Entendendo os NFTs: O que é isso e quais são suas aplicações?
Uma jornada muito além da febre de “cartinhas digitais” e “joguinhos” para conhecer mais dessa tecnologia.
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O termo NFT é relativamente novo, mas talvez você já tenha esbarrado com ele em algum lugar da internet, já que no último ano houve um aumento de buscas bem significante sobre o termo e ele foi eleito como a palavra do ano de 2021 pelo Dicionário Collins.
Eu tenho curiosidade em entender melhor duas coisas:
- Que história é essa?, e
- Quais são as possibilidades de uso desse tal NFT?
Duas questões sem respostas simples, mas a ideia aqui é abrir essa discussão e, com sorte, chegar ao final do texto entendendo mais do que agora.
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O que é NFT?
NFT é a sigla para Non-Fungible Tokens ou Tokens Não-Fungíveis. E a definição do dicionário Collins é:
“Um certificado digital único, registrado em uma blockchain, usado para gravar a propriedade de um ativo como uma obra de arte ou colecionável.”
Certo… Vamos tentar fazer sentido das partes para compreender melhor o todo, começando pelo conceito de fungível e não fungível, depois blockchain e token até o certificado digital único.
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1 . Coisas fungíveis e não fungíveis

Quando uma coisa é fungível significa que ela pode ser trocada por outro item semelhante, mantendo o mesmo valor.
O dinheiro é um exemplo de um bem fungível.
Se eu tenho duas notas de R$ 5,00 eu posso trocar por uma única nota de R$ 10,00 ou até mesmo por duas outras notas de R$ 5,00. No final o valor que tenho é o mesmo, independente da nota de dinheiro que tenho. Itens como ouro, petróleo e criptomoedas também entram nessa categoria.

Já os itens não fungíveis são bens que tem valores diferentes quando comparados e, por isso, não podem ser trocados sem perda para alguma das partes.
Por exemplo, se você emprestar seu carro para outra pessoa ela não pode te devolver um outro veículo, por mais que ele seja do mesmo modelo, da mesma cor e do mesmo ano.
Seu carro tem particularidades, como a quilometragem e o número do chassi (ou até mesmo um valor emocional), que o tornam único e, portanto, não fungível para troca por um outro item semelhante.
Casas, diamantes, lotes de terra, obras de arte e itens de colecionáveis também entram nessa categoria: podem ter correspondentes similares, mas as características que possuem afetam seu valor para cima ou para baixo quando comparados com outro item.
Tudo na nossa economia ou é fungível ou é não fungível. E tudo que é não fungível tem mais valor.
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2 . O básico sobre blockchain
Recorrendo ao Collins novamente temos a seguinte definição para blockchain:
“Um sistema de armazenamento de registros de transações em moedas digitais que pode ser acessado por computadores.”
Podemos dizer, de forma muito, muito simples, que uma blockchain é semelhante à um livro caixa de uma empresa, registrando entradas e saídas de dinheiro, com uma diferença importante: esses registros podem ser públicos (e, apesar do registro público, os dados de quem enviou e quem recebeu são privados) apresentando algo como: Entidade A enviou R$50,00 para Entidade B. Por exemplo:
Imagina que você faz um PIX para uma pessoa. Somente você consegue consultar essa movimentação no seu extrato bancário e o seu banco é responsável por realizar a transferência do dinheiro e registrar essa transação de forma correta, descontando somente o valor que você informou e atualizando seu saldo final. O banco centraliza e orquestra a operação.

Em uma blockchain você pode fazer exatamente a mesma transferência de dinheiro que fez com o pix, mas a validação e o registro dessa transação ficam por conta da rede de computadores da blockchain.
Essa rede que vai verificar se você possui o dinheiro para transferir, executar a transferência e fazer esse registro.
Não existe uma empresa que controla essa transação.
O dinheiro vai direto da sua carteira para a carteira da outra pessoa, processo conhecido como P2P (peer-to-peer ou ponto a ponto).

Como todos os registros são feitos em uma sequência, formando blocos de informação interligados, temos a blockchain (block = bloco, e chain = cadeia).
O exemplo acima trata de tranferência de dinheiro, e a blockchain mais conhecida para isso é a do Bitcoin, mas existem outras que são usadas para outras finalidades, como a Ethereum que é usada para registrar contratos e aplicativos, por exemplo.
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3 . Sobre o “T” do NFT
Neste ponto chegamos ao conceito de token, que é um item ou objeto pode ser trocado por outra coisa ou por dinheiro. Quando esse token é também um item não fungível e digital ele pode ser um NFT.
Dessa forma, se as criptomoedas podem ser vistas como um novo modelo de dinheiro e uma nova forma de fazer transações entre 2 entidades, os NFTs são os novos produtos digitais que você pode comprar usando as criptomoedas. E esses produtos podem ser diversas coisas, como uma ilustração, uma música, uma foto, uma coleção de itens e até mesmo itens que pertencem a mundos virtuais ou metaversos (vamos falar um pouco sobre isso adiante).
Para você ter uma ideia da abrangência, o presidente do Twitter, Jack Dorsey, vendeu seu primeiro tuíte em forma de NFT por mais de US$ 2,9 milhões.

4 . Um certificado digital único
Todo NFT possui um contrato próprio (conhecido como smart contract), que funciona como um certificado digital na blockchain, confirmando que o item é verificável, rastreável e único. Fazendo o paralelo com o mundo físico tradicional, seria como se cada NFT fosse autenticado no cartório e, a cada compra e venda, esse registro no cartório fosse autenticado e atualizado.
Esse contrato também pode levar diversas outras informações e condições específicas para o NFT como histórico de posse, data de validade, distribuição de dividendos em cada venda e quaisquer outras regras que a pessoa criadora do NFT desejar condicionar.
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Comprando e vendendo NFTs

Plataformas como OpenSea, Rarible, Binance NFT e outras permitem que qualquer pessoa possa participar das negociações de compra e venda de NFTs. Para esses dois processos é preciso saber como usar a o sistema de blockchain para fazer transações. O processo é complexo nos seus detalhes, mas vamos tentar simplificar aqui.
Para comprar você precisa se conectar na plataforma onde o NFT está anunciado e ter a criptomoedas correspondente para fazer o pagamento no valor que o artista está pedindo junto com as taxas da transação, que varia de acordo com a blockchain e da demanda de uso no momento.
Para vender um NFT, após se conectar à plataforma, você vai precisar cadastrar seu NFT no site colocando as informações sobre o item, por exemplo: nome, descrição, autoria e outras informações que desejar, bem como o preço e a forma que você deseja vender: se será por um preço fixo ou em um esquema de leilão. Esse processo de cadastro na blockchain é conhecido como mint e é necessário pagar uma taxa para cada item que você vai colocar à venda. Terminando o processo com sucesso, seu NFT já estará disponível na plataforma para ser comprada.

Casos de uso
Agora que sobrevivemos aos conceitos do que é um NFT e entendemos o básico sobre essa tecnologia, vamos ver 7 casos de uso para ter uma dimensão desse mercado e o que as pessoas já estão fazendo.
1 . Arte digital
O ramo de arte talvez seja um dos mais conhecido quando se fala em NFTs, pois, junto com os jogos, foi os movimento que ajudou a dar corpo à popularidade.
Da mesma forma que são negociados quadros físicos também são negociadas artes digitais. Os próprios autores podem colocar suas artes à venda, mas é interessante ver que até mesmo as casas de leilões tradicionais já realizam vendas de obras em NFT, criando suas próprias plataformas para isso.
Quando falamos de arte, os NFTs prometem algumas vantagens e benefícios:
- Registro da precedência da arte: conseguimos saber exatamente por onde essa arte passou, quem criou, quando e quem comprou. Todo esse histórico está registrado e pode ser consultado facilmente.
- Garantia da remuneração do autor: o autor receberá pela venda e, se assim desejar, pode receber uma porcentagem de todas as vendas futuras de seu NFT, para sempre.
- Descentralização do mercado: sem precisar de uma galeria ou intermediador para expor e vender sua arte, artistas podem ter autonomia sobre a venda e comissões que recebem.
- Maior diversidade de artistas: ao sairmos das galerias conceituadas e de ambientes onde predominam majoritariamente homens brancos, temos oportunidade de conhecer artistas e obras de cenários mais diversos.
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Everydays: The First 5000 Days

“Everydays: The First 5000 Days” é o nome da obra de Beeple (Mike Winkelmann), artista que deu o pontapé inicial na popularização dos NFTs ao fazer uma venda histórica em 2021 e colocar no bolso mais de US$69 milhões pela colagem de suas 5 mil artes da série Everydays. (Até o autor ficou impressionado com o valor)
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Nyan Cat

Nyan Cat, criado em 2011 por Chris Torres, também é um marco dos NFTs. A arte, que é um dos memes mais famosos, foi remasterizada em 2021 e leiloada por mais de R$ 3 milhões na época.
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2 . Jogos
Já existem uma enorme quantidade de games que nasceram com o conceito dos NFTs em sua fundação, como Axie Infinity, Blankos Block Party, Star Atlas, Ertha, Illuvium, Aurory e o CryptoKitties (que falamos no começo no texto) só para citar alguns.

Alguns jogos tem itens que são colecionáveis e podem ser comprados e vendidos pelas pessoas e, em outros, usados diretamente nas partidas, como equipamentos, roupas para os personagens e adereços.
Nesse último cenário, jogadores podem obter espontaneamente durante as partidas diversos itens e personagens conforme vão completando missões e, como tudo é um NFT, esses itens de dentro do jogo também podem ser negociados. Os melhores itens geralmente são pagos ou muito difíceis de se obter e o valor deles depende da raridade do item e também da oferta e procura das pessoas que estão jogando.
Outra possibilidade que os NFTs trazem é a portabilidade de todos os seus itens entre versões diferentes do mesmo jogo. Imagine que você passou alguns anos jogando um jogo e, em breve, uma sequência desse game será lançada. Com os NFTs você poderia começar a jogar a sequência utilizando tudo que já obteve na versão anterior do jogo.
E grandes empresas de jogos como Riot, Ubisoft, EA, Epic e Capcom também já se movimentam para entrar nessa onda de juntar games com NFTs.
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3 . Metaverso
Metaversos são, basicamente, mundos virtuais que tentam simular a realidade. Semelhantes aos jogos, neles você pode montar seu personagem, comprar um terreno para construir sua casa, ir visitar amigos, passear pela cidade, fazer compras, participar de reuniões, ir à shows, jogar games, e fazer outras atividades.

Metaversos como The Sandbox e Decentraland explodiram em 2021 e novas apostas novas, como a Sensorium, misturando metaverso e música, também estão chegando.
E as grandes empresas já se movimentam para não ficarem de fora: Nike comprou uma empresa especializada em ativos digitais para fazer a Nikeland, a Adiddas já fez uma coleção exclusiva para metaverso, e até o rapper Snoop Dogg embarcou criando o Snoopverse para garantir sua marca no mundo virtual, onde uma pessoa pagou R$ 2,5 milhões no terreno ao lado do artista.
Todas essas possibilidades dentro do metaverso estão atreladas aos NFTs, que irão certificar que você possui aqueles ativos digitais para usar e se você tem ou não acesso à determinadas áreas do mundo virtual.
Particularmente eu estou curioso para ver como todo esse conceito de metaverso vai se desdobrar daqui para frente. A única certeza que temos é que Mark Zuckerberg está entrando de cabeça na ideia e anunciou que o Facebook passou a se chamar Meta no ano passado. (Ou talvez seja apenas uma estratégia para colocar a sujeira da empresa debaixo do tapete — mas isso já é assunto para um outro texto…)
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4 . Música
Bandas e artistas já brigaram muito com produtoras, distribuidoras e serviços de streaming sobre a venda e repasse dos álbuns. Taylor Swift, por exemplo, já saiu e voltou ao Spotify por esses motivos.
Plataformas novas, como Audius, combinam o streaming de música com os contratos dos NFTs, possibilitando um controle pelo artista com relação à monetização. Uma solução que vem atraindo artistas para usarem e investirem.
Ao transformar o álbum ou o single em um NFT é possível a banda distribuir os lucros de forma igualitária entre os integrantes de forma automática a cada reprodução ou venda realizada.
Outras possibilidades que os NFTs trazem são a venda de álbuns com edições limitadas, pré-venda para shows e descontos exclusivos para quem possui o NFT do artista, tudo sem usar intermediários.
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5 . Certificados, dados pessoais e base de dados
Com a pandemia alguns processos começaram a ser digitais e, cada vez mais, as empresas estão buscando esse caminho visando otimizar segurança, ter automação, ganhar escalabilidade, entre outros benefícios.

As blockchains e os NFTs podem ajudar nesse caminho e documentos como certificados e diplomas de cursos, comprovantes de vacinação e contratos de seguro poderiam ser digitalizados, armazenados de forma segura e de fácil recuperação sempre que necessário.
Projetos como Ocean, Phala e Secret já se propõem a trabalhar com dados. O primeiro projeto com a proposta de fazer uma plataforma para negociação de base de dados, já os outros dois focam em questões de privacidade e segurança no armazenamento de dados sensíveis.
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6 . Esportes
Estudos apontam que os NFTs podem trazer uma grande receita adicional para as ligas, times e atletas. E, assim como há grandes colecionadores de cards esportivos, os ativos digitais também estão sendo muito buscados como colecionáveis.

A plataforma NBA Top Shots vende os melhores lances das partidas de basquete em pacotes colecionáveis, como se fossem figurinhas, e já movimentou mais de R$ 230 milhões em vendas. A NFL All Day segue o mesmo caminho com as jogadas de futebol americano.
Já a empresa Socios.com está abraçando o futebol e UFC, com uma proposta de vender tokens dos times para seus fãs, por meio da blockchain Chiliz. Esses tokens podem dar vantagens exclusivas para os torcedores, como convite para jogos, descontos em produtos do time e ingressos para eventos exclusivos.
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7 . Cadeia de produção e logística
Fornecedores e grandes empresas também estão aderindo aos NFTs para controlar e gerir seus produtos e insumos.

Usando a tecnologia do NFT e uma blockchain para registrar todas as informações da produção, como a VeChain, é possível identificar e rastrear todos os produtos, insumos ou peças fabricadas de ponta a ponto do processo, de forma fácil, segura e transparente.
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Porém, nem tudo são flores…
Já vimos que há várias situações onde podemos usar os NFTs, porém há problemas que precisamos falar sobre:
NFTs roubadas e direitos autorais violados
A partir do momento em que qualquer pessoa pode criar um NFT, como controlar que a arte realmente é do artista ou que a música realmente é da cantora?
Isso se agrava quando falamos de sistemas descentralizados, onde essa verificação e as possíveis denúncias de direitos autorais não contam com um representante da plataforma para responder por ela.
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Altas taxas para criar o NFT
O desejo é democratizar e expandir a quantidade de artistas que podem controlar e vender seus trabalhos, porém algumas plataformas e blockchains ainda cobram taxas altas, que variam de US$ 80,00 a US$ 300,00 para a criação de um NFT, dependendo da demanda que tem no momento da criação.
Esse preço (que pode chegar a quase R$ 1.800,00 aqui na terra do pix) ainda é uma grande barreira que deixa de fora muita gente, principalmente pequenos e novos artistas.
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Questões ambientais
Não só os NFTs, mas todo o processo das blockchains demandam processamento contínuo de milhares de computadores para que possam funcionar 24 horas por dia. Cada transação de compra, venda e criação de NFTs consome processamento e, por consequência, gastam mais energia desses computadores.
Um levantamento informa que o Bitcoin consome mais eletricidade do que a Argentina e, apesar de haver contestações sobre isso e de já existirem outras alternativas com menor gasto energético, elas ainda não são tão populares ou ainda não estão prontas para serem usadas plenamente.
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Conclusão
Conclusão? Não… Tudo isso e apenas arranhamos a superfície dessa tecnologia com algumas das suas possibilidades. Acredito que há muito mercado para essa tecnologia se expandir nas empresas e certamente existem pessoas dispostas a pagar muito dinheiro, seja para colecionar, para ter algo limitado e exclusivo ou somente para especular sobre a valorização do ativo e conseguir revender por um valor maior.
E você, já conhecia essa tecnologia de NFT? Já comprou ou criou algum? Vê espaço no seu dia a dia ou no seu ramo de atividade para usar? Conhece alguma outra solução interessante? Acha que é uma moda ou uma bolha?
Comenta aí que estou curioso :)
Para saber mais
Seguem alguns links se você desejar aprofundar no assunto e conhecer outros pontos de vista:
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Podcasts
- Mimimidias em prosa #42 — NFT e criptoarte: o que é, afinal?
- Hipsters Ponto Tech #259 — NFTs
- Braincast #399 — NFTs: como o blockchain colocou os memes à venda
- NerdTech #63 — Blockchain, NFT e a Criptomoeda do meme
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Youtube
- O que é blockchain! Entenda de forma fácil o que é essa tecnologia
- O que são NFT? Tokens não fungíveis | Felippe Percigo
- O que é o Metaverso? | Nerdologia Tech
- NFTs, Explained
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Artigos
