Guia básico de estudo sobre acessibilidade digital
Ideal pra quem está começando em UX e para te direcionar nos seus estudos sobre acessibilidade digital.
É provável que você já tenha se deparado com o termo acessibilidade e ouvido falar de sua importância na criação de produtos digitais. Mas o que exatamente significa acessibilidade digital? Por que é crucial entender esse conceito, e como você pode iniciar seus estudos sobre o assunto? Neste artigo, vamos explorar a importância da acessibilidade no design de produtos e oferecer um guia prático para quem está começando nessa jornada.
Segundo o Governo Federal, acessibilidade digital é a eliminação de barreiras na web. O conceito pressupõe que os sites e portais sejam projetados de modo que todas as pessoas possam perceber, entender, navegar e interagir de maneira efetiva com as páginas.
Existem mais de 1 bilhão de pessoas com algum tipo de deficiência no mundo, e, no Brasil, esse número chega a quase 19 milhões, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania). No entanto, mesmo com o alto número de pessoas no Brasil e no mundo que necessitam de produtos e serviços digitais que sejam inclusivos, apenas 2,9% dos mais de 23 milhões de sites brasileiros passaram em todos os testes de acessibilidade, conforme um estudo da BigDataCorp divulgado em julho deste ano. No mesmo estudo realizado em 2021, a empresa também avaliou os níveis de acessibilidade dos aplicativos mais baixados na Play Store, mas não houve uma melhora significativa de 2020 para 2021.
Esses dados indicam que, embora a acessibilidade seja um tema amplamente discutido atualmente, os esforços para criar produtos e serviços digitais inclusivos ainda são insuficientes, excluindo uma parte significativa da população como idosos, pessoas com deficiências permanentes, temporárias, entre outras, do acesso a atividades básicas como: Buscar por informações na internet, realizar compras online, consumir conteúdo educacional e de lazer, se comunicar por redes sociais, entre outros.
Logo, entender como construir produtos e serviços acessíveis no meio digital é algo fundamental no início de carreira de qualquer designer de experiência.
“O poder da Web está em sua universalidade. O acesso de todos, independentemente da deficiência, é um aspecto essencial.”
— Tim Berners-Lee, diretor da W3C e criador da World Wide Web.
Mas por onde começar em acessibilidade digital?
Primeiramente, vamos entender um pouco do contexto histórico da Web. Criada por um pesquisador chamado Tim Berners-Lee, a primeira página da web foi lançada em 6 de agosto de 1991. Tim, que na época estava tentando resolver um problema de compartilhamento de informações entre diferentes dispositivos em diversos lugares, elaborou uma proposta que utilizava o que hoje conhecemos como hipertexto para conectar documentos armazenados em diferentes dispositivos, desde que estivessem conectados a mesma rede.
Para alcançar esse objetivo, Tim, em 1990 elaborou as ferramentas que são até hoje a base para o funcionamento da Web: o protocolo de transferência de hipertexto, mais conhecido como HTTP , a linguagem de marcação de hipertextos, mais conhecida como HTML, além de claro, o primeiro navegador da internet, chamado World Wide Web.
Após esse marco na história da tecnologia, em 1994, Tim fundou a World Wide Web Consortium ou W3C, uma organização que busca estabelecer padrões, protocolos e diretrizes para manter o crescimento da Web. Logo a acessibilidade começou a se tornar um tópico importante e em 1997, com o endosso da Casa Branca, a W3C lançou sua iniciativa para acessibilidade na Web (WAI), que veio como um esforço para melhorar a acessibilidade da World Wide Web para pessoas com deficiência.
A WAI (Iniciativa para acessibilidade na Web), é composta por uma série de grupos de trabalho e interesses que elaboram diretrizes, relatórios, materiais, entre outros documentos de acessibilidade na web, como as Diretrizes de acessibilidade de ferramentas de autoria (ATAG), Diretrizes de acessibilidade do agente do usuário (UAWG), Aplicações Web Ricas Acessíveis (WAI-ARIA), e claro, um dos documentos de diretrizes mais famosos no mundo, as Diretrizes de Acessibilidade de Conteúdo da Web (WCAG).
As Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo da Web, ou como são mais conhecidas, WCAG, serão o foco do nosso estudo básico hoje. As primeiras 14 diretrizes da WCAG foram publicadas em 1999 em três princípios e ficaram conhecidas como WCAG 1.0. Em 2008, foram atualizadas para 12 diretrizes e 4 princípios, conhecidas como WCAG 2.0.
Posteriormente em 2018, a segunda versão ganhou uma atualização que foram as WCAG 2.1, que adicionaram novas diretrizes e critérios para abordar deficiências e contextos que não eram completamente cobertos pela WCAG 2.0, especialmente em relação a dispositivos móveis e deficiências cognitivas.
A última atualização da segunda versão veio em 2023 com a WCAG 2.2, que continua a manter a estrutura e os princípios das versões anteriores, mas expande as diretrizes para cobrir uma gama mais ampla de necessidades e tecnologias emergentes.
A WCAG 2.2 é hoje a versão mais atualizada e recente, no entanto a versão 3.0 já está sendo elaborada e até o momento dessa postagem encontra-se em fase exploratória e como rascunho incompleto, portanto, trabalharemos no restante desse post com a documentação da versão 2.2.
A WCAG, como foi dito anteriormente, é organizada em 4 princípios básicos que são: Perceptível, operável, compreensível e robusto.
- Perceptível: As informações e componentes da interface do usuário devem ser apresentados de maneiras que possam ser percebidas por todos os usuários.
- Operável: A interface e a navegação devem ser operáveis por todos os usuários. Por exemplo: Todas as funcionalidades devem ser acessíveis via um teclado, usuários devem ter tempo suficiente para ler e usar o conteúdo.
- Compreensível: O conteúdo deve ser compreensível para todas as pessoas e de fácil entendimento, independentemente de sua capacidade cognitiva e linguística.
- Robusto: O conteúdo deve ser compatível com diversas tecnologias e dispositivos, para garantir o acesso por todos os usuários.
Além disso, ela também possui três níveis de conformidade, sendo eles: A, AA e AAA.
- Nível A (Mínimo): Representa a conformidade mínima necessária para garantir que as necessidades básicas de acessibilidade sejam atendidas.
- Nível AA (Intermediário): Considerado o nível intermediário, aborda as barreiras de acessibilidade mais comuns e críticas.
- Nível AAA (Avançado): O nível mais alto de conformidade, que aborda necessidades de acessibilidade adicionais e complexas.
Agora que você entendeu sobre princípios e níveis de conformidade, o próximo passo é entender sobre as diretrizes da WCAG 2.2, que atualmente somam um total de 13, que ficam organizadas sob os quatro princípios básicos que vimos.
1. Perceptível
1.1 Texto Alternativo
1.2 Mídia Baseada em Tempo
1.3 Adaptável
1.4 Distinguível
2. Operável
2.1 Acessível pelo Teclado
2.2 Tempo Ajustável
2.3 Convulsões e Reações Físicas
2.4 Navegável
2.5 Modalidade de Entrada
3. Compreensível
3.1 Leitura e Compreensão
3.2 Previsível
3.3 Ajuda do Usuário
4. Robusto
4.1 Compatível
Atualmente, as Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo da Web 2.2 contam com 87 critérios de sucesso, divididos conforme os princípios, diretrizes e níveis de conformidade (A, AA, AAA). Para consultar a lista completa — que não vai caber nesse post — , recomendo o Guia WCAG. Lá você pode conferir, de maneira didática e intuitiva, cards de todos os critérios com seus respectivos princípios e níveis de conformidade, em três idiomas: português, inglês e espanhol.
Para um estudo mais detalhado, você também pode conferir o documento oficial da WCAG 2.2 disponibilizado pelo W3C, abaixo vou listar os links para as versões em português e inglês respectivamente:
Após ganhar o entendimento básico das diretrizes, é importante compreender também as barreiras de acesso mais comuns no ambiente digital, para estar sempre atento a derrubá-las em seus projetos. Segundo o Guia de boas práticas em acessibilidade digital, elaborado em parceria do Reino Unido com o Brasil, existem quatro barreiras mais comuns:
- Imagens sem alt-text: Imagens sem texto alternativo impedem pessoas cegas de compreenderem a foto publicada;
- Vídeos sem legendas: Vídeos sem legendas dificultam a compreensão por pessoas surdas oralizadas;
- Excesso de motion: Páginas com muito movimento podem atrapalhar a concentração de pessoas neurodivergentes (carrosséis randômicos, banners, pop-ups, etc.);
- Dependência de periféricos específicos: Aplicações que dependem do mouse podem dificultar a navegação por pessoas com deficiência motora.
Mas e aí, é só entender a documentação da WCAG?
A resposta é não. Acessibilidade digital é um assunto muito mais profundo do que isso. É essencial que o designer, independentemente do nível de senioridade, esteja sempre buscando novos conteúdos, atualizações e estudos.
Além das diretrizes estabelecidas por empresas como Apple e Android, existem também diretrizes específicas de diferentes países. No Brasil, por exemplo, temos o Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico (eMAG), que, segundo o GOV, é coerente com as necessidades brasileiras e está em conformidade com os padrões internacionais.
Embora a WCAG seja uma referência importante, não é a única documentação de diretrizes de acessibilidade e não deve ser a única fonte de estudo de um designer. É importante consumir conteúdo literário — no final desse post dou algumas dicas de leitura — sempre buscar conversar com diversos tipos de usuários, como idosos, pessoas com baixa visão, entre outros. Além disso, é fundamental que um designer sempre trabalhe a empatia em seus projetos e advogue sempre que possível por iniciativas e melhorias de acessibilidade em projetos e trabalhos.
Qual o meu próximo passo?
Após entender os conceitos mais básicos e ler a documentação da WCAG — ou qualquer outra que você esteja usando como referência — , você provavelmente já vai estar olhando para os seus projetos com uma nova perspectiva e também já vai estar em dúvida se certas decisões de design cumpriram as normas mais básicas de acessibilidade. Para te auxiliar com essas questões, entra o apoio de algumas ferramentas disponíveis hoje para designers, listarei algumas delas abaixo:
- WAVE: Uma ferramenta incrível para avaliar a acessibilidade de sites, fornecendo feedback detalhado sobre áreas com contraste insuficiente, links sem descrições, entre outros.
- Colorsafe: Uma ferramenta ideal para auxiliar no desenvolvimento de paleta de cores que obedecem aos níveis de contraste entre fundo e texto das WCAG.
- Colorfilter by Toptal: Uma ferramenta que permite testar como um site é visto por pessoas com diferentes tipos de daltonismo.
- Accessibility checklist: Um guia que permite a criação de um checklist de acessibilidade personalizado para o seu projeto.
Agora você já sabe o básico sobre acessibilidade digital, quais as principais diretrizes usadas, as barreiras mais comuns no meio digital e também quais ferramentas usar para que seus projetos estejam sempre em conformidade com os níveis mais básicos de acessibilidade. Chegou a hora então, de construir produtos mais inclusivos, bora lá?
💡Bônus
Aqui vão algumas dicas de leitura que vão ampliar seu conhecimento em acessibilidade:
- Acessibilidade na Web: Boas práticas para construir sites e aplicações acessíveis de Reinaldo Ferraz.
- A Web for Everyone: Designing Accessible User Experiences de Sarah Horton e Whitney Quesenbery.
- Accessibility Handbook: Making 508 Compliant Websites de Katie Cunningham.
- Introdução ao design inclusivo de Danila Gomes.
Referências
- Acessibilidade digital, GOV.
- 1 bilhão de pessoas com deficiência entre as mais impactadas pela pandemia BR, ONU.
- Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência, indica pesquisa divulgada pelo IBGE e MDHC, GOV.
- Apenas 2,9% dos sites brasileiros foram aprovados em todos os testes de acessibilidade, aponta pesquisa, MWPT.
- Número de sites brasileiros aprovados em todos os testes de acessibilidade mantém crescimento, mas ainda é menos de 1% do total, MWPT.
- Introduction to Web Acessibility, W3C.
- Iniciativa de Acessibilidade na Web, Wikipedia.
- World Wide Web, Wikipedia.
- The role of technical standards for AT and DfA equipment and services, por Jan Engelen, Nienke Blijham e Christophe Strobbe.
- Guia de boas práticas para acessibilidade digital, CEWEB.