Uma breve introdução à acessibilidade

Conceitos e links sobre o assunto.

Laís Lara Vacco
UX Collective 🇧🇷

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Tenho encontrado pessoas e conteúdos incríveis relacionados a acessibilidade. Neste artigo, compartilho alguns desses aprendizados e links úteis.

O objetivo é dar visibilidade ao tema e ajudar as pessoas que estão interessadas neste assunto a terem um ponto de partida.

Por que todos deveriam se importar com acessibilidade?

“Todos vamos ter deficiências eventualmente — a menos que a gente morra antes.”

— Gregg Vanderheiden

Além de estar ciente que todos vamos envelhecer, a não ser que a gente morra antes, e de que o percentual de idosos tende a dobrar nas próximas décadas, a deficiência também depende do contexto.

Ela não é somente relacionada a um problema de saúde ou ao envelhecimento: uma pessoa pode temporariamente ter uma deficiência em alguma habilidade.

Por exemplo, se você está segurando um bebê no colo, tem que aprender rapidamente a fazer as coisas com uma mão só.

Então mesmo que você desconsidere os quase 46 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, por certo você também em algum momento terá algum tipo de deficiência em alguma habilidade, seja de forma temporária, situacional ou permanente. Falarei mais sobre isso logo abaixo.

Afinal, o que é deficiência?

Deficiência é definida como “uma incompatibilidade na interação entre as características do corpo de uma pessoa e as características do ambiente em que vive”, segundo a documentação da Microsoft.

“A deficiência não é apenas um problema de saúde. É um fenômeno complexo, refletindo a interação entre características do corpo de uma pessoa e características da sociedade em que vive.”

— Organização Mundial de Saúde

Como designers é nossa responsabilidade saber que as experiências que projetamos afeta como as pessoas interagem com elas e também, como elas criam incompatibilidades.

Diferentes tipos de deficiência

Existem diferentes tipos de deficiência, incluindo visão, audição, fala, mobilidade, aprendizagem e neurodiversidade.

A Microsoft tem um interesse na área de Design Inclusivo e eles criaram um kit de ferramentas de Design Inclusivo que olha para as pessoas que podem ter deficiências permanentes, temporárias ou situacionais.

Ilustração de uma mulher sem um braço, escrito abaixo em inglês ‘um braço’. Ao lado direito uma pessoa com um braço enfaixado escrito ‘Lesão no braço’ e ao lado uma pessoa segurando um bebê no colo escrito ‘Novo pai’

Na imagem acima há três diferentes tipos de deficiência:

  • Deficiência permanente: exemplos de uma pessoa sem um braço
  • Deficiência Temporária: pessoa com lesão temporária no braço
  • Deficiência situacional: pessoas segurando uma criança

Abaixo há mais uma ilustração do “Persona Spectrum”, uma ferramenta que eles usam para ajudar a fomentar empatia e mostrar como a solução pode abranger uma grande audiência.

Ilustração representando o “Persona Spectrum” criado pela Microsoft. Há personagens em cenários diferentes para representar cada contexto. Começando com uma coluna escrito Permanente, depois Temporária e Situacional. Abaixo de cada coluna há 4 fileiras, a primeira é sobre o Toque, depois sobre a Visão, Audição e Fala. No toque há um homem sem braço, depois com braço enfaixado e depois a mulher com bebê no colo. Na visão há uma pessoa cega, ao lado com catarata e depois um motorista distraído. Na audição há uma pessoa surda, ao lado uma com infecção no ouvido e depois um garçom em um bar barulhento. Na fala há uma pessoa não-verbal, outra com laringite e outra com sotaque muito forte.

“Quando você cria uma inovação para uma pessoa com deficiência permanente, essa solução vai funcionar para uma pessoa com deficiência temporária, ou situacional, ou sem deficiência.”

Ricardo Wagner, líder de Acessibilidade da Microsoft Canadá

Crie condições para pessoas com deficiência permanentes e gere inovação para todos.

“Criamos produtos que se adaptam às pessoas, em vez de esperar que as pessoas se adaptem aos produtos.”

— Ricardo Wagner líder de Acessibilidade da Microsoft Canadá

Acessibilidade e Design Inclusivo

Definição pela Microsoft:

  • Acessibilidade: qualidades que tornam uma experiência aberta a todos.
  • Design inclusivo: metodologia de design que permite e se baseia em toda a gama de diversidade humana.

A acessibilidade é um atributo do design inclusivo e, embora o design inclusivo se refira ao design para a diversidade, ele é mais que cumprir um conjunto de padrões.

Design inclusivo é uma mentalidade que envolve o entendimento da diversidade.

“Não pense que o design inteligente é apenas para os idosos, ou os enfermos, ou os deficientes. No campo do design, isso é chamado de “design inclusivo” por uma razão: ajuda a todos.“

Don Norman

No vídeo Designing with acessibility in mind a UX Designer Regine Gilbert, também autora do livro Inclusive Design for a Digital World, apresenta uma imagem que acredito traduzir o que poderia ser o design inclusivo:

#pracegover descrição completa no texto abaixo. Ao lado esquerdo da imagem está escrito em inglês: inspirado por um estudante de escola pública com deficiência. Ao lado direito: 2002 Michael F. Giangreco. Ilustração por Kevin Ruelle — Peytral Publications.

A ilustração acima mostra um dia de aula com neve e as crianças estão ao lado de fora, em pé, esperando para entrar. Dentre elas há uma pessoa na cadeira de rodas, que diz para a pessoa que está tirando a neve das escadas com uma pá:

— Você poderia limpar a rampa, por favor?

— Todas essas outras crianças estão esperando para usar a escada. Quando eu terminar de limpar a escada eu limpo a rampa para você. — Diz a pessoa com a pá.

— Mas se você limpar a rampa, todos nós podemos entrar!

A decisão da pessoa de limpar a escada primeiro favoreceria a maioria das crianças que não tinham deficiência, porém, com esforços parecidos, limpando a rampa, ela poderia abrir caminho para todos entrarem.

Questione seus vieses ao projetar um produto

Sabendo que as exclusões começam quando desenhamos experiências baseadas em nossos vieses, o Airbnb lançou o site Another Lenses (em português, Outras Lentes).

Triângulo equilibrando dois quadrados como se fosse uma balança, escrito em inglês equilibrar seu viés. Abaixo, um círculo branco com parte preta, escrito considere o oposto e por último um semicírculo com pontos ao redor escrito abrace uma mentalidade de crescimento.

O site apresenta um conjunto de perguntas para nos ajudar a equilibrar o viés, considerar o oposto e abraçar uma mentalidade de crescimento. Abaixo estão algumas perguntas para cada tema:

Equilibre seu viés

  • Quais são minhas lentes?
  • Estou somente confirmando minhas hipóteses ou estou desafiando elas?

Considere o oposto

  • Como o mundo se pareceria se minhas hipóteses estiverem erradas?
  • Quem pode discordar do que estou desenhando?

Abrace a mentalidade de crescimento

  • Minha audiência está aberta a mudanças?
  • Se eu pudesse aprender uma coisa que me ajudaria nesse projeto, o que seria isso?

Utilize uma linguagem que priorize as pessoas

Tratar as pessoas com deficiência com respeito vai além da linguagem que usamos. Seguindo o guia da Microsoft, traduzi algumas dicas importantes para interagir com pessoas com deficiência de maneira adequada e respeitosa:

  • Faça contato com os olhos
  • Não toque: nunca toque em ferramentas auxiliares, como cadeiras de rodas, cães-guia, bengalas ou telefones.
  • Se anuncie: Se uma pessoa tem baixa visão ou é cega, anuncie quando você passar ou entrar em uma reunião. Nada longo, apenas um simples, “Oi Joe, é a Mary. Como foi seu fim de semana?” funciona bem. Quando estiver encerrando ou saindo de uma conversa, certifique-se de anunciar que está indo embora.
  • Torne os documentos acessíveis: torne todos os seus arquivos eletrônicos, como documentos do Word e apresentações, acessíveis. Certifique-se de incluir legendas para que as pessoas surdas ou com dificuldade de audição — ou mesmo pessoas que podem ouvir, mas estão em um ambiente barulhento — possam experimentar o vídeo que você produziu.
  • Nada sobre nós sem nós: Inclua pessoas com deficiência desde o início de cada processo de planejamento. Este mantra “reforça o papel das pessoas sem deficiência como fortes aliados e parceiros que compartilham o papel de inclusão e acessibilidade” — Huffington Post.
  • Faça contato com os olhos: Uma pessoa surda pode ter um intérprete de linguagem de sinais. Certifique-se de falar diretamente com a pessoa quando estiver falando, não com o intérprete.

Neste vídeo de 7 minutos a pessoa explica qual a terminologia adequada para se referir às pessoas com deficiência e qual a importância disso:

Diretrizes de acessibilidade na Web

Sobre a W3C

World Wide Web Consortium é um consórcio internacional em que organizações filiadas, uma equipe em tempo integral e o público trabalham juntos para desenvolver padrões para a web, veio então o completo WCAG.

Sobre a WCAG

Web Content Accessibility Guidelines é um conjunto de diretrizes para web que recomenda padrões a serem seguidos, com objetivo de melhorar a acessibilidade.

O material está em inglês, mas o Marcelo Sales, designer com foco em acessibilidade digital e design inclusivo, criou um material em português que visa justamente facilitar o entendimento dela.

Acesse aqui esse guia: Guia WCAG 2.1 em Português

Dica: consulte os links no final do site acima caso tenha interesse em se aprofundar no entendimento da WCAG. :)

Sobre o eMAG

O governo brasileiro desenvolveu as próprias diretrizes e chamou de eMAG — Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico.

Segundo o Marcelo Sales "ele é exclusivo para sites governamentais e está defasado, também baseando-se em soluções que hoje não fazem mais sentido em alguns pontos e ainda focando na WCAG 2.0".

Como ele disse, no site do eMag a WCAG está na versão 2.0 de 2008 e a mais atual é a versão 2.1 de 2018, por isso, sugiro consultar o Guia WCAG 2.1 em inglês ou o Guia WCAG 2.1 traduzido do Marcelo Sales.

Focando nos princípios de acessibilidade

A WCAG 2.0 foca em princípios de acessibilidade com o acrônimo POUR, em inglês Perceivable, Operable, Understandable e Robust.

Abaixo a tradução segundo o site do governo:

  • 1° Perceptível: a informação e os componentes da interface do usuário têm de ser apresentados aos usuários em formas que eles possam perceber.
  • 2° Operável: Os componentes de interface de usuário e a navegação têm de ser operáveis.
  • 3° Compreensível: A informação e a operação da interface de usuário têm de ser compreensíveis.
  • 4° Robusto: O conteúdo tem de ser robusto o suficiente para poder ser interpretado de forma concisa por diversos agentes do usuário, incluindo recursos de tecnologia assistiva.

Pesquisa com usuários

No artigo “Tips For Conducting Usability Studies With Participants With Disabilities” (em português, “Dicas para conduzir estudos de usabilidade com participantes com deficiência"), há dicas sobre como fazer testes de usabilidade com pessoas com deficiência. As lições que aprenderam e compartilharam no artigo são gerais e também relacionadas a 3 categorias específicas de deficiência: visual, motora e cognitiva.

Alguns pontos interessantes do artigo:

  • Antes dos testes é recomendável que o básico de acessibilidade já seja atendido como, por exemplo: contraste de cores e texto alternativo ou (alt) text
  • Ter equipamentos de tecnologia assistida de backup caso a pessoa não traga as dela. Confirmar no recrutamento, quais equipamentos os participantes trarão e quais precisam.
  • Considerar custos de transporte para a pessoa e também a logística
  • Para participantes com deficiências visuais, há um vídeo de boas práticas sobre como guiar a pessoa

Comece na sua empresa

Historicamente as empresas começaram a focar em acessibilidade devido à lei.

A empresa estrangeira Target, por exemplo, arrumou diversos pontos no site para as pessoas com deficiência acessá-lo.

Antes disso, eles pagaram uma indenização de $6 milhões à Federação Nacional de Cegos, que notificou previamente que o site não era acessível a usuários cegos e deficientes visuais.

É importante começar se perguntando desde o início como poderá incorporar acessibilidade no produto.

Perguntas básicas a se fazer:

  • Como você vai garantir que seu projeto seja mais acessível?
  • Que tipo de pesquisa você poderia fazer?
  • Você pode incorporar design participatório (envolver os usuários no processo de design)?
  • Como você vai testar para garantir que é acessível?

Entenda seu produto e mercado e veja como ele se alinha com a WCAG:

  • No artigo Guideline de Acessibilidade baseada na WCAG 2.0 a UX Researcher Diana Fournier compartilhou como o time de Research e Usability da Viva Real consideraram a WCAG 2.0 para realizar a Avaliação de Acessibilidade no portal e também criaram um guia para todos seguirem (assunto do próximo tópico).

“Nesse processo, algumas heurísticas foram retiradas por não se encaixarem em nosso contexto.” — Diana Fournier

Crie um guia para todos seguirem.

Abaixo estão algumas referências de checklists para auxiliar nesse processo:

Levante a importância e os benefícios para o usuário e para o negócio.

  • Neste artigo, em inglês, a UX Designer Rachel Gallucci compartilha dicas sobre como montar uma apresentação para falar sobre acessibilidade com os stakeholders.

“Mostre aos seus stakeholders tudo o que a sua empresa fez e está fazendo, o maravilhoso mundo da acessibilidade a que estão aderindo e que já fazem parte da solução.” — Rachel Gallucci

Planos de como começar

  • A W3C também escreveu este guia para ajudar no planejamento e execução da acessibilidade nas empresas ou projetos

Outras referências

Pessoas falando sobre acessibilidade em tecnologia

Abaixo estão algumas pessoas que tenho acompanhado o trabalho e são referências no assunto. O primeiro link é para o LinkedIn delas e ao lado para o Medium ou Instagram:

Movimento: Deficiência Tech

Deficiencia Tech é um movimento de formação e inclusão de pessoas com deficiência no ecossistema de tecnologia no Brasil.

“Essa comunidade é para todo mundo que quer fazer parte desse movimento: pessoas com deficiência, profissionais em tech com ou sem deficiência, empresas e pessoas diversas que se interessam na importância desse movimento.”

Outros links úteis relacionados a acessibilidade

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O UX Collective doa US$1 para cada artigo publicado na nossa plataforma. Esta história contribuiu para o Bay Area Black Designers: uma comunidade de desenvolvimento profissional para pessoas Pretas que são designers digitais em San Francisco. Por serem designers de um grupo pouco representado, membros do BABD sabem o que significa ser “o único” em seus times de design e em suas empresas. Ao se juntarem em comunidade, membros compartilham inspiração, conexão, mentoria, desenvolvimento profissional, recursos, feedback, suporte, e resiliência. Silêncio contra o racismo sistêmico enraizado na sociedade não é uma opção. Construa a comunidade de design na qual você acredita.

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