O pensamento crítico no design
Uma reflexão sobre o que é e como pensar criticamente.
Lembro muito bem de quando comecei no design. Eu acreditava nos processos e me virava na teoria. Estudioso, eu diria. Mas na prática…
Acontece que, naquela época, eu não tinha conhecimento de duas habilidades essenciais no design: comunicação eficiente e pensamento crítico. E é sobre este último ponto que vamos falar agora.
Já falei sobre comunicação em outros artigos. Deixo os links nas referências.
O que não é pensamento crítico
Queria começar desconstruindo pra depois construir. Digo isso porque eu mesmo tinha uma visão distorcida do que é “pensar criticamente” e “ser crítico”.
“Pensar criticamente é algo que devemos levar muito a sério, pois não se trata de um mero jogo, tal como é visto, por exemplo, pelas pessoas que levam em consideração um ditado popular segundo a qual entende que as pessoas que se esforçam por pensar criticamente — rotineiramente — na verdade estão a ‘brincar de advogado do diabo.’”
— Rodrigo Canal, O significado de pensamento crítico
Poizé. Pensar criticamente não é algo que fazemos inconscientemente, de forma passiva e automatizada como respirar. E tomar decisões é diferente de tomar decisões com base em pensamento crítico.
Aliás, ser crítico ou crítica, aqui, designa um padrão de raciocínio. Etimologicamente, o termo crítico é derivado de Criticus (latim) e de Kritikos (grego), que significa “capaz de fazer julgamentos”. Sobre esse “padrão de raciocínio”, falaremos mais na próxima seção.
Antes, um último lembrete do que também não é pensamento crítico: elencar somente pontos negativos.
“O pensamento crítico não pode, nem deve, ser entendido (confundido) como um tipo de análise e avaliação crítica sempre negativa, posto que toda análise e avaliação crítica pode ser tanto positiva quanto negativa. […]
Nossa capacidade de pensar criticamente não é somente destrutiva […], mas sobretudo construtiva para nós mesmos e o mundo social em que vivemos. Muitas das vezes isto pode tornar-se destrutivo, mas isso se dá porque talvez essa seja a parte fácil do trabalho, posto que é muito mais fácil destruir que consertar.”
— Rodrigo Canal, O significado de pensamento crítico
Mesmo que seja “mais fácil destruir que consertar”, vale a pena lembrar de observar tanto pontos positivos quanto negativos do argumento ou solução proposto.
Definindo, então, pensamento crítico
“O pensamento crítico envolve a resolução de problemas e a tomada de decisão, pois o pensamento crítico ocorre num contexto de resolução de problemas e/ou num contexto de interação com os outros, a fim de decidir, racionalmente, o que fazer ou em que acreditar.”
— Robert Ennis, traduzido por Vinicius Mano e Nelson Zagalo
Então, podemos entender pensamento crítico como um tipo de raciocínio criterioso que busca apoiar crenças, argumentos e decisões, direcionando ao caminho mais apropriado pro momento.
“Uma vez que os argumentos podem tratar de qualquer assunto, pensar criticamente é uma habilidade geral que se deve usar em qualquer momento em que se esteja para decidir no que acreditar ou no que fazer. Portanto, pensar criticamente é uma habilidade encontrada em todas as disciplinas acadêmicas e também fora do contexto acadêmico.”
— George W. Rainbolt, Pensamento crítico. Traduzido por Mário Nogueira de Oliveira.
Peg Tittle, no livro “Critical thinking: an appeal to reason”, sugere um modelo para análise crítica de argumentos — que ele mesmo criou, e adaptei ao quadro:
Ah, e vale pontuar também que, como tudo na vida, pensar criticamente é prática, além de toda a teoria.
“A habilidade de avaliar corretamente os argumentos [de forma crítica] envolve mais do que o estudo teórico dos argumentos. Ela requer o desenvolvimento de habilidades cognitivas (tais como a capacidade para identificar quando um argumento está presente e a de separar suas diversas partes) e a adoção de um conjunto de hábitos mentais (tais como reconhecer a própria ignorância, não chegar a conclusões sem informações suficientes, tratar visões opostas tal como é devido, evitar o auto-engano e identificar preconceitos). Isto não é algo que os alunos [pessoas] possam adquirir apenas pela leitura. Deve haver a prática […]”
— George W. Rainbolt, em “Pensamento crítico”. Traduzido por Mário Nogueira de Oliveira.
Logo, ser uma boa pessoa crítica, nesse sentido, leva tempo. E sim, é uma tarefa complexa. Exige muita maturidade e treino.
Mas, focando no lado positivo: só depende de você.
Por fim: e o design nisso tudo?
Quem trabalha com design deve ter percebido que nossa profissão tem tudo a ver com pensamento crítico. São duas ciências que se apoiam em dados, fatos e contexto para sugerir e defender a melhor solução ou argumento pra uma situação. Inclusive, duas ciências essenciais pra sociedade.
Sabemos que o problema é que nem sempre vamos ter todos os dados e fatos necessários pra ser suficientemente crítico quanto à solução que estamos construindo ou argumento que estamos defendendo. Assim como também sabemos que propostas fundamentadas podem nem sempre vencer debates.
Mas, mesmo assim, a gente precisa estimular um pensamento crítico ainda mais estruturado e aprofundado, a ponto de considerar também os impactos sociais além de uma boa usabilidade ou um texto claro, por exemplo.
Sei da distância entre essa teoria e a prática nas empresas e do mercado atual (releva minha esperança utópica, por favor).
Mas, voltando pro assunto, pensa comigo: o que une todo mundo que faz design, como já argumentei antes, é nossa dívida com a sociedade. Ou melhor, com o nosso próprio futuro.
Aplicar o pensamento crítico pode ajudar a guiar a gente pra um futuro mais equilibrado e de harmonia.
E você, o que acha sobre isso?
Se quiser conversar sobre esse ou outros assuntos, comenta aqui ou me chama! 😁
Aquele abraço!
Importante
O assunto “pensamento crítico” tem uma forte base teórica e filosófica e, por isso, acaba sendo abordado por pensadores de diferentes linhas e raciocínios. Meu texto é só uma análise relacional introdutória. Por isso, te aconselho a consultar os artigos que estão nas referências. Quem sabe você não tira algum aprendizado que enriqueça esse debate.
Referências
Sobre comunicação:
- Como você se comunica, designer?, do autor
- Defenda o design contando histórias, do autor
Pra se aprofundar em pensamento crítico: