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Curadoria de artigos de UX, Visual e Product Design.

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Será que maus designers estão usando “UX” como desculpa?

Fabricio Teixeira
UX Collective 🇧🇷
6 min readAug 23, 2019

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Nos anos iniciais da web comercial, éramos todos Web Designers. Interações digitais, naquela época, eram relativamente simples: a maioria dos websites eram estruturados em uma série de páginas individuais conectadas uma com as outras através de botões e links.

Para sites mais complexos e densos de informação, o web designer se juntava a um Arquiteto de Informação para garantir que o conteúdo estava organizado de uma forma que faria sentido para aquela audiência em particular.

As interfaces então evoluíram e as interações se tornaram mais sofisticadas — incluindo sites em Flash, RIA (Rich Internet Applications), e widgets cada vez mais interativos, seguidos pelo advento dos smartphones e das interfaces de toque. Era então a era do Interaction Designer ou Designer de Interação.

Movemos então para experiências que existiam muito além de uma única tela ou fluxo. A visão do usuário transitando entre vários pontos de contato com uma empresa de forma natural e centrada no usuário fez surgir uma nova figura dentro do mundo do design digital: o UX Designer.

Um conto de forma e função

Para conseguir lidar com a crescente complexidade do design digital, com o passar dos anos nossa indústria começou a separar forma e função, aumentando a distância entre o papel do UI Designer e do UX Designer na construção de produtos e serviços. Enquanto o UI Designer ficava cada vez mais especializado na forma e na aparência dos produtos, o UX Designer se distanciou gradualmente de decisões estéticas para focar na função — e em como a tecnologia pode resolver problemas reais dos usuários, comprovados por pesquisa.

O desafio é: como UX Designers, ficamos tão acostumados a não sermos responsáveis pela aparência final do produto que acabamos nos distanciando demais do craft de design. Porque o entregável do nosso trabalho (wireframes, jornadas do usuário, personas, síntese de pesquisa) nunca será realmente visto pelo usuário final, acabamos nos contentamos com pouco.

Pouca qualidade. Pouco refinamento. Pouco bom gosto.

“Lean UX” nos forçou a produzir documentação muito mais rapidamente que antes.

“Design thinking” nos equipou com post-its coloridos e atrofiou nossa habilidade de produzir designs de alta fidelidade.

“Baixa fidelidade” se tornou uma desculpa para entregáveis horrorosos — quase ofensivos em alguns casos.

Ano após ano, UX Designers perderam contato com o seu próprio senso de refinamento estético e bom gosto visual, perdendo uma incrível oportunidade de evoluir seu craft como designers. “Baixa fidelidade” se tornou uma desculpa para entregáveis horrorosos — quase ofensivos.

(E sim, existem exceções para toda regra)

Fidelidade: o quão baixa é baixa demais?

Se você trabalha nessa indústria há um tempo, você provavelmente já viu wireframes e mockups que carregam uma fidelidade tão baixa que se tornam quase inúteis para o projeto. O mesmo com mapas de jornada do usuário, templates de personas, blueprints (e até slides de UX em uma conferência de design, para ser honesto)— entregáveis que são montados com pouco cuidado e com pouca atenção aos detalhes.

E design, a meu ver, é 100% sobre atenção aos detalhes. Não importa o quão estratégico você é.

Quando vejo um entregável “feio” de UX, imediatamente começo a questionar a qualidade do trabalho daquela pessoa que o criou — e como isso pode afetar o projeto mais para frente:

  • A falta de fidelidade de um wireframe, por exemplo, pode ser indicativo de uma falta de entendimento de qual conteúdo deve estar sendo apresentado ali.
  • A falta de regras básicas de design (hierarquia, alinhamento, espaço negativo) em um entregável demonstra falta de entendimento (e respeito?) de aspectos fundamentais da história e do legado do design gráfico. Será que isso pode prejudicar o produto mais tarde?
  • A falta de refinamento visual mostra falta de carinho. A pessoa não investiu tempo suficiente para criar uma experiência mais prazerosa para a pessoa que irá consumir aquele conteúdo do entregável.
  • A falta de bom gosto estético coloca em questão as referências que aquele profissional tem. Quais são as fontes de inspiração que ele/ela tem consumido?

Uma disciplina de designers que não conseguem desenhar

Algumas pessoas migram para UX design vindos de outras disciplinas como desenvolvimento, gerência de produtos, redação, design gráfico. Para conseguir cumprir com as expectativas daquela nova profissão de UX, essas pessoas estudam métodos de design centrados no usuário, participam de bootcamps e cursos de UX, e em alguns casos aprendem a criar wireframes e protótipos de baixa-a-média fidelidade. Mas porque a regra geral da nossa indústria é que UX Designers não precisam apresentar trabalhos com um alto nível de refinamento nos materiais que produz, as pessoas logo param de investir tempo em melhorar o craft de design.

Profissionais com um background de design gráfico acabam achando essa transição para UX mais tranquila (do que profissionais que percorrem o caminho oposto). A partir do momento que você tem boas noções dos aspectos visuais do design, aprender a dar um passo para trás e pensar mais estrategicamente sobre o trabalho passa a ser um processo natural — e alinha muito bem com o processo de se tornar um profissional mais sênior com o passar dos anos.

Mas UX designers raramente percorrem o caminho oposto.

Por que se contentar com pouco?

Quando migram para UX, por que as pessoas param de perseguir melhoria própria em termos de craft de design e refinamento visual? Por que UX designers não investem mais tempo e energia em melhorar suas habilidades visuais? Se tornar melhor designer visual pode prejudicar UX designers de alguma forma?

Quando desafiados com essas perguntas, UXers rapidamente defendem os motivos pelos quais alta fidelidade não é prioridade para eles.

“Eu prefiro focar meu tempo em aprender métodos de design centrados no usuário como pesquisa e estratégia.”

Claro. Quanto tempo você usou essa semana “estudando métodos de design centrados no usuário como pesquisa e estratégia?” Há grandes chances que tempo nenhum. Somos muito bons em inventar desculpas para nós mesmos e para os outros. Uma vez que você aprende essas ferramentas de design mais estratégicas (ex: moderar focus groups, ou mapear a jornada do usuário), melhorar suas habilidades nessas áreas é questão de praticar, e não de estudar o assunto mais profundamente. Uma vez que você aprende a ser estratégico, você nunca desaprende.

“Mas eu estou muito ocupado e não posso gastar tanto tempo assim refinando um entregável que só será usado internamente.”

Então que tal você se tornar mais rápido em produzir designs mais bonitos? Você só está gastando 8 horas para melhorar os visuais da sua user journey porque você não tem prática suficiente em design visual para fazê-lo mais rapidamente. Depois que você passa a etapa inicial de aprendizado e passa a ficar mais atento aos pequenos detalhes visuais dos seus entregáveis, você se torna muito mais rápido e mais eficiente em criar documentos de alta fidelidade que sejam agradáveis aos olhos.

“Mas nenhum usuário nunca vai ver essa user journey que eu criei.”

Mas os seus colegas de trabalho verão. Seus stakeholders verão. Existe até uma chance que esse mapa de user journey será circulado por toda a empresa, se tornando referência da experiência dos consumidores por vários anos. É o seu nome e o seu legado que está em jogo ali — isso não é motivo suficiente para investir mais tempo para que seu trabalho fique com uma cara melhor?

Por que se contentar com pouco?

Para outros artigos sobre carreira e UX: journey.uxdesign.cc

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