UX como subproduto do marketing existencial

No mundo infantilizado os significados cada vez mais são vendidos para pessoas infantilizadas.

Raphael Dias
UX Collective 🇧🇷

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Nos grupos de experiência do usuário que participo comecei a reparar na agonia de algumas pessoas pedindo dicas de como iniciar uma carreira de “UX” e outras que precisam se recolocar no mercado como “UX”. Numa busca rápida por vagas de “UX” as descrições são confusas e induzem ao erro de que user experience diz respeito ao cargo de uma pessoa.

Segundo o filósofo Luiz Felipe Pondé, no livro Marketing Existencial, a produção de bens em nossa época foi, pouco a pouco, se confundindo com os anseios existenciais dos indivíduos e deixou de atender à mera satisfação de necessidades básicas. Nesse sentido hoje o marketing busca atender este anseio por significado, a busca por experiência em tudo que se consume.

No mundo infantilizado os significados cada vez mais são vendidos para pessoas infantilizadas. Luiz Felipe Pondé

Eu sou designer de interfaces e normalmente recebo dois tipos de briefings: um com frases do tipo “Criar uma UX…” e outro onde o cliente deixa claro o trabalho que já é feito em prol da experiência do consumidor e portanto tudo que é lançado no digital precisa estar alinhado com esta cultura. Sobre o primeiro caso, são executivos que vão aos eventos e voltam falando “designer não, precisamos de um UX designer”. Esta banalização me levou a perceber que muitas empresas tratam a experiência do usuário apenas como um subproduto do marketing de significados. Algumas não percebem e pra estas há salvação, outras acreditam nesta besteira e ainda existem aquelas que investem numa área de “UX” (que na verdade é uma equipe voltada para o digital) porque alguém mandou.

Human-Centered Design (HCD) is not about following processes. It’s about being mindful of HCD principles. Keep focus on people and the entire system to solve the right problems.

Qual é a sua área?

Apesar do clássico vídeo do Don Norman falando sobre a banalização do termo UX, muitos se apropriam e criam palestras e workshops sobre processos e métodos aos montes para lucrar o máximo possível até o assunto passar. Esta é uma batalha perdida. Leia o que dizem os caras que cunharam o termo (Don Norman e Jakob Nielsen), vá atrás dos autores que falam sobre experiência do usuário, métodos e processos (John Maeda, Tim Brown e por aí vai) e desenvolva seu senso crítico para escolher os cursos e palestras onde vai investir seu tempo e dinheiro, mas invista a maior parte do tempo buscando entender qual momento da jornada do consumidor o seu trabalho afeta e se aprofunde naquilo que você faz bem.

Fields of User Experience Design / Interaction Design activities, by Elizabeth Bacon, founder of DHeath Studio / Find Wellness

Muitas empresas investem na experiência do consumidor há muito tempo e quando você chega reivindicando dos stakeholders o investimento em “UX”, parece um recém formado cheio de teorias que acredita ser o detentor das “respostas que ninguém nunca encontrou”. O investimento começa na linha de produção para garantir a qualidade de um lote, segue quando produto vai pra gôndola e continua dentro da casa do consumidor. Grosso modo isso é uma empresa voltada para experiência do consumidor, a mesma lógica se aplica para os serviços.

Mapping the Disciplines of User Experience Design by envis precisely GmbH (Thomas Gläser, Markus Jaritz & Philipp Sackl) in 2013, based on the work of Dan Saffer.

O marketing está fazendo o seu trabalho, se apropriando muito bem dos dados que o digital fornece. Minha reflexão é com os profissionais da área de user experience design. Na era onde estamos 24/7 conectados na internet é normal que profissionais das mais diversas áreas do digital sejam ativados como os detentores do bálsamo para as angústias do consumidor, mas cuidado, pode ser uma armadilha. Experiência do usuário deve ser a espinha dorsal do negócio, se na empresa que você trabalha isso se banalizou, “UX” como tendência vai passar e você ficará obsoleto com o termo.

Sr. Meeseeks, criaturas azuis que existem apenas para resolver pequenos problemas. Uma vez que sua tarefa seja resolvida, as criaturas instantaneamente desaparecem da existência. https://en.wikipedia.org/wiki/Meeseeks_and_Destroy

Vivemos um momento de grandes oportunidades no mercado digital aperfeiçoe-se e aproveite; mas tratar a área digital dentro da empresa como a vanguarda da UX é arrogância. Não cometa este erro.

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