Grupo de discussão: use com moderação

Elisa Volpato
UX Collective 🇧🇷
6 min readOct 1, 2014

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Esta é uma série de posts sobre pesquisa com usuários. O plano é falar sobre tipos de pesquisa, boas práticas e dar dicas para quem quer começar.

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Grupo de discussão (ou focus group) é uma das técnicas mais antigas e comuns em pesquisa qualitativa. É a reunião de várias pessoas (geralmente de 6 a 10) com características em comum, como “mulheres que compram sapatos na internet”.

Um moderador organiza e estimula a discussão, propondo tópicos. Os participantes podem conversar entre si, fazer exercícios, dar opiniões sobre um site, um vídeo ou um conceito de comunicação. Em geral, acontece em sala de espelho para que o cliente possa observar do outro lado.

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Grupos já aconteciam no Mad Men e continuam bem parecidos, tirando que as pessoas não fumam atrás do espelho.[/caption]

Grupo de discussão é bom para:

  • Levantar opiniões sobre um produto, um conceito de comunicação, uma embalagem
  • Reunir um grupo de pessoas com uma experiência em comum, como usuários beta de um produto
  • Fazer exercícios de co-criação, jornada, card sorting
  • Gerar ideias pelo efeito “bola de neve”: um participante lança uma ideia, outros geram novas ideias em cima desta
  • Observar o vocabulário dos participantes, definir o tom do conteúdo

Certo, várias coisas úteis. Mas é bom saber também dos pontos fracos. E para isso vou usar algumas coisas que eu já ouvi sobre grupos.

“A opinião das pessoas não é isenta quando estão em grupo; um influencia o outro”

Pois é. Em grupo, as pessoas se transformam. O ambiente pode influenciar o nosso comportamento e a nossa opinião sobre as coisas. Os participantes podem inventar ideias para se mostrar espertos ou concordar com as opiniões da maioria para se sentirem aceitos pelo grupo.

Uma história famosa sobre isso é de uma pesquisa da Sony nos anos 80, antes de lançar um novo modelo de walkman.

O Walkman amarelo da Sony.

Para os leitores que nasceram na década de 90: o walkman é o avô do ipod.

No grupo, os pesquisadores perguntaram aos participantes a opinião sobre o walkman amarelo e a opinião geral foi ótima, tipo “eu ia preferir um walkman amarelo a um preto sem graça”. Na saída, haviam duas pilhas de walkmans e cada um poderia escolher o que quisesse: um preto ou um amarelo. E todo mundo preferiu levar… o preto.

Se você já viu um grupo, provavelmente já viu isso: uma pessoa dá uma opinião com cara de conteúdo e as demais apenas concordam, balançando a cabeça. Daí a gente pensa: será que elas realmente concordam ou só não têm argumentos ou disposição para discordar do líder? Peraí, você disse líder? Pois é, em grupos podem surgir pessoas com posição de liderança, que acabam comandando a discussão, mesmo que sem querer. E cabe ao moderador evitar que esse líder influencie o grupo o tempo todo.

Aliás, o líder nem sempre é uma pessoa dominadora, um chefe, um macho alfa ou alguém que sabe mais sobre o assunto. Um estudo realizado por psicólogos em 2009 mostrou que um dos fatores que mais interfere na seleção de um líder dentro de um grupo sem líderes pré-estabelecidos é: a pessoa que fala primeiro.

Considerando isso tudo, em um grupo de 8 pessoas não há 8 opiniões separadas — e sim a opinião do grupo como um todo.

Um grupo pode ser muito útil se o que você quer é ver como as pessoas argumentam sobre seus pontos de vista para chegar em um consenso (ou não). Mas se a intenção é se aprofundar na opinião de cada um, melhor fazer entrevistas individuais. Ou pelo menos fazer exercícios que estimulem a geração de ideias individualmente antes da discussão; você pode pedir para cada um anotar em um post-it e depois compartilhar. Aliás, isso serve também para brainstorms.

“É muito artificial, parece um showzinho para o cliente ver”

O contexto, se não é rei, é pelo menos muito importante. Por isso alguns pesquisadores preferem ambientes mais informais. Você pode fazer um grupo sobre cervejas em um restaurante, com todo mundo bebendo cerveja. E nem sempre o grupo precisa ser de desconhecidos — há casos em que a discussão é entre amigos na sala de casa.

Mas não despreze o valor do “show”. A pesquisa também é uma forma de envolver o cliente no processo e trazê-lo para o seu lado. Receber um relatório de pesquisa é muito legal, mas assistir em primeira mão pessoas de verdade falando do produto pode ser muito melhor — e muito mais efetivo. E no quesito “facilidade de observação” a sala de espelho sai ganhando.

“Se eu perguntasse a meus compradores o que eles queriam, teriam dito que era um cavalo mais rápido”

Frase atribuída a Henry Ford, criador do Ford T, o primeiro automóvel acessível à classe média.

Nem sempre as pessoas sabem o que querem. Nem sempre perguntar diretamente é a melhor forma de descobrir o que elas querem.

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Carro criado pelo Homer Simpson.

Em episódio dos Simpsons, o Homer ajuda a criar um carro para o “americano médio”. A montadora leva tudo ao pé da letra e vai à falência.[/caption]

E há quem diga que o grupo de discussão mata a inovação. Porque a maior parte das pessoas pessoas não sabe que quer um produto novo (por exemplo: um smartwatch) até que esse produto exista. E de onde você tira a inspiração para criar algo realmente novo? Da observação das pessoas em contexto para identificar necessidades não atendidas.

Se a intenção é fazer um exercício de co-criação, você pode optar por um perfil de usuários mais criativo do que o normal: pessoas que se expressam bem, que são influenciadoras e até um grupo que mescla clientes, usuários e designers (a partir deste ponto o grupo fica mais parecido com um workshop de inovação).

De qualquer forma, não espere sair de um exercício de co-criação com o produto pronto. O resultado pode servir mais como inspiração para o design do que como design em si. Tente encará-lo como um briefing, buscando a necessidade por trás de cada ideia mirabolante. Se o Homer colocou no carro dele vários botões para buzina que tocam “La Cucaracha”, pode ser apenas um sinal de que o botão da buzina do carro dele é ruim. E não, não precisa tocar “La Cucaracha”.

“Tem gente que só vai para comer coxinha e a gente ainda tem que pagar o brinde depois”

Ah, as coxinhas. É nessa hora que você -um exímio moderador- chama todo mundo para a conversa. Mas se não tiver jeito, paciência. Coma uma coxinha, também.

Bom, discussões em grupo são uma forma relativamente rápida de obter opiniões e explorar atitudes em relação a um conceito, um produto ou uma ideia. Mas, cá entre nós: não é minha preferida como método de pesquisa de UX. Na minha experiência, a maior parte dos problemas de UX são mais bem respondidos com observação do comportamento das pessoas, com um teste ou com uma entrevista em contexto. Já grupo é focado na atitude e na opinião das pessoas em relação ao produto (lembra do diagrama sobre pesquisas com usuários?). Por fim, dá um bom trabalho reunir as pessoas certas ao mesmo tempo — não subestime o recrutamento!

Em tempo: há outras variações de grupo, outras formas de usar. A IDEO criou até uma variação do Focus Group, o Unfocus Group — em vez de clientes típicos e grupos homogêneos, a ideia é falar com usuários extremos e pessoas que têm visões bem diversas do produto.

E para você que chegou até o fim, a tradicional tirinha do Dilbert ligeiramente relacionada ao tema…

…para nos lembrar de não tomar decisões importantes apenas com base na opinião de duas pessoas que estão comendo sanduíches de graça.

Este texto foi escrito com base na minha experiência com o assunto. Se você discorda de tudo, se já fez grupos de outra forma ou se eu esqueci de algo importante, pode reclamar nos comentários. :)

Nos próximos textos, mais tipos de pesquisa: observação e entrevistas. Ou talvez eu mude um pouco de assunto.
[tw-divider]Referências / para ler mais[/tw-divider]

Brainstorm doesn’t work, try this technique instead @ Fast Company

Why Focus Groups Kill Inovation @ Fast Company

Uma boa crítica a pesquisas em publicidade, @ Meio e Mensagem, publicado antes aqui no Blog de AI.

That Disastrous Car Homer Simpson Designed Was Actually Ahead of Its Time @ Wired

Myth #26: Usability testing = focus groups @ UX Myth

Why do Dominant Personalities Attain Influence in Face-to-Face Groups?, citado no livro 100 Things Every Designer Needs to Know About People, Susan Weinschenk

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