Product Discovery: Desbravando o Interior do Amazonas para Melhorar o Produto
Definindo estratégias para um banco digital.

Em fevereiro de 2021 comecei minha jornada como Designer de produto na Bemol Digital desenvolvendo soluções para serviços financeiros. De lá pra cá muitas coisas aconteceram: testes de usabilidade, desenvolvimento de fluxos, co-criações, design critiques e pesquisas de campo. Mas foi no início de setembro que fui convidado para ir ao interior do Amazonas realizar um Product Discovery com o objetivo de captar insumos para melhorar nosso produto.
E adivinha? A cidade para a qual eu estava indo era Parintins. Logo eu, parintinense da gema e torcedor do Caprichoso doente, finalmente fui visitar minha casa para então trazer soluções ao meu povo. Neste post, irei narrar como foi o processo de descoberta, quais métodos foram utilizados e também mostrarei um pouquinho da minha cidade natal. Então vamos logo começar esse mix de design e nostalgia.
Contexto

A Bemol é uma das maiores varejistas do Amazonas, conhecidíssima na região norte e agora está em seu processo de digitalização. Um de seus produtos é a Conta Bemol, e trata-se de um banco digital onde os clientes poderão realizar transações tradicionais como transferências, depósitos e pix, como também atividades exclusivas como pagar parcelas da Bemol e ganhar pontos de bônus para obter desconto nas lojas. O produto será lançado em breve e no momento estamos trabalhando para que você possa usufruir da melhor experiência.
Entendemos que para lançar um produto é necessário primeiramente entender a realidade do público a qual se destina, o contexto que estão inseridos e que adaptações precisam ser feitas para conseguirmos aceitação. A Bemol possui várias lojas no interior do estado, ou seja, muitos de nossos clientes estão longe da capital (Manaus). Neste sentido, nada melhor do que ir a campo e sentir de perto o calor dessa gente.

Nosso destino foi Parintins, uma ilha no interior do Amazonas com mais ou menos 114 mil habitantes, a cidade é muito conhecida por sua cultura e pelo seu festival folclórico, onde os bois Caprichoso e Garantido realizam apresentações pelo título de Campeão no último final de semana de Junho.
Considerando que já existe um relacionamento da Bemol com os clientes do município de Parintins, esta pesquisa parte da ideia de entender como é esse relacionamento hoje, para então estabelecer potenciais caminhos e possibilidades para a inserção do banco digital. Logo, o objetivo norteador nesse processo de descoberta foi: Conhecer a realidade do município de Parintins e identificar estratégias para inserir a Conta Bemol nesta localidade.
Dados da Viagem

Nossa ida foi no dia 08 de Setembro de 2021 e retorno no dia 09. É isso mesmo, tivemos apenas um dia para coletar dados em campo. Porém, já sabíamos das circunstâncias e nos preparamos para o contexto de guerrilha.
Quem viajou: o gerente de soluções e negócios digitais, duas pessoas trainee, uma analista de dados, a head da Conta e um product designer, que no caso é quem vos escreve.
Product Discovery, mas o que é isso?
Para você que chegou agora, Product Discovery é o nome da etapa inicial do processo de design, onde o profissional designer está buscando entendimento sobre o produto que está trabalhando. A figura a seguir ilustra essa abordagem com clareza através da metodologia do diamante duplo fundamentada pelo Design Council:

O primeiro diamante ajuda as pessoas a compreender, em vez de simplesmente presumir qual é o problema. Envolve falar e passar tempo com as pessoas afetadas pelos problemas.
Design Council, 2019.
Esta etapa é o momento de ir a campo e nos colocarmos no lugar dos usuários que irão utilizar o produto, entender seus problemas, o contexto em que vivem, suas frustrações e anseios. Portanto, empatia é um valor que deve ser premissa para qualquer designer, e na minha opinião para qualquer ser humano.
Se você vai a um médico buscando tratamento e ele afirma que você precisa operar, sem ao menos te pedir alguns exames, você confiaria nesse profissional e seguiria com a operação? Provavelmente não, certo?
Como UX designers, nossa forma de examinar os “pacientes” e entendermos quais problemas estão causando dor é justamente através do Product Discovery.
Felipe Barreto, 2017.
Para conseguirmos esse diagnóstico, contamos com um arsenal de técnicas advindos de abordagens super difundidas no mercado, como: Design Thinking, Service Design e Google Design Sprint. Se quiser saber mais sobre algumas dessas técnicas, vou deixar esse artigo pra você ficar por dentro. Neste post, irei ressaltar apenas as técnicas que utilizei para este Discovery em especial.
Como nossa pesquisa teve o caráter de guerrilha, tracei uma estratégia junto de meus colegas designers para conseguirmos as informações que gostaríamos de captar no pouco tempo que tínhamos. As técnicas que definimos para a descoberta foram: Shadowing e Entrevista contextual.
Shadowing
O Shadowing é uma técnica que envolve uma imersão dos pesquisadores na vida das pessoas, no pessoal de atendimento e funcionários de retaguarda, para observar seu comportamento e experiências.
STICKDORN, Marc; SCHNEIDER, Jakob. 2014.
O nome da técnica "Shadowing" que vem do inglês "sombreamento", não recebe esse nome atoa, pois consiste do pesquisador agir como uma sombra do usuário, atuando como um observador de seu comportamento. E como que executamos essa técnica em Parintins?

A Bemol em Parintins possui um stand localizado no supermercado Baranda no centro da cidade e conta com um atendente trabalhando em horário comercial. Também contamos com um de nossos tradicionais caminhões para realizar entregas de produtos. Por enquanto ainda não existe uma loja física 🙊.
O Stand é bem movimentado, segundo o atendente, temos uma média entre 30 a 40 clientes sendo atendidos por dia. É um número alto para uma cidade que ainda não conta com uma de nossas lojas físicas.
Mas voltando à nossa questão: Como executamos o Shadowing?
Passamos uma manhã no stand, conhecemos nossos caminhoneiros, a infraestrutura do local, e quando a movimentação da clientela começou, percebi que era o momento certo de começar a execução da técnica.

Na figura, temos o nosso atendente auxiliando nossos clientes e mais a esquerda vocês devem estar enxergando o rapazinho de azul, com máscara preta, celular na mão, olhos e ouvidos atentos no que os clientes estavam falando.
Neste momento eu estava documentando tudo o que ouvia no bloco de notas do meu celular. Tentei agir como uma sombra do cliente, aplicando o "efeito observador", ou seja, tentando ser o mais discreto possível para que de nenhuma forma eu pudesse exercer influência em seus comportamentos.
Dessa forma foi possível entender mais das peculiaridades de nosso público-alvo, compreender seus principais comportamentos e captar o não-dito.
Nesta manhã, consegui observar 15 clientes entre jovens, adultos e idosos. Deixei os dados salvos em meu celular para que futuramente pudesse analisá-los com calma.
Entrevista contextual
Quando o movimento no stand ficou mais calmo, aproveitamos para realizar a outra etapa do Discovery, a entrevista contextual.
Entrevistas contextuais são conduzidas no ambiente ou contexto em que ocorre o processo do serviço em questão. Essa técnica etnográfica permite que os entrevistadores observem e investiguem o comportamento no qual estão interessados.
STICKDORN, Marc; SCHNEIDER, Jakob. 2014.

Decidimos entrevistar apenas o atendente devido o pouco tempo que tínhamos. Por entender que ele é uma pessoa que tem convivido diariamente com nossos clientes do interior, ele poderia nos repassar informações valiosas.
Em nosso roteiro preparamos perguntas como:
- Quais serviços podem e não podem ser realizados no stand?
- Qual serviço é o mais solicitado?
- Como os clientes costumam pagar suas contas da Bemol?
- Qual a frequência de visitas no stand?, e
- Se nossos clientes costumam usar bancos digitais.
Para a entrevista, utilizei o gravador do meu celular para que eu pudesse me concentrar unicamente no entrevistado sem me preocupar em transcrever. A ideia era aproveitar o face-to-face para extrair tudo que fosse possível. Ao final da manhã, eu estava abastecido de informações para tabular e analisar. Mas antes disso, precisei repor as energias em um almoço delicioso na orla da cidade com uma vista pro rio Amazonas.

Rio Amazonas, teu cenário é uma beleza
A natureza chega até se admirarEmerson Maia (in memorian), 1993.

Também não posso deixar de citar que passeamos pelo centro da cidade para verificar possíveis concorrentes, quais bancos estavam funcionando, como era a movimentação do comércio e demais nuances que poderiam se tornar insights.
É sempre um prazer apresentar minha cidade para meus colegas, o mais engraçado é a forma como eles ficam espantados com a rivalidade dos bois. E isso ficou claro quando avistaram a marca do Bradesco nas versões vermelha e azul, como também das lojas Americanas, e pra finalizar com chave de ouro até o nosso tradicional caminhão azul tem uma versão parintinense nas cores dos bumbás Caprichoso e Garantido.

Depois de um dia corrido, retornamos a Manaus pela noite. Aproveitei o dia seguinte, quando tudo ainda estava fresquinho na cabeça para tabular os dados. Existem maneiras de fazer isso, alguns utilizam um board no Miro, mas eu acabei optando pelo velho e bom Excel. Após a tabulação, compartilhei o documento com o time para que todos tivessem acesso e pudéssemos gerar nossos insights de forma colaborativa.
Os insights
Nossos insights foram gerados a partir da análise das informações feita por alguns dos membros da viagem. Ao final, conseguimos compilar tudo o que foi apontado e geramos um pacote valioso de percepções:
- Percebemos que os clientes ainda não confiam na tecnologia, a cultura de ir na lotérica pagar uma conta em dinheiro é muito forte;
- Os bancos digitais ainda não estão disseminados em Parintins. Os clientes costumam usar os bancos que estão na cidade. A prefeitura e o governo tem parceria com Bradesco, então este é o banco com maior número de clientes;
- A população mostrou estar muito ansiosa para a chegada de uma loja física. Muitas pessoas no stand e na rua nos perguntavam: “Quando vai abrir uma Bemol aqui?”;
- Detectamos um perfil padrão na maioria dos clientes observados. Como principais características percebidas desse perfil, podemos citar: é um cliente mais tradicional, tem dificuldades com a tecnologia, é desconfiado e normalmente é adulto ou idoso;
- Muitas marcas se adaptam à rivalidade dos bois da cidade. Americanas, Bradesco e Coca-Cola, por exemplo, tem versões de suas marcas azul e vermelho. Isso poderá impactar nosso branding.
- A cidade possui muitos estabelecimentos que oferecem serviços de empréstimo e crediário;
- As máquinas de cartão já são muito populares nos grandes e pequenos estabelecimentos.
Enfim, todas essas percepções trouxeram um novo olhar para a forma como estamos desenvolvendo o nosso produto, devido nosso público ainda não ter tanta afinidade com produtos digitais, precisamos tomar um cuidado dobrado na hora de nos comunicarmos e atendê-los. O fato de que os bancos digitais ainda não são populares no município abre uma janela de oportunidades para um processo de evangelização, será a chance de fidelizá-los com a Conta Bemol. Devido o stand já ser um ponto conhecido para a resolução de problemas de nossos clientes, podemos aproveitá-lo para realizar o onboarding, tirar dúvidas da população e promover nosso produto.
Pois bem, este post tem um intuito de mostrar muito mais o processo de descoberta do que resultados aplicados. Até porque ainda não lançamos a Conta Bemol e ainda não podemos dizer se as estratégias adotadas após essa pesquisa deram certo. A conclusão que tiro até aqui é que ir a campo conhecer de perto os problemas das pessoas molda um caminho mais assertivo para as tomadas de decisão sobre o negócio e estratégias de UX. Quanto as implementações dessas estratégias, isso é conteúdo para um post futuro, assim que lançarmos nosso produto, conseguirmos métricas e conclusões prometo compartilhar com vocês. Me cobrem 😜
Reflexão final
Ir a campo conhecer o usuário é essencial, ir a campo conhecer ainda mais seu povo é reviver bons momentos. A experiência de imergir em um local onde habitam nossas raízes, sentimentos, sabores, amores, histórias e dores é sem dúvida uma sensação de nostalgia. Caminhando pelas ruas de Parintins pude rever e cumprimentar muitas pessoas, e meus colegas até ficavam me perguntando se eu já fui político. Pois bem, nunca fui, mas Parintins é uma cidade pequena, hospitaleira e com 17 anos de morada não tem como não conhecer tanta gente incrível. Em Parintins, só tem artista, histórias pra contar, pavulagem e boi-bumbá. Por falar nisso, a equipe também escolheu seu boi, e adivinhem qual foi?

Aos designers que estão por aqui, espero ter contribuído sobre a etapa de descoberta através dessa experiência, obrigado por ler. Vão desculpando toda a minha empolgação com minha cidade 💙
Até a próxima!
Referências
https://www.festivaldeparintins.com.br
STICKDORN, Marc; SCHNEIDER, Jakob. Isto é design thinking de serviços: fundamentos, ferramentas, casos. Bookman Editora, 2014.
