
Por que UX Designers têm medo de semiótica
Parece que ninguém tem uma relação muito saudável com semiótica — incluindo pessoas que trabalhando com comunicação, propaganda e design, seja gráfico ou de interação.
A resposta média que eu recebo quando menciono que eu estudei semiótica varia entre a curiosidade e o horror. Se por um lado há quem ache que semiótica é uma disciplina mágica e que quase flerta com a numerologia e com a cabala, acho que há mais pessoas traumatizadas por breves encontros com a disciplina. Suas memórias contém flashbacks de aulas em faculdades com professores que exigiam trabalhos de fimes de diretores ou apresentações de planejamento e branding que usavam a palavra como o trunfo que garantia algum salto lógico, de A para D, pelo poder a eles concedido por seu uso.
Mas houve um motivo muito claro e proveitoso para mim que justificou encarar esse monstro. Quando comecei a trabalhar com arquitetura de informação, era claro para mim que tudo que fazíamos na área transitava constantemente na discussão do que é compreensível para uma pessoa, apontando quando não persuadindo a uma ou mais opções — afinal de contas, todos os posts do Alertbox do Nielsen vinham cheios de regras e resultados de testes. Embora já houvesse um bom material em livros, encontrar bons recursos e discussões online me parecia complicado — e, na época, muito mais focado em boas práticas que serviam como atalhos para entregar melhores projetos, do que uma discussão verdadeiramente conceitual que me ajudasse a encarar os projetos da maneira que eu gostaria de encarar.
Por isso, decidi olhar com mais atenção um dos meus infelizes encontros com semiótica e partir para um mestrado — que, como todo mestrado, é uma primeira tentativa de pesquisa mais séria. Os resultados foram interessantes, muito mais pela jornada do que pelo resultado da pesquisa — claro, hoje sou convidado a muito menos festas, mas comecei a estruturar tudo o que leio e minhas experiências profissionais de uma outra maneira.
Mas primeiro de tudo, o que é semiótica?
Depois de um ano falando de semiótica na faculdade, um dos maiores problemas que eu tinha, assim como a maior parte das pessoas, era entender bem do que se tratava o assunto, tão valorizado e tão temido. Foi fácil saber que eu não estava nada sozinho nessa angústia — uma enquete rápida que fiz no Facebook um tempão atrás levantou algumas opiniões bem interessantes:
“Estudo dos signos.”
“Complicar o que não é complicado.”
“A ótica do ser, de ser. É ser em ótica.”
E vão ficando mais complexas e ousadas as respostas, quando se dá corda:
“Estudo dos signos imagéticos e discursos e sua interpretação pela psiquê e grupos sociais.”
“De forma simplista, o estudo dos signos. É um campo do conhecimento originário dos estudos da linguagem e linguística, que aprofunda estudos sobre processos de comunicação, signos, discursos, intenção e, atual e principalmente, produção de sentido.”
“Ciência da linguagem.”
“É o estudo dos signos e como eles afetam a sociedade.”
A memória coletiva foi bem eficiente — muito mais do que a minha — mas antes de seguirmos, acho bacana deixarmos claro do que se trata.
Para começo de conversa, é importante saber porque a semiótica existe como disciplina. A resposta mais recorrente é que a semiótica é o estudo formal dos signos — o que é a melhor maneira de não dizer nada, uma vez que já imagina que sabemos o que são os tais signos. Tentando quebrar o tabu e esse rigor acadêmico, podemos dizer que a semiótica é uma ciência que se ocupa do entendimento de como é gerado o sentido. Em outras palavras, a semiótica estuda justamente como duas pessoas podem falar de um mesmo assunto mas, devido a uma série de escolhas e referências, acabam passando impressões totalmente diferentes.
Essa ideia não é estranha para nós de UX — afinal de contas, passamos nossos dias fazendo escolhas para deixar claro o que as pessoas podem e devem fazer em uma interação. Trabalhando ao lado de designers visuais e redatores, notamos que um mesmo wireframe pode gerar resultados finais muito diferentes. Todas essas pequenas escolhas que fazemos ao criar algo usam os citados signos que os semiólogos amam tanto.
OK, mas então por que temos tanto medo?
Eu tenho algumas teorias sobre porque achamos semiótica esse bicho de sete cabeças.
- O método de ensino é caótico. Conversando com várias pessoas sobre o assunto, eu sei que a relutância vem, em grande parte, pelo método de ensino. As abordagens de análise normalmente empregadas — de forçar o entendimento por meio de convidar os alunos a analisarem alguma coisa usando a semiótica — varia de frustrante a desesperadora. O método de ensino deveria focar mais, provavelmente, na discussão da importância da criação de sentido, deixando o aprofundamento na teoria para iniciados cientificos e entusiastas.
- A terminologia semiótica não se “encaixa” com nenhuma outra. Sejamos francos — trabalhando em agências de propaganda ou portais ou empresas, chegar a um entendimento comum é um dos maiores desafios. Um marketeiro não fala a mesma língua que um desenvolvedor, e como UX conseguimos falar a mesma linguagem de designers visuais e redatores, mas em nenhum lugar da nossa vida profissional sobra espaço para falar de enunciação, de significante, de representamen — ainda mais quando, em alguns casos, existem palavras mais comuns que cumprem com a missão de forma igual.
- A semiótica não trabalha sozinha, mas vivem tentando nos convencer de que sim. Por mais que os acadêmicos se esforcem em traduzi-la em uma grande ciência, ela se apropria e dialoga com outras ciências — a psicologia, a sociologia, e assim por diante. E isso é ótimo, porque normalmente temos bagagem para criar uma análise. Mas ao tentar colocá-la como grande ordenadora de todos os possíveis campos de conhecimento, criamos uma resistência enorme ao assunto, e acabamos deixando de lado o real propósito de nos preocuparmos em semiótica.
- Tudo isso gera uma grande sensação de “por que estou aprendendo isso?” Um dos maiores problemas que temos ao aprender algo é ver sua aplicação prática. De fato, você nem consegue apresentar uma análise heurística com termos semióticos — mas a grande questão da semiótica não é criar a melhor monografia sobre o assunto, mas discutir como criamos o exato sentido que desejamos.
A dificuldade de entender semiótica já é um problema de semiótica — e de UX
Existe, então, uma grande dificuldade em criar sentido ao explicar que precisamos nos preocupar em como o sentido é criado. Além disso ser um paradoxo considerável, é a essência da angústia que levou Wurman a escrever Ansiedade da Informação, livro que é basicamente responsável pela existência do termo Arquitetura de Informação. Ordenar, rotular e criar mecanismos de entendimento dentro de um mundo de informação é a essência da nossa profissão — e é a essência da semiótica também. Não conseguimos projetar uma boa experiência sem termos bem claro o sentido que queremos criar.
Falar assim de maneira abstrata pode parecer um pouco forçar a barra — mas eu vejo todas nossas responsabilidades e nosso entregáveis como semióticos. Vamos pegar um exemplo, o Journey Map.
Fonte: UX Matters
Por que semiótico?
- O Journey Map busca explicar para todos envolvidos em um projeto o que acontece ao longo de uma interação, de forma que todos entendam o que acontece, o que deveria acontecer — e, no fim das contas, tenta influenciar a criação de algo.
- Ele realiza uma análise múltipla e interdisciplinar de uma experiência. O Journey Map sempre se esforça para traduzir uma coisa com todo arsenal disponível, seja design, tecnologia, psicologia — não importa, contanto que as pessoas compreendam o entregável final.
- Há muitos modelos de Journey Map, e nenhum é mais certo ou mais errado que o outro. Todos têm o mesmo objetivo final, e são mais ou menos adequados dentro do contexto em que são produzidos.
Parece algo que alguém que busca entender como o sentido é criado faria?
O começo de uma série
Esse artigo é o começo de uma série de posts falando sobre UX e semiótica. Ao longo de alguns posts, vou tentar explorar melhor como vejo a correlação entre nosso trabalho e a preocupação com semiótica. No percurso, vou explicar alguns conceitos — mas minha ideia é com certeza nos aproximar dos principais questionamentos que essa disciplina traz.
Na próxima, vou falar um pouco mais sobre porque precisamos compreender o usuário de um ponto de vista semiótico. :)