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Curadoria de artigos de UX, Visual e Product Design.

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Os usuários realmente não leem?

Camila Martins
UX Collective 🇧🇷
4 min readJul 25, 2022

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Ilustrações com seis mãos, cada uma segurando um smartphone. Na tela de cada um, está ilustrado um aplicativo: de mensagens, de relacionamento, bancário, de ligações.

Sou totalmente avessa à frase “as pessoas não leem”. Isso porque acredito que ela pode levar designers e gerentes de projeto a pensarem que não precisam de um designer de conteúdo escrevendo para seus produtos. Afinal, por que investir em alguém dedicado a criar textos que as pessoas supostamente não vão ler?

Neste texto, resolvi me aprofundar no assunto e fazê-los entender minha aversão.

A capacidade humana de leitura

Você já deve saber que a linguagem é uma habilidade natural do ser humano. Uma criança consegue desenvolver sua fala sem que outro ser humano a ensine. Basta que ela conviva com outras pessoas falantes e, naturalmente, voilà.

Mas você já parou para pensar que o mesmo não acontece com a leitura?

Para ler, nós precisamos ser ensinados. Isso porque não temos genes e circuitos cerebrais dedicados à capacidade de leitura, assim como temos para linguagem, visão e audição, por exemplo. O que nosso cérebro faz é combinar os circuitos que tem, de capacidades naturais, para produzir um novo, que permita que tenhamos uma nova capacidade: a de ler.

Desenvolvida a capacidade de leitura, o cérebro continua se adaptando, criando circuitos, mais ou menos sofisticados e complexos. Nesse processo, ele é influenciado por alguns fatores, dentre os quais está a maneira como lemos — se numa mídia impressa ou numa tela digital, se de maneira aprofundada ou apenas escaneando.

Espero que, aqui, você já tenha entendido onde pretendo chegar (e espero que algum neurocientista me perdoe por simplificar tanto assim as coisas).

A influência dos meios digitais na maneira como lemos

Antes da era digital, nosso cérebro lia de maneira linear, percorrendo palavra por palavra, linha por linha, página por página. Não havia atalhos, links, vídeos e distrações. No máximo uma ou outra imagem, mas que não desviava o leitor de seu fluxo de leitura.

Com a incorporação das telas em nosso dia a dia e a enxurrada de informações que veio junto, nosso cérebro tende a se comportar de outra maneira. Ele cria estratégias de consumo de conteúdo para conseguir lidar com o excesso de informações e a velocidade com que elas chegam. E assim, gastamos mais tempo navegando; digitalizando; lendo de maneira não linear, em F ou zig-zag; localizando palavras-chave em busca de informações que, talvez, justifiquem uma possível leitura aprofundada.

À esquerda está um mapa de calor ilustrando a leitura em F. À direita, outro mapa de calor mostrando a leitura zigue-zague. Ambos resultados de estudos eyetracking.
Eyetracking by Nielsen Norman Group

Fatores como a importância dessa informação, tipo de tarefa que estamos tentando realizar e nosso nível de foco no momento também influenciam no tempo que pretendemos gastar na leitura.

Como Jakob Nielsen já explicou, nas mídias lineares, como a mídia impressa, as pessoas esperam que os autores construam a experiência para elas. Enquanto nas mídias não lineares, como o meio digital, elas esperam construir suas próprias experiências.

“O novo normal em nossa leitura digital é ler por cima.”

— Maryanne Wolf, neurocientista e pesquisadora da leitura.

Alguns estudos da área sugerem que a própria natureza da leitura vem se modificando, tendo em vista que nossa capacidade de leitura é desenvolvida por meio do aprendizado e influenciada pela forma como lemos. Ou seja, a maneira superficial e não linear como lemos digitalmente poderá se tornar o padrão de leitura do nosso cérebro.

É correto, então, afirmar que os usuários não leem?

Sabemos que os usuários têm pressa para encontrar as informações de que precisam, que contam com diversas distrações ao longo do caminho, que leem de maneira não linear e escaneiam o conteúdo em busca de palavras-chave.

Limitar-se a dizer “os usuários não leem” me parece um grande descuido na escolha das palavras e uma forma muito simplória de resumir um comportamento humano.

E afirmar isso pode nos levar a cometer erros em decisões de conteúdo e UX, como acreditar que, se o usuário não lê, o conteúdo é pouco relevante para um produto. Quando, na verdade, precisamos de profissionais capazes de projetar conteúdos que atendam ao novo padrão de leitura dos usuários da web.

Em outra publicação sobre acessibilidade e conteúdo UX, falo um pouco sobre leiturabilidade e técnicas de escrita para tornar seu texto mais escaneável.

O UX Collective doa US$1 para cada artigo publicado na nossa plataforma. Esse artigo contribuiu para a World-Class Designer School: uma escola de design gratuita de nível universitário, com foco em preparar designers africanos jovens e talentosos para o mercado de produtos digitais local e internacional. Construa a comunidade de design na qual você acredita.

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Written by Camila Martins

Content Designer no Enjoei. Comunicadora. Especialista em Neurociência e Psicologia Aplicada. Pós-graduanda em Storytelling e Escrita Criativa. Feminista. Mãe.

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