Triplo diamante aplicado na prática
Uma metodologia de design centrada no usuário que orienta as equipes para o sucesso.

Muitos acreditam que processos são burocráticos e servem apenas para engessar a produtividade. Porém, processos não foram feitos para serem seguidos à risca e devem ser vistos como um direcionamento, uma receita de bolo, onde cada um pode dar seu toque pessoal, adicionando, retirando ou mudando ingredientes conforme o gosto e a necessidade. Contudo, se a receita for minimamente seguida, provavelmente o resultado será satisfatório e próximo do esperado. Pensando rapidamente, talvez haja certa resistência a processos por logo nos fazer pensar em ambientes pouco agradáveis, como cartórios, repartições públicas e longas filas de espera. Mas devemos ter em mente que esses fluxos prescritivos, também conhecidos como processos, devem ser construídos em conjunto com as pessoas que irão seguí-lo e adaptados conforme cenários reais, servindo como orientação e jamais imposto.
Uma possível abordagem para atender a crescente demanda por produtos e serviços digitais, num ambiente de equipes multidisciplinares e com diferentes níveis de maturidade, é o modelo de Triplo Diamante, uma metodologia de design centrada no usuário, no negócio e tecnologia, que orienta as equipes de produto e desenvolvimento desde a imersão no problema até a entrega do produto final e acompanhamento das métricas de sucesso. Nesse texto, proponho explorarmos cada etapa de um processo adaptado, que vem sendo utilizado de verdade no dia a dia da equipe de tecnologia do Estratégia Educacional, onde atuei por mais de 3 anos como Product Designer. Logo, o texto foge apenas da teoria e descreve sua aplicação na prática. A adaptação foi feita em conjunto com PMs, POs, outros Designers e engenheiros de software.
Primeiro diamante: imersão no problema e priorização de oportunidades

Também marca o início do processo de upstream e começa com um briefing descrevendo o problema ou necessidade que serão resolvidos, trazendo evidências do ocorrido e sinalizando quem é o demandante, para serem colhidas mais informações no futuro, se for preciso. Mapear stakeholders primários e secundários é importante para saber com quem falar desde o primeiro dia, sendo os primários aqueles que tem influência direta e poder decisório sobre a solução e os secundários, aqueles que são ou serão afetados de alguma forma mas não tem poder decisório, embora ainda possam exercer certa influência.
A primeira metade, concentra-se na compreensão profunda do problema e isso requer imersão completa na perspectiva do usuário alinhado com os objetivos de negócio. A coleta de informações por meio de entrevistas, desk research, análise de dados e pesquisas tanto qualitativas quanto quantitativas são práticas comuns nesta etapa. A ênfase está na empatia e compreensão das reais necessidades, estabelecendo as bases para o desenvolvimento de um produto verdadeiramente útil e desejável. Buscamos não apenas entender o problema, mas descobrir novas oportunidades.
Justamente durante a segunda metade do diamante que o potencial dessas oportunidades será identificado, priorizando as que se encaixam melhor na solução do problema em questão e quais podem ser úteis para o futuro, pois são valiosas mas não atendem de imediato. Para identificar esse potencial temos algumas ferramentas, como por exemplo fake door, que consiste em pedir para que os usuários, geralmente early birds, inscrevam-se ou deixem seus contatos para serem os primeiros a testar o novo produto ou serviço. Quanto maior a quantidade de inscritos, maior a relevância da solução oferecida. Temos ainda surveys e feature request, que consistem em pedir aos próprios usuários para dizerem o que desejam, suas expectativas ou que votem em uma lista com itens pré-definidos pela equipe de produto.
Ao final do primeiro diamante, já será possível criar tasks no Jira e escrever histórias de usuário.
“Eu, como usuário, preciso que algo seja feito, para que o valor seja percebido"
Segundo diamante: exploração da hipótese, solução, prototipação e teste de usabilidade

Com uma compreensão total do problema partimos para o segundo diamante, onde damos início a exploração de diferentes possíveis soluções. Formulação de hipóteses, criação de fluxos, prototipação de baixa, média ou alta fidelidade e testes de usabilidade desempenham papel crucial nessa etapa.
A primeira metade pode começar com uma PoC pela engenharia ou exploração de soluções pelo próprio designer, como entrevistas, diário de uso, benchmarks, crazy 8s, brainstorms e tradução das regras de negócio para algo palpável. Nesse momento, é interessante já consultar sobre viabilidade técnica com a engenharia. Depois de algumas explorações, é possível sentir as que terão maior efetividade e poderão resolver o problema discutido no primeiro diamante, tornando visível a complexidade para desenvolvimento e permitindo fasear em entregas menores, que geram valor mais rápido para o usuário final e o negócio.
Iniciando a segunda metade, as regras de negócio para cada fase devem ser melhor detalhadas para serem entendidas por todos. Em paralelo, o designer cria protótipos de alta fidelidade, permitindo que ideias sejam testadas de forma iterativa e recebam feedback valioso dos usuários antes de iniciar o desenvolvimento. Os testes de usabilidade ajudam a refinar as soluções, garantindo que a experiência atenda às expectativas e oportunidades identificadas na etapa de imersão. Isso reduz riscos e evita investimentos significativos em ideias que podem não funcionar futuramente.
O segundo diamante encerra-se com uma critique onde todos participam, stakeholders, product managers, product owners, desenvolvedores e designers discutem a solução, tentam encontrar falhas e sugerem ajustes. A solução proposta é defendida com as informações reais coletadas nos testes de usabilidade, evitando assim que opiniões tomem maiores proporções. As sugestões dadas podem ou não ser consideradas de imediato. Mais de uma critique pode ser feita, caso haja muitos ajustes.
Terceiro diamante: handoff, desenvolvimento e testes de qualidade

O terceiro diamante inicia também o processo de downstream, marcando a transição da etapa de ideação para desenvolvimento. O time de engenharia entra em ação de vez, focando na entrega eficiente do produto final. Essa etapa pede uma comunicação eficaz, para garantir que todas as informações e nuances sejam transmitidas e facilmente entendidas.
A primeira metade, é representada pela passagem da tarefa do board de produto para o board de engenharia, bem como seu detalhamento técnico. O handoff não é só uma reunião para passagem de bastão, mas toda uma etapa de acompanhamento e suporte com a equipe de engenharia, já que provavelmente ajustes pontuais serão necessários. As entregas faseadas são distribuídas nos ciclos ou sprints, como queiram chamar, e quando finalizadas, devem ser testadas para verificar se as regras de negócio foram atendidas, se a usabilidade e o design estão fiéis ao que foi combinado no segundo diamante e caçar bugs.
Pronto! Últimos ajustes feitos e a solução está para ser publicada. Mesmo com duas etapas de teste no processo, permanece certa insegurança de como será recebida pelo usuário final. Justamente por esse motivo uma fase de beta torna-se extremamente importante, onde a solução será entregue para grupos menores de usuários e não para toda a base. Isso nos permite observar como estão utilizando e se os objetivos estão sendo atingidos, aumentando a confiança em liberar para toda a base, sem que a imagem da empresa seja prejudicada por um lançamento ruim, afinal ainda estamos em um ambiente controlado. A observação pode ser feita de várias maneiras, como por analytics, heatmaps, gravações de tela, formulários de satisfação e recomendação, ou através de tudo isso junto. Analisar como um produto ou serviço está sendo utilizado ao longo do tempo permite melhorias incrementais, retroalimentando o backlog de tarefas no Jira.
Mesmo para tarefas simples, todo o processo deve ser seguido?

A resposta é: NÃO! Elencamos abaixo, tipos de tarefas que costumamos receber com certa frequência e identificamos onde cada uma se encaixa. Exemplos para auxiliar nesse entendimento são:
- Caso não exista nenhuma informação disponível sobre o problema, imersão e pesquisa são indispensáveis.
- O problema é conhecido mas existem inúmeras oportunidades, então será preciso analisar o potencial de cada oportunidade e priorizar.
- O problema é conhecido e as oportunidades já foram identificadas e priorizadas, podemos começar direto pelas hipóteses e exploração da solução.
- Outras vezes as demandas vão chegar com urgência e sem tempo hábil para executar o processo, por isso essas demandas vão direto para o desenho da solução e observação pós-lançamento, para identificar melhorias incrementais.
Cada demanda ou solicitação precisa ser analisada individualmente, para sabermos em qual parte do processo entrarão, economizando assim tempo, dinheiro e energia de todos.
Todas as etapas são obrigatórias ou são opcionais?

A resposta é: DEPENDE! Algumas são necessárias para garantir o mínimo de qualidade e segurança no lançamento e são indispensáveis para a solução do problema. Sem elas, fica impossível construir qualquer coisa e mesmo que o processo não seja seguido, essas etapas ainda existirão, ainda que inconscientemente.
A abordagem do Triplo Diamante oferece uma estrutura robusta para a construção de produtos e serviços, não apenas digitais mas físicos também. Ao seguir as etapas de imersão no problema, priorização de oportunidades, exploração, desenvolvimento e testes, as equipes entregam soluções que sejam aderentes ao negócio, viáveis tecnicamente e desejadas pelos usuários. Essa metodologia não só promove a criatividade, mas garante uma qualidade mínima aceitável independente da maturidade da equipe ou dos profissionais, e vai reduzindo os riscos ao longo do tempo de desenvolvimento. Ao adotar um processo, as empresas aumentam suas chances de sucesso, reduzindo risco de desperdícios.
Qual a sua opinião? Quais processos utiliza ou já experimentou? Conta mais nos comentários.
Referências
- Livro “Design Thinking for Strategic Innovation: What They Can’t Teach You at Business or Design School” por Idris Mootee
Este livro explora estratégias de design thinking, incluindo o Triplo Diamante, e fornece insights sobre como aplicar esses conceitos para impulsionar a inovação estratégica. - Livro “Change by Design: How Design Thinking Transforms Organizations and Inspires Innovation” por Tim Brown
Tim Brown, CEO da IDEO, é uma figura importante no campo do design thinking. Este livro explora a aplicação prática do design thinking e inclui insights sobre o Triplo Diamante. - “Design Thinking Comes of Age” na Harvard Business Review por Jon Kolko
Jon Kolko é o fundador do Austin Center for Design, uma instituição educacional progressista que ensina design de interação e empreendedorismo social. Neste artigo, ele discute a evolução do design thinking, incluindo a aplicação do Triplo Diamante. - “The Zendesk Triple Diamond” no Medium por Mike Chen
Este artigo explora a abordagem de design pela Zendesk em três fases: Descoberta, Definição e Desenvolvimento. Destaca a importância da empatia com o cliente, colaboração interdisciplinar e iteração contínua para criar soluções centradas no usuário.