Tradição vs inovação em UX design
Diante de decisões de design, porque devemos valorizar os padrões?

“ Na landing page todas as imagens devem ser mostradas, sem paginação, sem rolagem lateral (…). Se um comprador precisar clicar em algo para ver mais imagens, ele desiste e sai … Talvez você precise reajustar o design, pense fora da caixa…”
Este foi o comentário do meu cliente — para quem estou desenvolvendo um produto ainda em fase de protótipo — que me inspirou a escrever este artigo.
A landing page não era estática e por isso a quantidade de imagens seria imprevisível, poderia haver 10 ou 100 imagens. O problema era relativamente simples para mim. Uma seção de fotos numa landing page que poderia ser resolvido de várias maneiras. Sugeri um slider vertical, um botão de “carregar mais” para carregar mais fotos ou até mesmo criar uma página dedicada à galeria em que o usuário pudesse acessá-la caso quisesse ver mais fotos.

Quando ele disse “Se um comprador precisar clicar em algo para ver mais imagens, ele desiste e sai” ele estava afirmando um mito infelizmente bastante difundido entre o conhecimento popular sobre problemas de usabilidade. Como disse Steve Krug em sua segunda lei sobre usabilidade: “Não importa quantas vezes eu tenho que clicar, desde que cada clique seja uma escolha impensada e não ambígua.” Mas eu não vou me ater à esse problema, meu foco aqui será nos riscos e vantagens da inovação/tradição.
Voltando ao problema…
Mostrar todas as fotos de uma vez poderia extender a navegação vertical de maneira excessiva ao passo que prejudicaria o tempo de carregamento da página. Uma das melhores soluções, na minha opinião e de acordo com este artigo da Nielsen Norman Group, seria mostrar parte do conteúdo e ir carregando o restante do conteúdo sob demanda de acordo com a vontade do usuário.
Mas ele não gostou das minhas alternativas e disse para eu pensar fora da caixa. Em outras palavras ele estava me pedindo para inovar, criar uma solução nova (pelo menos nova para mim).
Você leitor pode estar pensando em soluções diferentes das que eu sugeri, e tudo bem, não é meu objetivo aqui te dizer que as minhas soluções eram as melhores. Para todos os problemas da vida existem soluções inovadoras que revolucionariam uma maneira tradicional. E foi aqui que eu lembrei de um velho incômodo da minha vida:
Eu não consigo criar nada do zero
Eu me lembrei de quando eu comecei a desenhar interfaces há muitos anos atrás. Eu passava horas com o Photoshop aberto tentando criar algo legal e me frustrando algumas vezes. Não vou exagerar e dizer que nada fluía. As vezes eu fazia algo interessante. Mas algum ego sem sentido dentro de mim me dizia que eu precisava criar algo “do zero”. Algo que nascesse 100% das minhas ideias e fosse bom. Nessa época eu tinha dificuldades em buscar inspirações para criar. Eu achava que fazendo isso eu estaria de alguma maneira copiando trabalhos alheios e perdendo minha autenticidade. Eu quase desisti de ser designer na época e comecei a focar mais na parte de desenvolvimento front end.
Se eu não consigo criar nada do zero, então eu não consigo inovar?
Se considerarmos a inovação como a invenção de alguma coisa absolutamente inédita e sem “pedaços” de coisas que vieram antes, nenhum ser humano jamais inovou. Acontece que a inovação é muito mais um processo de transformação do que de criação. E entendendo isso eu pude resolver esses meus conflitos como designer.
Nina Paley em The Cult of Originality escreveu: “Nada é original. Para que uma obra tenha significado, ela deve usar a linguagem — deve “fazer sentido”. Ela precisa trabalhar com memes que já vivem na mente do hospedeiro: linguagem, imagens, melodias, padrões. Não pode ser totalmente original. Dificilmente pode ser original.”
Você não precisa reinventar a roda
Você já deve ter ouvido essa frase antes e ela é uma importante verdade em se tratando de experiência do usuário.
Se analisarmos as diversas interfaces de interações que existem atualmente em diversos dispositivos e compararmos com as interfaces de antigamente, nós vamos perceber que o que houve foi uma transformação gradual, uma evolução que aconteceu para ajustar os sistemas às nossas necessidades. Podemos concordar que algumas mudanças podem ter ocorrido de maneira mais rápida do que outras, mas isso não tira o fato de que elas são derivativas.

Veja como a interface da área de trabalho do Windows evoluiu de maneira gradual. Há no entanto um fato curioso na história de evolução do Windows no que diz respeito à versão do Windows 8. Veja como houve uma drástica mudança no design de interação em relação às outras versões anteriores. O impacto desta mudança nos ensina uma lição:
Inovações radicais são arriscadas
A versão 8 do Windows marcou uma onda de desapontamentos dos usuários de Windows. Isto porque a mudança na área de trabalho não agradou nenhum pouco os usuários. A Microsoft estava apostando em uma tela voltada para os dispositivos touch-screen e se esqueceu de que tradição também é importante, pois usuários familiarizados não precisam lidar com uma grande curva de aprendizagem.
“Consistência é a maldição da inovação em design. Se você está convencido de que, assim que seus usuários aprenderem a interface, eles economizarão tempo com o status quo, vale a pena tentar. Mas lembre-se de que o caminho para a inovação é tortuoso e dispendioso e, se seus usuários não tiverem muitas oportunidades de aprendizado, talvez nunca atinjam esse platô de desempenho ideal, acessível somente após o aprendizado.” — The Power Law of Learning: Consistency vs. Innovation in User Interfaces, Nielsen Norman Group
Além da curva de aprendizagem eu arrisco dizer que muitos usuários apenas preferem que alguns padrões sejam mantidos. Não porque acham difícil o aprendizado mas simplesmente porque preferem, assim, de maneira genérica e complexa, com variáveis sentimentais bem difíceis de serem mensuradas aqui. Pessoalmente falando, há várias coisas do meu dia-a-dia, muito além de softwares, que eu gostaria do fundo do meu coração que não mudassem radicalmente. Outras, obviamente, eu me questiono até hoje como não fizeram uma versão melhor. E na segunda opção residem grandes oportunidades de inovação.
Isso significa que devo manter o design sempre do mesmo jeito?
Não. Como no exemplo do Windows, a partir da versão 8.1 a Microsoft manteve certos padrões em relação à área de trabalho mas foi capaz de inovar em vários outros aspectos de maneira a melhorar a experiência e também inovar nos aspectos visuais do sistema operacional. Ou seja, a lição que eu tiro da Microsoft é que você pode inovar com cautela, mantendo alguns padrões, sempre ouvindo as preferências dos seus usuários.
“Convenções são nossas amigas”
Em “Não me faça pensar” Steve Krug fala sobre a importância dos padrões: “Quando bem aplicadas, convenções web tornam a vida mais fácil para os usuários pelo fato de não precisarem constantemente deduzir o que as coisas significam e como elas supostamente devem funcionar de site para site.”
E o que aconteceu em relação ao meu cliente?
Voltando ao início deste artigo, onde eu introduzi o caso que me inspirou a escrevê-lo... A minha posição em relação ao meu cliente foi convencê-lo a usar um padrão recomendado pelo artigo da nngroup. Deixei claro que eu não queria contaminar o seu produto com opiniões pessoais, mas sim, ajudá-lo a criar algo que, ao mesmo tempo fosse autêntico e também familiar, proporcionando assim uma melhor experiência para seus usuários.
- Nada se cria, tudo se transforma: todo trabalho criativo é derivativo.
- A inovação se dá através de uma transformação gradual.
- Padrões são importantes e deve-se ter cautela ao inovar pois mudanças radicais podem prejudicar a experiência do usuário por aumentar a curva de aprendizagem.