O outro lado da força UX

Não há meio termo. No Design de UX ou você está com o usuário ou está contra ele.

Andrei Gurgel
UX Collective 🇧🇷

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Em essência, a profissão de Designer de Experiência sempre terá uma abordagem centrada no usuário. E, por meio desta missão, acreditamos, se não melhoramos a vida de alguém, pelo menos nos instantes de interação com um determinado produto ou serviço, procuramos amenizar suas frustrações e erros.

Mas nem sempre é assim. Alguns designers servem a outros departamentos que não o de usuários. Eles usam técnicas que visam aprimorar a usabilidade e a Experiência do Usuário para induzir o erro e angariar mais vendas, conversões, ou conduzir o usuário por caminhos que talvez ele não tivesse optado. Esta distorção dos propósitos do UX Design é conhecida como Padrões Obscuros.

"Sou UX Designer e tenho metas de conversões. Preciso pegar os desavisados no momento certo."

Observe, não há nada de errado em estimular as vendas e conversões, mas quando um designer decide usar técnicas de UX para enganar os usuários para alcançar este fim, ele também precisa admitir que o termo Designer de Experiência do Usuário não lhe cabe.

Se estamos projetando elementos que compõem a experiência de um determinado usuário, pressupõe-se, que ela seja positiva, sempre. Um médico não trata o paciente para fazê-lo doente, bem como um Designer de Experiência não envolve os usuário no desenvolvimento de projetos participativos para lhe trazer frustrações ou equívocos por meio de armadilhas de interação.

É possível se deparar com exemplos dessa distorção em qualquer incursão interativa. Abaixo, alguns exemplos:

1. Azul Linhas Aéreas

Em um dos últimos passos da compra de uma passagem aérea o usuário é apresentado à possibilidade de adquirir um seguro de viagem (que muitos cartões de crédito oferecem dentro da anuidade paga, diga-se). O botão de compra foi cuidadosamente posicionado à direita, induzindo o usuário à compra , que pode não ser desejada. Toda a semiótica do verde, do posicionamento do botão — remetendo à continuidade, da percepção textual — iniciando com "Continue…", certamente trouxe ótimas conversões à Azul e estão a serviço das metas de vendas do seguro, não do usuário.

2. Atualização do Windows 10

Em meados desse ano, a Microsoft se viu obrigada a retirar uma função obscura da tela de atualização do seu sistema Windows 10. O questionamento sobre a atualização aparecia na forma de uma janela pop-up com opções "Atualizar agora" ou "Atualizar esta noite". Se o usuário clicasse no ícone de fechar a janela pop-up, o sistema "entendia" que o usuário estava consentindo com a atualização imediata e iniciava o processo. Muitos esperavam que esse procedimento significaria evitar a decisão entre uma das opções naquele exato momento.

3. Cancelamento do serviço Adobe Creative Cloud

O procedimento de cancelamento do Adobe Creative Cloud é descrito pela própria empresa por meio deste link, onde existe a opção "Cancelar meu plano". O problema é que esta opção foi retirada das vistas do usuário que não encontra mais esta opção na tela indicada e em nenhum outro lugar. Depois de algum tempo o usuário vai descobrir que para cancelar o serviço ele terá que entrar em contato via telefone ou abrindo um chamado de ajuda. Embora esta interface não induza ao erro propriamente, ela peca pela falta de transparência, percebendo-se uma tendência a prejudicar a vontade do usuário em benefício da empresa.

Flagrante problema ético

Além dos prejuízos à reputação da marca ocasionado pela quebra de confiança de uma interface com o usuário, há um flagrante problema ético na prática dos Padrões Obscuros.

Por possuir uma abordagem Centrada no Usuário, o processo de UX Design estabelece que o desenvolvimento de interações deve ser aprimorado por meio de entrevistas, testes de usabilidade e outras abordagens que incluem o usuário no processo de desenvolvimento de uma interface.

Nestes casos, dependendo das metodologias empregadas, o usuário é parceiro do Designer de Experiência na construção de interfaces (produtos ou serviços) amigáveis, fáceis, eficientes, etc e este conhecimento não deve ser usado contra ele próprio, simplesmente.

Ser honesto é sempre o melhor caminho

Há outros modos de alavancar vendas e conversões que não pela ingenuidade do usuário que foi enganado pela interface. Que tal pela percepção de ética que é propagada por uma interface que está do lado do usuário, e não contra ele?

Se um designer deseja ser honesto e ético com os usuários, as Heurísticas de Nielsen são um bom ponto de partida. Elas apresentam o mapa fundamental de uma interface ética, clara, confiável e que trabalha pelo usuário. Em síntese, destaca-se as principais características:

Seja transparente, sempre

A melhor forma de incrementar a Experiência do Usuário é sendo transparente, honesto com o usuário e conduzi-lo de modo que ele perceba claramente que a interface está se comportando do lado dele — prevendo ações criando um flow confiável. Sem pegadinhas.

Respeite os padrões

Os usuários aprendem os padrões de uma interface — como cores, fontes e posicionamento de elementos utilizados — e estes padrões não podem ser usados para induzir propositalmente os usuários ao erro em algum passo da interação.

Permita opções

O usuário precisa saber onde está, o que acontecerá se ele avançar e poder retornar ou cancelar o processo, caso ele deseje. Nada de becos sem saída ou pior — com saída apenas pelos caminhos que levem às conversões.

Lembrem-se sempre: A Experiência é sempre do usuário e é a ele que os designers servem.

Andrei Gurgel
Designer

Ps.: As interfaces mencionadas neste artigo foram verificadas entre os dias 3 e 6 dezembro de 2016.

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