passar vergonha! Você não precisa ser líder para ganhar um salário bom, não prejudique a carreira dos outros devido aos seus desejos pessoais. Se liderança é complexa para ti deixe, volte a ser contribuidor individual.
- Vamos evoluir os papos, nossos debates agora só rondam entre esperar novidades do Figma, Inteligência Artificial ou criar polêmicas no LinkedIn. Que tal debater ética em design, qualidade do ensino do design? Há muito assunto, vamos tentar sair da mesmice.
- O Design de interação brasileiro precisa voltar a ser intelectual, no passado, rolava book club, quem vive em SP sabe disso. O que aconteceu?
Esta mensagem é para designers:
- Ferramentas vêm e vão. Já fui um nerd do Illustrator, Photoshop e Fireworks. Hoje, quase não abro o Illustrator, o Fireworks foi descontinuado, e o Photoshop uso apenas para editar fotos e coisas simples. Não se posicione como especialista numa ferramenta você sabe que não é. Portanto, foquem em aprender a pensar design.
- Nem sempre promoção significa aumento salarial. Não seja orientado pelo dinheiro. Crescer intelectual e profissionalmente é mais importante. Sei que dinheiro é importante, não sou ingênuo. Se você acredita que não está sendo bem pago, converse com seu líder ou procure um lugar onde será valorizado.
- Nunca aceite em hipótese alguma fazer downgrade de cargo para trabalhar num lugar, exceto se você queira muito trabalhar naquele lugar para ganhar experiência. Caso contrário, você fará trabalho de um profissional maduro e não será pago conforme a sua atuação real.
- “nunca pare de projetar, nunca pare de colocar mão na massa independentemente do seu cargo ou nível, não deixe isso acontecer. E não seja preguiçoso. Se você for preguiçoso, alguém que esteja disposto a trabalhar mais duro do que você tomará seu lugar.” (MEMÓRIA, 2012)
Referências
- Felipe Memoria — Huge — The FWA
- Emiliano Chinchelli — The Design Edition
- O Brasil que lê menos: pesquisa aponta perda de quase 7 milhões de leitores em 4 anos; veja raio X
- Itaú, Brahma e Bradesco são as marcas mais valiosas do Brasil em 2022
- Oi, você pode fazer a UX do app pra gente?
- Felipe Memoria: “a Work & Co é um negócio só de pessoas” | Fast Company Brasil
- Leading with Craft
- Design leaders are in their reinvention era
- CARDOSO, Rafael. O design brasileiro antes do design. 1. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.
- STOLARSKI, André. Alexandre Wollner e a formação do design moderno. 1. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.
- Entrevista do Alexandre Wollner