Precisamos falar sobre um (ou vários) elefantes na área de UX

Obviedades não tão óbvias assim para quem está começando.

Marianna Piacesi
UX Collective 🇧🇷

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A palavra UX é destacada na imagem com um elefante rosa por cima dela e um fundo roxo por trás.
Elefantinho encontrado no site The Noun Project e criado pelo Noah Camp

A área de design & UX, assim como muitas outras, é recheada de "oportunidades imperdíveis", "conteúdos gratuitos que no fim te indicam a pagar por um curso completo", “e-books com tudo que você precisa saber sobre a área deixando apenas seu e-mail” entre outros clichês que podem ser encontrados rapidamente nas principais redes sociais pra quem busca por conteúdos sobre o tema.

Também passou a ser comum surgirem muitas iniciativas / mentorias / comunidades / cursos onde projeta-se uma expectativa de orientar e facilitar os caminhos para se entrar na área de uma maneira rápida e indolor. Ou pior, aqueles que querem incentivar algo colaborativo e na prática promovem e reforçam apenas uma autopromoção. E é aí que mora o perigo.

Poucos percebem, mas existe uma linha tênue entre querer ajudar de fato e se autopromover buscando lucro e visibilidade. Uma coisa pode sim levar a outra naturalmente, mas não deveria ser uma motivação que venha a sobrepor o propósito principal de ajudar pessoas. E é perceptível o quanto muitos se perdem por conta disso.

Vou abordar um pouco sobre isso em cenários variados nesse artigo e, usando o conceito do elefante na sala, comentar sobre tópicos que as pessoas sabem que existem, mas que por algum motivo evitam falar sobre.

🐘 Elefante do overposting

Conteúdo x Qualidade

Conteúdos rasos e em excesso são uma boa forma de avaliar essa perda de propósito.

Pensa comigo:

Você precisa aprender mais sobre UX — será que você precisa esperar um conteúdo numa página X no Instagram falando sobre isso ou você pode ler um livro, buscar um artigo sobre, conversar com alguém da área e se informar?

Mesmo assim o que não falta são novos perfis que buscam seus likes, tempo e atenção indicando coisas básicas da área e repostados em layouts diferentes, fontes diversas e ordens variadas. Entenda: Não há problema em indicar conteúdos, quando fazemos uma curadoria estamos ajudando pessoas a encontrarem coisas que por algum motivo não estavam tão acessíveis assim em um primeiro momento. Mas criar conteúdos apenas por criar, postar só pra ganhar visualizações e se autopromover são coisas que vejo que a comunidade realmente não precisa.

Quem está começando busca por identificação, troca e sinceridade sobre a área.

Será que precisamos criar um novo conteúdo reciclado de diversos temas que já foram explorados e esgotados em design? O foco deveria ser na curadoria de conteúdos já existentes e não na obrigação de novos conteúdos diários.

E sim, entendo que sempre estamos incentivando as pessoas a gerar conteúdos para reforçar seus aprendizados, mas existem outras maneiras de fazer isso além de criar uma nova página no Instagram.

Busque por canais que indiquem conteúdos reais e com aplicações práticas. Com dicas originais e que realmente faça você pensar com outro ponto de vista sobre um mesmo tema.

Além de absorver conteúdos, outra coisa muito comum e importante pra quem está começando é avaliar possíveis investimentos de cursos na área.

🐘 Elefante do curso perfeito

Pergunte a si mesmo: Será que eu preciso de um curso novo?

Vejo muita gente iniciante na área que terminou um curso e já está pensando no próximo. Ou pior, ainda nem concluiu o plano de aulas/case proposto e já está avaliando quais os próximos da lista pra fazer. Não faça isso.

Se você chegou a investir em um curso, seja ele qual for, não deixe de absorver seu conteúdo ao máximo e praticar o que aprendeu. Legal, você fez um estudo de caso com base no curso, que era provavelmente o entregável / projeto de conclusão dele. E agora, fim? Não. Reveja os conteúdos, tente explorar de outra forma. E se fosse outro problema? E se não te dessem um problema? Na vida real na maioria das vezes não temos as coisas tão definidas assim.

Você precisa conseguir argumentar sobre as decisões que tomou na solução do seu estudo de caso, seu processo como um todo. Essas coisas você aprende conversando com outras pessoas, fazendo mentorias com quem já atua na área, fazendo entrevistas e aprendendo na garra que seu maior aliado nessa história é você.

Não estou dizendo pra deixar de investir em cursos, pelo contrário. Quando você já atua na área é natural querer se especializar em um tema específico ou querer saber mais sobre um assunto. Se você já conseguiu migrar e tem tempo e dinheiro pra investir em mais conhecimentos: se joga! Sempre vale a pena.

Mas se você entrou de paraquedas na área, ainda está dando os primeiros passos e já investiu em um curso introdutório (de fundamentos gerais), por que gastar mais dinheiro com outro curso que vai te dizer a mesma coisa com outras palavras? Se você sente que está perdido(a), busque por uma mentoria. Busque a comunidade pra te ajudar.

🐘 Elefante das promessas

Fuja da galinha dos ovos de ouro

Geralmente compramos um curso incentivados por promessas que em sua maioria não são verdadeiras. São coisas que, sem dúvida, queremos ouvir, como:

  • Consiga um emprego na área em menos de 3 meses;
  • Triplique seu salário e receba mais de 10k;
  • Se aplique em milhares de vagas disponíveis na área;

E infelizmente alguém precisa te dizer que isso não é verdade. É como se fossem várias letras miúdas com opacidade 3% e sobrepostas umas nas outras.

Sim, você pode conseguir um job muito rápido: por indicação de alguém da área / já tendo um portfólio bem trabalhado / tendo alguma experiência mínima prévia (voluntariado, freela, etc). Mas se você espera conseguir isso só terminando um curso e num período extremamente curto, a probabilidade disso acontecer é bem baixa.

Não, você não recebe mais de 10k com um cargo de júnior. Pesquise. A média no Glassdoor de um salário de UX Júnior é de R$3.331. Você pode ter a sorte (ou azar, dependendo do ponto de vista) de entrar em uma oportunidade já como pleno. É até algo bem comum, visto que muitas empresas buscam profissionais pleno/sênior/faz tudo. Com isso, terá mais responsabilidades e sim, o salário deverá ser maior do que uma média de iniciante. Porém, isso não significa que você vai triplicar seu salário atual ou que você vai se sentir realizado no seu trabalho.

Afinal, hoje acredito que um profissional da área de UI/UX deve ficar por volta de 3 a 6 meses em uma mesma empresa, no máximo 1 ano, estourando 2 (não estou me baseando necessariamente em dados, mas em percepções reais acompanhando meu ciclo de networking), ou seja, é muito comum a rotação voluntária de profissionais e a busca por algo melhor sempre fomenta essa galera. Por que será? Sempre vai depender do contexto da empresa, porte, cultura, localidade e diversas outras variáveis que vão afetar o salário, saúde mental e qualidade de vida como um todo. Não é uma receita de bolo que você compra um curso e sai rico e realizado.

Sim, existem milhares de vagas na área. Mas não necessariamente elas são pra pessoas iniciantes/em transição.

Posso te afirmar que a maioria não é.

Senão eu não precisaria criar iniciativas para apoiar, buscar e promover vagas júnior no mercado, algo que me dedico diariamente para tornar isso possível. E sempre me deparo com vagas extremamente escassas, onde muitas vezes parecem promover a inclusão de novos talentos na área e na prática exigem 2+ anos de experiência prévia, saber lidar com pressão, etc.

As entrelinhas ficaram mais visíveis agora?

🐘 Elefante da migração

Se inspire em fatos reais, não no faz de conta

Não devemos buscar a área de design/UX pelo simples fato de estarmos frustrados com nossa área anterior de atuação. Sim, uma frustração pode nos incentivar a buscar por algo melhor e abrir nossos olhos sobre oportunidades mais relevantes. Mas lembre-se, a grama do vizinho nem sempre é mais verde.

Toda área tem seus problemas e quem vende a migração de carreira como o fim de todos esses problemas provavelmente só está querendo lucrar em cima da sua esperança. É até meio pesado quando falamos dessa forma, mas no fim é isso mesmo.

Por que exageram em expectativas e promessas? Porque muitas pessoas acreditam, compram e aceitam.

Precisamos reforçar o quanto tudo isso é inaceitável, mesquinho e só faz com que a área se perca, as pessoas se frustrem e os profissionais desistam. Ao ver algo que não é verdadeiro, não devemos ficar em silêncio, deixar passar, achar que não é nada. É necessário falar e reforçar o posicionamento sempre. Não podemos mais deixar o elefante escondido na sala.

🐘 Elefante da parceria

Busque por iniciativas que promovam troca (e não lucro)

Você, profissional iniciante, é um potencial refém da bolha de UX e de todos que buscam fazer você entrar nela de um jeito ou de outro. Você pode ser só mais um lead ou uma meta a ser alcançada pra muitos. Por isso é importante saber contornar isso sem se deixar levar com promessas falsas de carreira e vendas de coisas que você provavelmente não precisa.

Quando você for apresentado a uma nova iniciativa e/ou comunidade, certifique-se de procurar saber mais sobre:

  • Seu propósito: o que ela tem a oferecer e como espera contribuir.
    Busque por comunidades que tenham um propósito bem claro e representatividade.
  • Seus valores: o que ela acredita e a frequência com que se posiciona.
    Busque por iniciativas que se posicionem constantemente.
  • Suas intenções: o que de fato ela promove e se o foco é troca ou lucro.
    Busque por comunidades que sejam abertas e estejam dispostas a compartilhar conhecimento sem exigir pagamentos pra ouvir algo até o final. Comunidades, por exemplo, buscam apoio coletivo pra se manterem ativas e não clientes/potenciais leads.
  • Suas ações: o que ela faz de diferente e como isso se aplica na prática;
    Busque por iniciativas que tragam ações que realmente impactem o mercado como um todo e reforcem todos os pontos acima.

E sim, você pode aproveitar e absorver conteúdos gratuitos de quem não condiz exatamente com todos os pontos mencionados (como marcas, empresas, perfis de profissionais da área, etc). A regra é só não se deixar levar por eles. Saiba diferenciar:

  • Uma marca querendo vender algo pra você versus
    uma comunidade querendo um apoio pra se manter ativa.
  • Uma empresa promovendo um conteúdo pago versus
    uma iniciativa indicando um conteúdo de forma acessível.
  • Um curso dando aula gratuita como trial pra conseguir seu lead versus
    uma pessoa dando mentoria gratuita pra ajudar quem precisa.

Pronto, já identificamos o elefante.

Já podem levar ele pra bem longe 🐘👋

Valeu por ler até aqui. Você me deixa feliz compartilhando esse conteúdo com quem precisa e escrevendo tua opinião sobre esse tema também. Bora? ;)

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