Recrutar para UX é difícil. Será?

Flávio Araújo
UX Collective 🇧🇷
6 min readApr 12, 2017

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O Bruno Canato escreveu um texto bacana sobre processo seletivo para vagas de UX. No entanto, eu gostaria de destacar alguns outros fatores.

Creio que a dificuldade se dá por uma série de outras questões e que estas questões não estão restritas ao mundo de UX.

Temos que ter em mente que os processos seletivos não são mais uma questão unilateral, e sim, bilateral, ou seja, você entrevista um candidato a uma vaga de trabalho para sua empresa e a pessoa entrevista uma empresa candidata a te-la como funcionário.

Com base nisso e em alguma experiência ajudando a moderar um grupo de vagas de UX no Facebook já há uns 3 anos, posso destacar aqui algumas coisas, como:

1 — Nossa comunidade de UX ainda é pequena

E por maior que seja hoje em dia, ela ainda é um grupo pequeno. Logo, muitos de nós conhecemos muitas pessoas que já passaram por outras empresas e a fama das empresas circula rapidamente por ai, tanto quanto sendo uma empresa super legal em que todos querem ir trabalhar e também o inverso, empresas onde só os desavisados vão trabalhar.

2 — Filtro de candidatos e descrição das vagas

A maioria das vagas que vejo publicadas no UX Jobs são mais ou menos assim:

Precisamos de UX para trabalhar na Empresa Y.
Interessados encaminhar cv para cv@empresa.com.

Se o recrutador divulga uma vaga assim, vai receber de tudo, desde CV de estagiários até diretores :P

3 — Vagas sem “bom senso

Muitos pedem que o candidato saiba um milhão de softwares, frameworks, etc etc etc quando a vaga é de JR, e sendo que no dia a dia o que a pessoa vai fazer de fato é pilotar o Axure e somente PILOTAR O AXURE.

Então para que pedir candidatos com dominio de photoshop, ilustrator, sketch, invision …?

Outro exemplo: Se a pessoa vai trabalhar apenas com plataforma desktop por assim dizer, para que exigir que a pessoa conheça todos os guidelines de iOS e Android?

As vagas tem que ter um descritivo coeso, com começo, meio e fim. É uma historinha que temos que contar.

EX: http://rhconteudo.com.br/dicas-valiosas-para-elaborar-um-anuncio-de-vaga-de-emprego/

4 — Portfolio

De modo geral e simplista eu diria: não estamos mais nos anos 2000 onde basicamente trabalhávamos construindo sites institucionais e portais de conteúdo que em algum momento seriam publicados por ai e qualquer um podia acessar a qualquer momento.

Eu mesmo (e já adianto que meu caso não é o caso de todo mundo e nem uma regra), desde 2013 tenho trabalhado com Produtos e muitos deles de uso interno das empresas, logo não são acessíveis ao público. E desde agosto de 2016 tenho trabalhado apenas com bancos.

Eu não posso simplesmente sair por ai mandando um PDF ou publicar num site mostrando as coisas que fiz. Há acordos e contratos confidencialidade pesados nesses casos e eu não arriscaria meu pescoço nesse sentido

Logo, o recrutador também tem que (se quiser obviamente) entender que ele tem que criar outros métodos para “atestar” a experiência profissional do candidato. Se ele acredita que um candidato vale a pena, mas não pode divulgar os últimos trabalhos, então entendo eu que devemos criar alternativas para fazer essa avaliação e não dependermos apenas do portifolio.

Leia mais sobre o assunto aqui no uxdesign.cc:

5 — Remuneração e benefícios

Não é raro os casos que empresas e consultorias de RH ligaram para mim e também para diversos amigos dizendo que

“Amamos seu CV, creio que você é o candidato ideal para nós. Mas vamos te oferecer as mesmas tarefas diárias que você já executa hoje e vamos te pagar um salário menor ou igual ao que você tem hoje. Você topa?"

Então se você tem uma vaga de Pleno, provavelmente você vai ter que pegar um pessoa JR que está no mercado, pois dessa forma você consegue oferecer mais para essa pessoa. Novamente quero dizer que isso não é regra, mas enfim, deu pra entender a ideia, certo ;)?

Salário não é tudo. Uma pessoa pode aceitar trabalhar em outra empresa, com mesmo cargo, mesmo salário mas que terá um desafio diferente.

Por exemplo, se uma oferta de vaga é para trabalhar full time com mobile e a pessoa nunca trabalhou com isso (full time rs), talvez o desafio de trabalhar com uma coisa nova seja interessante e seja o ponto de decisão para a pessoa mudar de empresa para ganhar a mesma coisa, ter o mesmo cargo, mas exercer atividades diferentes.

E nesse sentido aqui vale um aviso: Não vale dizer que a pessoa vai fazer um trabalho focado em XYZ sendo que você já sabe que o que ela fará no dia a dia é ABC. Em suma, não vale fazer propaganda enganosa para atrair candidatos. Se a empresa está adotando essas táticas, é sinal que as coisas não estão bem estruturadas.

Mudar de empresa também envolve uma série de fatores que os candidatos levam em consideração, como distancia de casa, ambiente de trabalho da empresa, tamanho do time (se houver um), etc.

6 — Despreparo dos recrutadores, pessoas de RH e Consultorias de RH

Claro que não me refiro a todos e, novamente, isso não é regra. No entanto, há muitos profissionais despreparados nesse sentido.

Apenas para ilustrar: uma vez uma consultoria de RH dessas relativamente grandes e famosas me ligou me oferecendo uma vaga e de cara já disse todos os benefícios e remunerações e que conclui que eram bem superiores aos que eu tinha à época e eis que a recrutadorame pergunta: Te interessa?

Eu obviamente disse que sim. Nesse momento a pessoa da consultoria me diz:

Fico preocupada com o fato de que você já queira trocar de empresa em tão pouco tempo.

Eu tive que nesse momento delicadamente lembrá-la que foi ELA quem me caçou no Linkedin e que foi ela quem me fez uma oferta de trabalho e não eu que me candidatei a uma vaga na empresa dela. Logo, não faz o menor sentido nesse caso um comentário/atitude dessas. Agora, se uma consultoria de RH que é referencia no mercado faz umas barbeiragens dessas, o que esperar das demais?

7 — Os testes práticos

Já vi pessoas com mais de 10 anos de experiência na área e extremamente competentes e reconhecidas no mercado, que já haviam sido coordenadores e gestores de times de UX participarem de processos seletivos onde pediram para essas pessoas fazerem um teste no Axure

"só para entender seu modo de pensar".

Parece que isso virou até um template, pois novamente, já ví muito disso acontecer e muitos amigos e colegas já passaram por isso. Novamente, creio que falta bom senso nesses casos e que devemos adequar o “teste” para cada nível de vaga.

Talvez isso faça muito sentido para um estagiário, JR ou Pleno, mas para um pessoa que vai ocupar um cargo de gestão? Não sei, tenho minhas dúvidas, talvez seja algo para maior reflexão não apenas da minha parte mas de toda nossa comunidade.

Além disso, temos os famosos testes que são aplicados nos próprios produtos das empresas ou de seus clientes, nos casos das consultorias.

“Tenho um fluxo aqui de uma tarefa X e eu gostaria que você melhorasse a experiência do usuário nessa tarefa, só para entender seu modo de pensar”

Minha opinião: Esse tipo de teste é no mínimo antiético.

Se você quer realmente “só entender o modo de pensar” de um candidato, peça para ele avaliar qualquer coisa que esteja por ai, um site, um produto, um app, tanto faz, mas não peça para avaliar o produto da sua empresa ou do seu cliente.

8 — Finalizando

Como eu disse no começo do texto, os processos seletivos são uma via de mão dupla, você entrevista um candidato e a pessoa entrevista — ou avalia se assim preferir — você e a empresa que você representa. Logo você pode decidir por seguir ou não com o candidato, assim como ele pode ou não decidir ir em frente com você e sua empresa.

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