Reflexões sobre hábitos e mudanças de comportamento
Inspirado no livro “Hábitos Atômicos” de James Clear.
Esse texto é uma pequena reflexão sobre o que envolve o comportamento humano com base no que é apresentado no livro “Hábitos Atômicos” de James Clear e alguns exemplos de estudos clássicos sobre Behaviorismo.
Dica: Se quiser ir direto ao ponto pode pular a introdução. :)
Toda virada de ano é aquela velha história…
Esse ano quero ser um milionário, viajar para 6 países, ter um Tesla e comprar uma ilha…
Exageros a parte, a questão é que frequentemente fazemos muitos planos pro ano que chega, sempre de olho no resultado mas raramente ligados a um olhar para dentro e para aquilo que gostaríamos de melhorar em nós mesmos ou que desejamos nos tornar, para além das aparências, para além das conquistas. Estou falando de identidade.
Pois bem, nesse meio tempo eu também sempre estive de olho nas minhas metas, raramente conseguindo cumprir ao menos metade das que planejei e muitas vezes me frustrando e me sentindo cada vez mais incapaz a cada nova derrota.
Foi quando acabei me deparando com um livro que acabou explodindo minha cabeça a ponto de eu decidir que eu precisava escrever algo sobre. Não que eu ache que escrevendo eu possa contribuir mais do que o próprio autor no livro, mas só porque talvez eu consiga de alguma forma incentivar alguém a também lê-lo.
Lendo isso, talvez você possa pensar que hoje sou um ser totalmente realizado e que conquistou tudo ou muito do que queria a partir de uma mera leitura desse livro.
Definitivamente não! Mas posso dizer que abriu a minha mente para enxergar de uma forma mais tangível e concreta a nossa relação com os hábitos que nos cercam, nos moldam e consequentemente sobre minha capacidade de realizar as tais mudanças que almejo.
Acabei agregando um pouco de outros estudos perspectivas a respeito pois me pareceram pertinentes no contexto, mas o ponto de partida inicial foi mesmo o livro Hábitos Atômicos, de James Clear
As 3 principais camadas do comportamento
Segundo o que James Clear sugere em seu livro “Hábitos Atômicos”, existem 3 principais camadas da mudança de comportamento que, seguindo uma ordem que as pessoas mais se importam para a que elas menos se importam, seria a camada dos resultados, a camada dos processos e a da identidade.
A camada mais comum é a dos resultados, que está ligada com uma preocupação ou intenção de se mudar os resultados que estão normalmente ligados a conquistas: ser promovido(a), ganhar uma competição, perder peso, etc.
A camada dos processos é a camada que está mais diretamente ligada aos nossos hábitos, ou seja, àquilo que desejamos passar a fazer ou deixar de fazer frequentemente: ler mais, beber mais água, se alimentar melhor, ir malhar, etc.
E a camada menos óbvia é a da identidade, que tem ligação com como você se enxerga, se projeta, como enxerga o mundo ao seu redor, seu julgamento sobre você, os outros e no que você acredita.
Segundo ele, a diferença entre o que normalmente ocorre quando se tenta criar determinado hábito baseado no resultado para quando se baseia na identidade, é que ao invés de você focar no que você quer atingir você passa a focar naquilo que deseja se tornar e de cara isso sugere uma diferença grande sobre o impacto de cada uma dessas perspectivas.
Para começar, se você foca em um resultado, a partir do momento que você alcançar essa meta, pode deixar de fazer sentido para o seu cérebro manter o foco e energia de antes.
O outro lado dessa mesma moeda é que quando você foca no resultado você sempre estará no dilema do sucesso ou fracasso, ou seja, ou você atinge a meta com sucesso ou você passa a se sentir um fracasso caso não consiga atingi-la, e o impacto na sua motivação pode ser devastador a ponto de te levar a se questionar cada vez mais sobre a sua capacidade de conseguir realizar mudanças que deseja na sua vida.
Já quando você tem o foco na mudança de identidade, naturalmente isso não ocorre, pois o seu foco está sendo em se tornar alguém que deseja e não simplesmente chegar até uma linha de chegada. E nós sempre teremos a condição de mudar aquilo ou parte daquilo que somos pois como diria o Raul, “somos uma metamorfose ambulante”.
Condicionando o comportamento
Muitas vezes a diferença entre foco no resultado e na identidade pode ser sutil, mas o poder de mudança que pode causar, pode ser enorme.
Pegando um exemplo que o próprio autor traz no mesmo livro: imagine que existem 2 pessoas que estão tentando parar de fumar e você oferece um cigarro para ambas.
A primeira pessoa recusa e diz que está tentando parar, ou seja, ela ainda se enxerga como fumante que está tentando parar de fumar, já a segunda recusa e diz que não fuma, ou seja, ela mudou sua identidade e passou a não se enxergar mais como fumante. Essa diferença sutil pode ter impactos bem diferentes no nosso cérebro só pelo fato de no segundo caso ela não se identificar mais como alguém que fuma.
O poder da repetição
Algo que está muito presente nas nossas vidas a muitos anos e que contribui para a perspectiva proposta é a própria publicidade e propaganda.
Não é a toa que quando uma campanha publicitária está sendo veiculada você não vê apenas uma vez, você provavelmente verá algumas/muitas vezes. Pois os profissionais da área sabem muito bem os impacto de uma ideia ficar sendo repetida diversas vezes.
Sem que as pessoas percebam, muitas vezes acabam sendo condicionadas a ter determinado comportamento de compra ou de preferência, seja por determinada marca ou produto.
Em alguns casos, o produto / marca passam a se apresentar como meio de conectar a pessoa com uma determinada identidade ligada a um determinado status.
Normalmente essas coisas são muito bem pensadas em termos de posicionamento de marca e no tom da comunicação, por mais que nao seja toda marca que consiga atingir tal nível de identificação.
Uma marca muito forte neste sentido é a Harley Davidson, pois não se trata somente de comprar uma moto, tem muito mais a ver com o jeito com o que você se enxerga, com senso de pertencimento ou o modo como quer passar a se enxergar. Assim como é no caso da Apple e outras marcas de sucesso.
Condicionamento Clássico — Pavlov
O termo “condicionamento clássico” está ligado a um sistema de punição e recompensa desenvolvido em diferentes períodos por alguns cientistas, entre eles um que vou utilizar como exemplo de um neurocientista russo chamado Pavlov.

Ele conduziu alguns experimentos na época com cachorros onde inicialmente ele tocava um sino sem qualquer estímulo de punição ou recompensa e depois passava a tocar sempre antes de dar a comida para o cachorro. A hipótese que ele tinha era de que ao repetir o processo o cachorro passaria a associar o barulho do sino com a comida.
Ele repetiu esse comportamento durante algum tempo e após isso ele passou a apenas tocar o sino sem mais dar comida para o cachorro e o comportamento condicionado observado foi que após ouvir o sino o cachorro começava a salivar, o que não deveria ser algo natural inicialmente, pois em um primeiro momento, antes de a recompensa ser associada ao barulho, o cachorro não teve o mesmo comportamento.
Behaviorismo — Skinner
Outro cientista reconhecido na psicologia foi Skinner.
Ele se consagrou com um experimento que fez com ratos para testar sua hipótese de que nosso comportamento é condicionado pelos estímulos que vem de fora.

Skinner colocou um rato numa caixa fechada que oferecia punições ou recompensas dependendo do movimento que o rato fizesse na alavanca que havia dentro.
Sua teoria aplicada aos humanos era de que nós temos o poder de escolha, mas escolhemos conforme as recompensas e com o que o ambiente nos oferece.
Mudar o que você faz é mudar quem você é
Retomando o exemplo do cigarro, aquele simples fato de a pessoa se identificar como alguém que não fuma e repetir ao longo do tempo, associado ao ato de não fumar, tende a ter um efeito diferente de percepção de si mesmo no seu cérebro e pode contribuir para um efeito muito mais profundo e duradouro na intenção que ela tem de parar de fumar.
A maioria de nós nem sequer leva em conta a mudança de identidade como opção para a mudança de hábitos (e eu também era uma dessas), elas simplesmente focam no resultado e no processo (ser magro e adotar dieta, por exemplo).
Associado a isso, o que James Clear sugere em seu livro é que temos a tendência a defender com unhas e dentes tudo que afeta o nosso orgulho, ou seja, se queremos construir uma mudança de comportamento, precisamos focar naquilo que queremos nos tornar e repetir os atos que nos movem nessa direção para que dessa forma, com o passar do tempo, possamos construir algo que nos faça sentir orgulho e que esse orgulho sirva como meio para solidificar uma mudança na nossa identidade.
Para que fique bem claro, o que ele sugere não é uma simples mudança da palavrinha da vez: “mindset”. Não basta fazer um desenho um dia e mentalizar que você é um(a) artista para mudar sua identidade e assim passar a se enxergar como tal. A mudança de identidade é um processo e não muda de uma hora para outra. Mas se tiver como foco “se tornar um(a) artista” e usar isso como combustível para estudar e praticar desenho 1 hora por dia, todos os dias, é natural que em algum dado momento haja uma mudança na sua percepção sobre si mesmo e que passe a ser cada vez mais fiel e confiante a essa nova condição que você se enxerga.
Outro exemplo: quando conseguimos manter alguma frequência na academia a ponto de notar uma diferença no nosso corpo, estado mental e saúde, isso tende a nos fazer sentir orgulhosos e passar a lutar cada vez mais para manter aquele progresso dali em diante. A tendência é de que esse processo seja cada vez mais fácil com o tempo.
Porém, o outro lado dessa história é que o mesmo serve para os maus hábitos. Quando você escolhe realizar um mau hábito, também escolhe dar um voto para reforçar essa identidade.
Tirando um trecho do livro que resume e simplifica, ele separa em duas etapas:
- Decida o tipo de pessoa que quer ser
- Prove isso para si mesmo com pequenas vitórias
Conclusão
A mudança de identidade como norte para mudança de hábitos é um dos principais temas que o autor aborda no livro, se não é o principal, mas no decorrer ele também apresenta algumas formas interessantes que te ajudam desenvolver esses comportamentos em busca da ou das mudanças que você deseja.
Afinal, a minha e a sua identidade (apesar de muitas vezes parecer) não está cravada em pedra e nem foi adquirida logo que nascemos.
Trata-se de uma construção complexa que envolve os estímulos aos quais fomos expostos ao longo da nossa vida e ao modo como fomos condicionados a reagir a eles.
Eu com certeza recomendo muito a leitura do desse livro para qualquer pessoa. Toda vez que o pego para folhear de novo sempre me causa algo novo e me faz lembrar de coisas que às vezes já havia esquecido ou me faz querer me mover no sentido daquilo que quero me tornar, buscar melhorar de alguma forma, enfim.
Vale ressaltar que quando se trata de comportamento humano nada é simples e preciso demais, portanto, não é a intenção determinar, desvendar ou apresentar aqui uma fórumla infalível ou uma reflexão perfeita que traduz a verdade sobre o tema, apenas um espaço livre para trazer algumas contribuições de uma possível mudança de perspectiva do(a) leitor(a) que se interessar pelo assunto.
Gostei de escrever sobre esse tema e gosto igualmente de estudar a respeito, então talvez eu volte a escrever um pouco mais como forma de dividir um pouco do que tenho aprendido por aqui com quem possa interessar, mas como já tentei deixar claro desde o início do texto, não sou nenhum especialista de coisa alguma.
Então é isso! Até mais! :)