O perigo das listas dos “melhores profissionais” de design

Fabricio Teixeira
UX Collective 🇧🇷
9 min readJul 18, 2018

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A cada um ou dois meses aparece um post no Linkedin onde alguém pede sugestões de nomes para criar uma lista dos “melhores profissionais de design”. Ou “os experts em interfaces conversacionais”. Ou “os designers brasileiros mais famosos no exterior”. Acredite, já vi até lista dos “top 50 hipsters para você seguir”, e não soube definir com clareza se fiquei feliz ou triste por ter sido incluído nela.

Tanto o post original pedindo recomendações quanto as centenas de sugestões de nomes que se seguem são feitos com a melhor das intenções. Geralmente o objetivo é valorizar e enaltecer profissionais da área e fazer com que mais pessoas conheçam o trabalho deles.

Na teoria, é uma situação de ganha-ganha:

  1. Pela dinâmica naturalmente social desse tipo de lista (onde as dezenas de pessoas tagueadas acabam criando um efeito viral), o autor consegue alta visibilidade para o post e angaria várias sugestões de nomes.
  2. Por outro lado, nossa indústria também ganha, porque está disseminando o nome de designers famosos para profissionais de indústrias adjacentes à nossa, e fazendo com que mais gente se interesse pelo assunto.

Mas depois de mais de uma década no mercado vendo esse mesmo tipo de lista repetida dezenas de vezes, é natural começar a observar também o outro lado da história. Será que essas listas são justas? Será que elas levam em conta os critérios certos? Será que esses são realmente os “melhores” profissionais de design? O que significa “melhor” nesse caso?

Para começar:

  • Não acho que esse tipo de lista deva deixar de existir. Os benefícios vencem os malefícios de goleada. O objetivo aqui é encorajar os profissionais da nossa indústria a refletirem não somente sobre os prós, mas também sobre os contras desse tipo de lista — para que elas se tornem melhores com o passar do tempo.
  • Não acho que devemos deixar de sugerir nomes. É uma oportunidade excelente para reconhecermos o talento de alguém que admiramos, e celebrarmos o alto nível profissional dessa pessoa.
  • Não acho que devemos deixar de divulgar essas listas uma vez que publicadas. Quanto mais pessoas ficarem sabendo da existência dos talentos da nossa indústria, melhor. Tornar o design acessível é nossa obrigação.

Agora aos questionamentos.

“Melhor” é um conceito subjetivo

Qual o melhor banco do Brasil? Qual a melhor sobremesa do mundo? Qual a melhor produtora de filmes atualmente?

Diferentes pessoas terão diferentes respostas para essas perguntas — e essa diferença é influenciada por fatores:

  • Culturais (Japoneses e Franceses provavelmente discordarão de que petit-gateau seja a melhor sobremesa do mundo)
  • Socio-econômicos (um cliente que tem milhões de reais acumulados no banco e outro que está sempre no vermelho provavelmente discordarão de qual o melhor banco para investir seu dinheiro)
  • Geracionais (meus pais não trocariam o tratamento especial que recebem do gerente do banco deles pela praticidade do Nubank)
  • Psicográficos (amantes de dramas independentes provavelmente elegerão a A24 como melhor produtora do mundo, enquanto amantes de filmes de super-heróis orbitarão em torno da Marvel Studios)
  • Referenciais (até os 9 anos de idade, nossos pais são as pessoas mais inteligentes, fortes e altas do mundo; o quintal da nossa casa é um playground mil vezes melhor que qualquer parque da Disney)

No caso das listas de melhores designers, estamos falando de vários níveis de interpretação diferentes para a palavra “melhor”.

  1. A interpretação de quem publicou a pergunta (“por favor indiquem os melhores profissionais de design do Brasil”)
  2. A interpretação de quem leu a pergunta e sugeriu nomes
  3. A interpretação de quem viu os resultados e selecionou os nomes finais para a lista
  4. A interpretação de quem leu a lista final publicada

Cada um desses grupos tem uma interpretação diferente para a palavra “melhor”. Não seria bacana se a conversa começasse com uma definição compartilhada do que constitui um bom designer?

O contra-argumento: “mas essa não é uma lista científica, tudo que existe no mundo hoje é carregado de subjetividade”.

Sim. O ideal é que as listas informassem melhor qual ângulo têm. “Os melhores profissionais de UX segundo os leitores do UX Collective”. “Os melhores designers brasileiros segundo os próprios designers brasileiros”.

Photo by Ariel Besagar

Raramente é sobre a qualidade do trabalho

Salvas raríssimas exceções, ninguém vai investir tempo avaliando todas as sugestões de nome e fazer uma comparação objetiva dos projetos que essa pessoa já participou, da qualidade do design que ela entrega, e do nível de senioridade que ela apresenta no ambiente de trabalho.

As recomendações de nomes geralmente ocorrem por algum (ou por uma combinação de alguns) dos motivos abaixo:

  • “Porque tal designer é meu amigo e eu gosto muito dele”
  • “Porque eu trabalhei com tal designer e gostei muito da experiência (subjetiva) que tive”
  • “Porque tal designer é famoso e muita gente fala que admira ele”
  • “Porque tal designer publica muitas coisas online / dá muitas palestras / tem um canal no youtube”
  • “Porque tal designer trabalha numa empresa que tem feito muitas coisas legais”
  • “Porque outro dia eu vi uma entrevista com tal designer e gostei muito das opiniões dele”

E finalmente:

  • “Porque outro dia tal designer me mostrou os designs que ele fez e eu fiquei impressionado com a qualidade do trabalho e a capacidade dele de apresentar ideias”

Qualidade do trabalho é apenas um dos motivos pelo qual profissionais são recomendados para essas listas. E a indústria de design é muito particular nesse sentido, já que muito do trabalho que foi feito é confidencial e está inacessível ao público.

Qualidade do trabalho é apenas um dos motivos pelo qual profissionais são recomendados para essas listas. E a indústria de design é muito particular nesse sentido, já que muito do trabalho que foi feito é confidencial e está inacessível ao público.

O contra-argumento: “mas ser um bom designer não implica somente desenhar produtos bons e bonitos; implica também em divulgar conhecimento, ser bem articulado, promover a área, ter boas relações interpessoais; essas pessoas também têm seu mérito”.

Sim. O ideal é que as listas informassem com mais clareza qual ângulo priorizam. “Os profissionais de design mais famosos do Brasil”. “Os melhores palestrantes de design do Brasil”. “Os designers com o melhor craft do Brasil”.

Perdemos a oportunidade de promover diversidade

O mercado de design no Brasil é uma vasta teia de profissionais interconectados. Aliás, é assim em praticamente qualquer indústria, em qualquer país.

No entanto, a mecânica de votação dessas listas geralmente têm princípio em apenas um dos milhares nódulos dessa teia.

Um post no Linkedin, por exemplo, é visto em sua maioria pela rede de contatos do autor do post. À medida em que novas pessoas são tagueadas, o post passa a ser exibido para uma nova camada de usuários. Mesmo com esse efeito “viral”, o alcance é limitado. O resultado de uma enquete que se inicia em determinado ponto da teia será sempre enviesado a incluir profissionais que estejam mais conectados naquela região — e raramente consegue se expandir para as camadas menos conectadas do mercado. Nessa mecânica, emergem os nomes das pessoas que estão melhores conectadas, e não necessariamente as que estão fazendo um melhor trabalho como designer. De novo o problema de “melhor” ter significados diferentes dependendo do contexto.

Falamos tanto sobre diversidade e inclusão no mercado de design, e ao mesmo tempo continuamos alimentando listas que trazem “mais do mesmo”. Sem nem percebermos, acabamos sugerindo nomes de pessoas que pensam iguais a nós, que nasceram na mesma cidade, que trabalharam nas mesmas empresas, que participaram das mesmas conferências. Ou você é parte do clubinho, ou boa sorte ao tentar ingressar nele.

Sem nem percebermos, acabamos sugerindo nomes de pessoas que pensam iguais a nós, que nasceram na mesma cidade, que trabalharam nas mesmas empresas, que participaram das mesmas conferências. Ou você é parte do clubinho, ou boa sorte ao tentar ingressar nele.

O contra-argumento: “mas na hora de sugerir nomes eu sempre tento sugerir pessoas de diferentes universos, justamente para garantir a diversidade”.

Esse é uma ótima forma de pensar, mas infelizmente não dá para garantir que exista esse mesmo cuidado na hora de eleger os “vencedores” da lista. Normalmente os autores optam pelas pessoas que já são conhecidas, porque assim evitam conflitos desnecessários.

Não seria incrível se fizéssemos uma lista dos “melhores profissionais de design do Brasil que você nunca ouviu falar”? Aliás: se alguém topar montar essa lista comigo, é só me mandar um email.

Design é um esporte coletivo

Um outro risco dessas listas é o de enaltecer irresponsavelmente a figura do designer individual, ao invés de celebrar o grupo em que ele está inserido. Bom design não existe sem bom copywriting, boa gestão de projetos, bons clientes, bons desenvolvedores, bom código, boa estratégia, boa infraestrutura.

Um designer pode ser talentosíssimo e criar artefatos belíssimos — mas se ele não estiver inserido num contexto que favoreça o florescimento de bons produtos, seu design nunca sairá do papel. Um designer sozinho não lança um produto completo.

Depois não adianta xingar nas redes sociais

Se a motivação é a audiência, já começamos errado

Muitas vezes as entidades por trás da criação dessas listas de “melhores designers” são empresas interessadas em atrair uma certa audiência por motivos comerciais — e depois aproveitar a audiência gerada para promover os serviços que elas oferecem.

É a forma mais conveniente possível de content marketing:

  • O processo de submissão dos nomes tem um efeito naturalmente viral: as tags com os nomes das pessoas fazem com que o post atinja uma audiência orgânica muito acima da média e atraia um público que talvez nunca tenha ouvido falar da empresa por trás da lista.
  • A empresa acaba “pegando emprestado” um pouco da credibilidade que esses designers rockstar possuem na hora de publicar a lista. A lógica (implícita) é: “se a Empresa X divulgou essa lista com tanta gente que eu admiro e confio, ela também deve ser admirável e confiável”.
  • Quando a lista é publicada, os vencedores (honrados de terem sido selecionados) acabam divulgando o post para sua rede de contatos e acelerando o alcance que a lista gera. As empresas capitalizam em cima da grande audiência que esses designers “vencedores” já possuem.
  • E em alguns casos, as empresas ainda trancam a lista atrás de um formulário de cadastro: “eu deixo você saber quem são os 50 melhores designers do Brasil, mas com a condição de que você me dê o seu endereço de email”.

Pode ser que essa empresa não esteja tentando vender nenhum produto ou serviço em troca de dinheiro, necessariamente. Pode ser que tudo o que ela queira é awareness, cadastros, ou novos seguidores.

Ainda assim: da próxima vez que se deparar com uma lista dessas, tente entender a real motivação das pessoas que estão organizando a iniciativa. Será que o objetivo primário dessa empresa/instituição é realmente celebrar os bons profissionais da nossa indústria?

E se não for (já que altruísmo nos dias de hoje é um pouco utópico), será que você está disposto a alimentar os objetivos de negócios dessa empresa em troca de alguns tapinhas no ombro?

O caminho mais fácil é não pensar muito nisso.

Dá um gostinho bom na boca quando alguém vai lá, tagueia a gente e “reconhece o nosso talento”.

Dá uma alegria maior ainda ser eleito entre os melhores — a gente até finge que não liga muito em não saber qual critério foi utilizado para chegar àquela lista. A gente até esquece de se preocupar se foi uma seleção justa e imparcial; afinal, o nosso nome está ali no meio e vai ficar lindo postar isso no Linkedin.

E aí tem o caminho mais difícil, que é tentar deixar as coisas um pouco melhores do que elas são.

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