Quando o emoji ‘sparkle’ virou sinônimo de IA? ✨
Uma investigação sobre o brilhinho versus features de IA e o que querem dizer as representações de emojis nas interfaces atuais.

Analisador de risco contratual vai, bot criador de documentos vem. Eventualmente, tive que exercer meu papel de PM e perguntar:
“Qual padrão vamos usar para indicar que tá rolando uma IA boa demais da conta em alguma funcionalidade?”
O Pedro Ivo de Menezes, designer de respeito, sacou logo um sparkle ✨ em posição de ataque, afinal é assim que todo mundo tá usando. Correto e justo. Sparkle it is.
Meses depois, tava eu no carnaval de salvador às 4 da manhã & ébria graças a deus, me aparece um cidadão com essa tatuagem:
Eu, prontamente, o apelidei de Gepetinho, gravei um vídeo da tatuagem dele e mandei pro meu chefe (desculpa Gabriel Bernardi) tirei sarro disso a noite toda, achando o máximo e — na manhã seguinte, jurei nunca mais beber. Claro.
Mas o que interessa para esse post é que desde meu amigo Gepetinho, tenho pensado pensamentos: quem decretou que IA deve ser representada por um brilho? O que faz com que um emoji signifique outras coisas além das coisas óbvias criadas para significar?
A quem interessar possa, eis tentativas de resposta.
Pergunta 1
Quem decretou que IA deve ser representada por um brilho?
Se tem uma coisa que a internet adora fazer é pegar um símbolo inocente e dar um novo significado a ele. O sparkle, no entanto, é um caso curioso porque veio para resolver uma ausência: faltava um jeito de dizer “isso aqui usa IA” sem escrever explicitamente.
Pesquisando para escrever esse texto, achei esse artigo aqui que se propõe a traçar uma timeline do sparkle.
Segundo ele, o brilho fez seu primeiro impacto na década de 1950 em anúncios e na televisão, representando algo novo e excitante, como um enfeite visual para a magia da Disney.
Depois, em 1999, nasceu o primeiro conjunto de 176 emojis para a principal operadora de telefonia móvel do Japão, a DOCOMO. Como parte desta coleção, o ✨ veio para lembrar a poeira estelar dos mangás.
Então o brilho não nasceu IA-first — até porque IA nem existia quando ele nasceu — mas sempre foi usado para indicar algo espacial-especial.
Aí nosso querido foi engatinhando: no Twitter, a busca avançada era marcada com ele. O TikTok e o Instagram o usavam para filtros e edições de fotos. De alguma forma, o emoji de brilho sempre esteve associado a um toque extra, uma espécie de aprimoramento discreto.
Mas foi com o boom da IA generativa que o brilhinho virou gente, produtos como o ChatGPT começaram a sinalizar recursos com o sparkle, e o mercado seguiu o fluxo. Agora a gente já sabe que se um botão tem ✨, ele provavelmente faz algo “inteligente”.
Jane Solomon, lexicógrafa sênior de emojis acredita que:
o uso de brilhos é uma maneira de fazer com que novos recursos que os usuários podem não entender pareçam mais “mágicos” e menos ameaçadores para aqueles que podem não ser fãs de IA.
Ou seja, nada nasce de um símbolo: a transição para o significado “recursos impulsionados por IA” ocorreu de maneira quase natural.
- Inicialmente, ✨ era um ícone de algo brilhante.
- Depois, tornou-se um índice, remetendo à “melhoria”, “novidade” e “toque especial” nas interfaces digitais.
- Agora, funciona como um símbolo de IA, não porque tenha uma ligação direta com inteligência artificial, mas porque as convenções sociais e mercadológicas o consolidaram nesse papel.
Além disso, essa escolha segue um raciocínio pragmático mercadológico, pois foi adotada massivamente por big techs e produtos de IA generativa (OpenAI, Microsoft, Adobe, Google, entre outros). Essa massificação eliminou a necessidade de explicar o ícone — ele já “fala por si só” no contexto digital.
O que nos leva à segunda pergunta.
Pergunta 2
O que faz com que um emoji signifique outras coisas além das coisas óbvias que foi criado para significar?
Além do fenômeno mercadológico, o significado de um emoji pode ir além do seu design original por alguns motivos, dentre eles:
1. Contexto e apropriação cultural
Emojis não têm significado fixo; eles são interpretados com base no contexto onde aparecem. A internet, sendo esse grande caldeirão de significados flutuantes, permite que certos grupos passem a usar um emoji de maneira diferente, criando novas associações. Exemplo: O 🍑 e a 🍆 originalmente representavam frutas e vegetais, mas foram ressignificados para conotações mais… anatômicas.
2. Eficiência na comunicação digital
Como os emojis são usados para substituir ou complementar palavras, algumas escolhas são feitas com base na simplicidade e no impacto visual. Isso leva a adaptações inesperadas. Exemplo: O 🔥 passou a substituir a palavra chama e agora você usa para dar em cima de alguém nos stories que eu sei.
3. Memes
Uma vez que um emoji começa a ser usado de forma inusitada por um número suficiente de pessoas, a internet rapidamente o adota e transforma em um padrão informal. O 🤡 virou “ser trouxa” e o Olavo, bom 💀.
No livro Because Internet, de Gretchen McCulloch, a autora discute como símbolos e emojis são absorvidos pela cultura digital e como esse processo é impulsionado pelo pragmatismo: usamos o que já é reconhecível para evitar fricção cognitiva.
Calma, eu vou explicar:
Eu nem precisei pesquisar para entender essa parte (milagre) porque sou PM, mas Letras Vernáculas é minha formação acadêmica. Então, esse trecho da McCulloch me lembrou as aulas de linguística da faculdade, quando aprendi sobre as teorias da cognição distribuída e da economia cognitiva, que falam sobre como o cérebro humano otimiza seus processos para reduzir esforço mental.
Assim nasce o conceito de fricção cognitiva: o esforço adicional necessário para compreender algo novo ou ambíguo. E, convenhamos, nenhuma empresa quer que as pessoas encontrem dificuldade para entender nada novo que elas sugerem.
Pois é, essa tal de ficção é uma palavrinha já conhecida dos web analytics da vida… a gente sabe que quanto maior a fricção, maior a resistência à adoção.
Emojis, como qualquer outro signo linguístico, funcionam em um sistema de significação culturalmente mediado.
Variação emojística
Como uma pessoa das letras, esse assunto me deixa intrigada… se todo mundo usa o sparkle para IA, o usuário médio realmente percebe essa diferença? Ou será que ele simplesmente aprende a ignorar o ícone, assumindo que qualquer coisa com faíscas é “mágica” sem entender exatamente o que está acontecendo?
Além disso, ao consolidar uma coisa só para esse significado, estamos lidando com um problema de acessibilidade simbólica. Para quem não está tão imerso nesse código visual, um sparkle pode significar qualquer coisa — desde uma melhoria estética até um efeito animado qualquer. Em outras palavras, há um ruído na comunicação. Será que não estamos apenas reproduzindo um padrão sem considerar se ele comunica realmente o que queremos dizer?
Com esse tanto de pergunta na cabeça, perguntei pro ChatGPT:
“Se fôssemos romper com a hegemonia do sparkle nas ferramentas IA, que outros emojis poderíamos usar?”
Eis as respostas:
- 🤖 (o robô, óbvio, mas talvez óbvio demais)
- 🧠 (cérebro, mas IA e cérebro humano são coisas bem diferentes…)
- ⚡ (raio, pelo dinamismo, mas será que não remete mais à eletricidade ou drogas?)
- 🌀 (redemoinho, pelo efeito de processamento, mas pode parecer um emoji de lavagem de roupa)
- 🔮 (bola de cristal, eu gosto desse, que tem aquele ar de “magia tecnológica mística”)
Se a IA tivesse sido simbolizada por um ⚡, será que a conversa seria diferente? Será que estaríamos agora questionando se ‘inteligência artificial’ e ‘energia elétrica’ são metáforas equivalentes? Ou se tivéssemos ido para o 🔮, IA teria uma pegada mais mística, mais oracular, quase um ‘futuro premonitório’ em vez de ‘futuro tecnológico’
Ou, quem sabe, poderíamos simplesmente criar uma nova iconografia para IA, em vez de pegar um emoji emprestado e torcer para que faça sentido. Algumas empresas fizeram isso:
Mas, sejamos realistas: criar um novo símbolo e fazê-lo pegar no mercado é quase tão difícil quanto criar uma IA do zero. Então seguimos com o sparkle, porque o pragmatismo também faz parte do jogo.
No fim, seguimos com o sparkle para indicar nossas ferramentas inteligentes na ZapSign, mas não sem refletir sobre como chegamos a essa escolha. Afinal, as escolhas simbólicas que fazemos dizem tanto sobre a tecnologia quanto sobre nossa percepção dela.