O futuro do designer na era da inteligĂȘncia artificial
Ă possĂvel que em um futuro prĂłximo o trabalho feito por designers seja substituĂdo por sistemas de inteligĂȘncia artificial?
Qualquer tentativa de resposta definitiva para a pergunta acima certamente incorrerĂĄ no risco de nĂŁo se concretizar. Talvez o mĂĄximo que possamos fazer seja tentar prever de que maneira o desenvolvimento de tais tecnologias pode afetar os designers e suas prĂĄticas profissionais.
Antes de tudo, acredito que devemos tentar definir design. Mesmo sabendo que se trata de um tarefa muito complexa, gosto muito da definição proposta pela pesquisador Janet Murray no livro âInventing The Mediumâ, em uma tradução livre seria algo assim:
âO processo de moldar intencionalmente um artefato ou processo especĂfico, escolhendo entre estratĂ©gias alternativas para atingir metas explĂcitas. O design Ă© moldado pelas limitaçÔes e capacidades especĂficas dos recursos disponĂveis e pelas necessidades explĂcitas e implĂcitas, desejos e preferĂȘncias de gosto do grupo de usuĂĄrios.â
â Janet Murray
Entender as limitaçÔes e capacidades dos recursos disponĂveis para se elaborar um projeto me parece ser a essĂȘncia do design. Obviamente, atĂ© âentenderâ, os designers podem experimentar as capacidades e limitaçÔes dos recursos atĂ© o limite da linguagem (vimos isso no "design grunge") para entĂŁo retornarem a prĂĄticas consideradas âestĂĄveisâ, sem no entanto descartar as contribuiçÔes positivas desse perĂodo.
Esse movimento parece acontecer em ciclos, ou loop na linguagem computacional, onde uma sĂ©rie de etapas sĂŁo executadas e avaliadas para entĂŁo gerar um resultado Ăștil ou nĂŁo. No frigir do ovos, design se assemelha muito a um algoritmo computacional, no qual um conjunto de regras sĂŁo organizadas para se alcançar um objetivo especĂfico.
Exemplifico: se pensarmos nas etapas de desenvolvimento de um livro podemos dividi-las da seguinte maneira: AnĂĄlise do conteĂșdo (tema, texto, uso de imagens, etc.); Definição de formato (o formato adequado para o conteĂșdo e contexto); Organização das informaçÔes (Grid, elementos editoriais, etc.) e Diagramação (o trabalho manual em distribuir todo conteĂșdo seguindo as regras definidas previamente). Alguns podem questionar aspectos mais subjetivos e intuitivos como escolha tipogrĂĄfica, uso de espaço negativo, quebra de regras, etc. Sem dĂșvida sĂŁo questĂ”es importantes, na maioria das vezes sĂŁo esses aspectos que conferem a assinatura individual dos designers. A questĂŁo Ă©: pode o computador automatizar esse processo?
Design e InteligĂȘncia Artificial
Atualmente podemos ver uma série de artefatos de design produzidos automaticamente. Nesses casos o papel do designer parece restringido em definir um conjunto de regras iniciais (ex. manuais técnicos, dicionårios, etc.) para serem executados por sistemas especializados que se encarregam em executar as regras. Obviamente não estou diminuindo o papel do designer, mas nesse caso a atuação do designer não é muito diferente de um programador que essencialmente define regras, comportamentos e condiçÔes para alcançar um objetivo.
A indĂșstria sempre propĂ”e mĂ©todos que parecem mĂĄgica para automatizar as etapas do trabalho dos designers. Recentemente um consĂłrcio de instituiçÔes com o objetivo de definir os padrĂ”es tĂ©cnicos para design de tipos apresentou um recurso que, em linhas gerais, permite que um desenho de tipo tenha diversas variaçÔes estruturais mantendo os complexos ajustes Ăłpticos com uma qualidade impressionante. O software consegue âadivinharâ o melhor desenho para o contexto de uso.
O webdesign tambĂ©m passa por mudanças profundas. Se por um lado os anos 2000 foram um perĂodo de intensa experimentação e desenvolvimento tecnolĂłgico, por outro, vivemos um momento de solidificação de padrĂ”es visuais e tĂ©cnicos. Vivemos uma explosĂŁo de âwebsites que criam outros websitesâ. Sites como âThe Gridâ, que nas palavras de Jason Fried Ă© a progressĂŁo natural do atual cenĂĄrio do webdesign, prometem utilizar algoritmos inteligentes para produzir layouts completamente distintos entre si. Se isso Ă© realmente inteligente ou apenas uma estratĂ©gia de marketing nĂŁo vem ao caso nesse momento, o mais importante ao meu ver Ă© o processo de automatização da produção de layouts.
Pesquisadores da Universidade de Tubingen, Alemanha, recentemente publicaram um paper com o sugestivo nome "A Neural Algorithm of Artistic Style" onde descrevem um método para que um sistema inteligente possa interpretar o trabalho de artistas como Van Gogh, Picasso, etc., e aplicar o que aprenderem sobre a maneira que os artistas utilizam cor, formas, composição, etc., em outras imagens de forma que fiquem assustadoramente similares.
NĂŁo Ă© difĂcil imaginar sistemas similares analisando milhares, ou melhor, milhĂ”es, de imagens de mestres do design, para entĂŁo aplicar o que aprenderam com o objetivo de produzir layouts ou modelos tridimensionais muito similares Ă qualidade observada. Aqui nĂŁo estamos tratando puramente de cĂłpia ou questĂ”es de originalidade, pois tais sistemas poderiam aplicar tais estilos em quaisquer mĂdias, alĂ©m de mixar com outros estilos.
Independente de qualquer discussĂŁo a cerca da qualidade dos artefatos produzidos por tais sistemas, penso que seja muito importante, nĂŁo apenas para os designers, acompanhar o desenvolvimento das tecnologias de inteligĂȘncia artificial para que possamos compreender as capacidades e restriçÔes dessas tĂ©cnicas. Parece-me que o design vai mudar profundamente nos prĂłximos anos, tais mudanças exigem um novo conjunto de conceitos sobre o papel do designer, alĂ©m de uma sĂ©rie de novas capacidades tĂ©cnicas para que ele continue relevante.
Talvez os novos Massimo Vignelli, AloĂsio MagalhĂŁes ou Emilie Chamie sejam uma mistura de cientista da computação, engenheiro, artista e filĂłsofo.