Os desafios dos testes de usabilidade remotos e como os superei

Receber o famoso "bolo" no horário combinado foi um deles.

Andressa Siegel
UX Collective 🇧🇷

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O famoso "bolo". Photo by Food Photographer | Jennifer Pallian on Unsplash

"Information only turns into knowledge after you can apply it". Alicia Liu.

A frase acima de Alicia Liu reflete bem o que vivenciei em 2018. Durante a participação em cursos, a leitura de livros, e as graduações, você se sente muito preparado para enfrentar o mundo com suas muitas ferramentas de pesquisa.

Designer com sua caixinha de métodos.

Você vê os incríveis laboratórios de pesquisa de última geração que imitam perfeitamente a casa da família brasileira (cof cof!) com um lindo sofá, cozinha impecável, etc., só esperando os próximos participantes dos testes de usabilidade.

Então você, designer mortal, entra em uma empresa com budget limitadíssimo. Visitar os clientes parece uma missão impossível, seja por conta da distância, do custo, do tempo, da falta de confiança no método…

A frustração começa a bater porque não consegue colocar em prática o que estudou e, consequentemente, isso não se transforma em conhecimento.

Calma, respira! Existem outras formas para você testar seus protótipos com usuários reais sem necessariamente investir rios de dinheiro ou tempo. Felizmente para você, vou contar as dificuldades que encontrei e o que aprendi com elas ao aplicar testes de usabilidade remotos.

Problema 1: Encontrar a ferramenta ideal.

Um belo dia, eu resolvi usar o Appear.in para um teste de usabilidade por recomendação de outra colega. O que eu não sabia (e ela também não) é que depois de x minutos de compartilhamento de tela, o Appear.in, em seu modo gratuito, para de compartilhar automaticamente.

Seria complicado abrir outra sala de videoconferência em outra ferramenta e pedir para a participante acessar o link. Seguimos no Appear.in. O teste durou menos de 40 minutos, por isso a participante precisou voltar a compartilhar a tela apenas uma vez.

Aprendi uma baita lição: teste novas ferramentas com antecedência (o que eu fiz), mas realmente a teste. Deixe-a rodando por muito tempo, como se fosse um teste de usabilidade real, e veja como ela se sai.

Outro problema que enfrentei foi gravar áudio e tela do usuário. Eu testei algumas ferramentas, mas nenhuma foi boa o suficiente. Muitas até permitiam que você gravasse o teste inteiro, mas guardavam seu vídeo a sete chaves até você pagar.

Pague o aluguel

Eu demorei para chegar no meu setup atual para rodar os testes de usabilidade, e é possível que não seja o mais recomendado. O que eu comentar aqui é o que tem funcionado bem até então.

1.Para as gravações de áudio e vídeo, eu utilizo o QuickTime. Deixo ele fixo no Dock para acessá-lo rapidamente. Ele tem as opções de gravar a tela inteira ou gravar apenas partes da tela. Geralmente eu gravo parte da tela, focando apenas na janela do Hangouts.

Eu já tive problemas com o QuickTime, também. Algumas vezes ele me deixou na mão, fechando sozinho no meio do teste de usabilidade ou simplesmente não me permitindo salvar o arquivo quando finalizada a gravação. Caso aconteça isso com você, não se desespere:

Ainda bem que fóruns online estão a um dedo de distância

2. Para compartilhamento de tela, eu utilizo o Google Hangouts. O Hangouts tem funcionado bem com os participantes do projeto específico que tenho trabalhado, mas pode variar entre perfis de usuários.

O Appear.in, como comentei, não foi uma boa experiência. Testei também o Meet, porém os participantes demoravam muito mais para encontrar o botão para compartilhamento de tela (foi basicamente um teste de usabilidade dentro de um teste de usabilidade). Já o Skype… bem, eu passo longe.

Outra ferramenta de gravação de voz que eu utilizo, apenas por garantia, é um aplicativo Android chamado Gravador de Voz (sim, este é o nome). Uso para me certificar de que tudo saia certinho. Lei de Murphy, se algo pode dar errado, dará.

3. Para converter as gravações do QuickTime, eu utilizo o HandBrake. Os vídeos do QuickTime ficam, geralmente, bem grandes. Para facilitar o compartilhamento com outros membros da equipe ou com o próprio cliente, eu converto os vídeos. É um processo demorado e que exige bastante da máquina (pelo menos a minha), por isso recomendo fazer no fim do dia.

Problema 2: Não-comparecimento dos participantes.

Eu perdi as contas de quantos bolos eu recebi este ano. Se você executa testes de guerrilha na rua ou internamente com colegas de trabalho, possivelmente você não passará por esta experiência.

Recrutamento é um processo bem complicado. Se você não utilizar um serviço terceirizado que faça tudo por você, bem… você terá que ir atrás dos participantes.

Isso envolve muitos envios de e-mail, mensagens no WhatsApp, ligações. É possível que, dependendo do perfil dos usuários, você receba vários nãos. Pode ser por falta de tempo ou puro desinteresse.

Pode acontecer também a situação inesperada em que o cliente ignora seu convite para o teste de usabilidade, e utiliza a ligação para reclamar.

Você irá ouvir muito do que o cliente têm passado com o produto e/ou serviço, mas fique feliz pela oportunidade! Pegue a caneta e o papel mais próximos e comece a anotar.

Para contornar os problemas dos bolos, nós chegamos a algumas soluções:

  1. Para agendamento dos horários, usei o Calendly. Eu criei uma agenda no Calendly com todos os meus horários disponíveis para testes. Quando surgia uma reunião de última hora, o Calendly me permitia alterar os slots de tempo facilmente, sem precisar enviar e-mails informando a mudança. Depois, compartilhei o link com o time interno de Customer Success do cliente, e elas o repassaram para os participantes agendarem.
Exemplo de uma agenda no Calendly

O Calendly e a colaboração do time de CS agilizou muito o nosso processo. Elas eram mais familiarizadas com os usuários, o que facilitava o papo, e a ferramenta permitia que, visualmente, os clientes comparassem suas próprias agendas no Google e os slots de tempo vagos no Calendly. Isso reduziu bastante os não-comparecimentos.

2. Entramos em contato com os usuários com ao menos 2 semanas de antecedência, para não ficar muito em cima da hora. Os usuários deste projeto possuem uma agenda muito apertada, e descobrimos que ligar para agendar o teste de usabilidade para a mesma semana era um caso perdido. Como nós estávamos trabalhando com sprints de 2 semanas, nós entramos em contato na sprint anterior e marcamos para a outra sprint.

3. Agendamos com 10 participantes para chegar ao número ideal de 5. Como ainda assim poderia acontecer do participante precisar desmarcar o teste, nossa solução foi marcar com um número superior ao desejado. Caso um ou outro participante cancelasse, isso não afetaria nossos resultados, e caso passasse do total de 5 participantes, tudo bem! 🙌

4. Oferecemos um voucher de R$50. No início do projeto tivemos mais dificuldades para agendamentos, por isso contamos com a colaboração do cliente, que ofereceu um voucher para quem participasse de nossas entrevistas e testes de usabilidade. É claro que nem todas as empresas podem arcar com este custo, por isso vale entender o que seria considerado uma recompensa para os participantes de seu teste. Às vezes um simples mimo, como um doce, pode deixar os usuários radiantes.

Se você fizer testes com colegas de trabalho, ofereça dadinhos. Eles ficarão muito felizes.

Problema 3: O cliente estará usando seu próprio computador com sua própria configuração em sua própria casa (ou escritório).

Um dos momentos mais amados pelos pesquisadores é ir até o local onde o cliente utiliza o produto e/ou serviço e acompanhar sua rotina de trabalho. Porém, este método pode ser custoso em alguns casos.

O teste de usabilidade remoto permite que você vivencie um pouco do contexto de uso, capturando nuances que jamais seriam percebidas em um ambiente controlado. Barulhos, iluminação, pessoas, velocidade de conexão, resolução de tela, páginas favoritadas no navegador… estes são alguns dos detalhes que podem ser oportunidades e riscos para o negócio.

O ambiente pode oferecer muitos insumos para a pesquisa.

O lado ruim são as limitações técnicas. Os problemas que captei ao longo dos testes de usabilidade remotos foram que, a maioria dos participantes:

  1. Não possuía câmera no computador, o que reduzia a minha visibilidade de suas reações e expressões faciais;
  2. Não possuía microfone no computador. Sem voz, seria impossível realizar os testes de usabilidade. Para contornar a restrição, eu consegui captar a voz dos participantes através de ligações por WhatsApp;
  3. Não possuía um computador rápido ou uma super velocidade de conexão. Esta é uma ótima dificuldade para se encontrar, porque mostra ao time de desenvolvimento e ao cliente qual é o cenário real de uso.

Os desafios que se tornam aprendizados

Durante uma entrevista, eu perguntei à participante quais páginas na web eram relevantes para a sua rotina no trabalho. Era uma questão importante para o nosso cliente, porque ele gostaria de descobrir quais eram os concorrentes e similares que eles ainda desconheciam.

A entrevistada lembrou de pouquíssimos nomes. Foi frustrante, pois saímos com poucos insumo. Contudo, quando aplicamos o teste de usabilidade remoto, notei (e anotei) todas as páginas favoritadas em seu navegador. Este detalhe passou despercebido na própria rotina dela, mas rendeu uma boa pesquisa posterior sobre concorrentes e similares.

Outro caso curioso foi uma participante que utilizava o Windows 7 com uma resolução de tela muito pequena. Todos os botões e os textos da interface estavam enormes naquela tela compartilhada — o que me rendeu uma boa dor de cabeça— mas também muitos insights. Passei a "estressar" as interfaces criadas, pensando nos cenários mais improváveis.

Durante os testes, você consegue captar as particularidades de cada um ao trabalhar com tecnologia. Você passa a respeitar mais o outro e entender que nem todo mundo tem o mesmo conhecimento que você. Diversas vezes precisei adaptar a minha fala, trocando termos mais técnicos para algo mais comum. "Navegador", por exemplo, substituí por "janela". O participante abre várias páginas do Internet Explorer ao invés de utilizar abas? Está tudo bem. Seja humilde, anote os detalhes e siga em frente.

Depois dos perrengues, chegamos à uma fórmula que funciona para este projeto específico. Como comentei anteriormente, isso pode variar muito de projeto para projeto. Minha sugestão é você testar até encontrar um método que funcione para o seu contexto.

Você já passou por estes mesmos desafios? Vivenciou outros? Conta para mim aqui nos comentários. Vamos trocar ideias, compartilhando informações sobre ferramentas e caminhos alternativos ❤️

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