UX Writing para chatbots: princípios fundamentais

Metodologias que podem nos ajudar a construir diálogos mais humanizados para chatbots.

Vitoria Avendaño
UX Collective 🇧🇷

--

Robô vintage de brinquedo.
Fonte: Rock’n Roll Monkey / Unsplash

Os chatbots são softwares baseados em regras e/ou inteligência artificial que permitem conversas e interações com humanos através de aplicações de mensagens.

Chatbots baseados em regras são relativamente limitados, pois obedecem a comandos pré-estabelecidos e fluxos de navegação bem delimitados.

Já os chatbots baseados em inteligência artificial conseguem aprender e entender a linguagem natural. Esses chatbots são consideravelmente mais precisos e se tornam mais inteligentes conforme as pessoas os utilizam.

Segundo a CX Trends, pesquisa publicada pela startup Octadesk, 70% das empresas entrevistadas já possui sistemas de atendimento virtual, enquanto 35% pretende investir na implementação de chatbots.

Entre os consumidores, 59% afirmaram já ter conversado com bots, e 40% relataram experiências positivas.

Gráfico que mostra as experiências dos clientes com chatbots. Descrição acima.
Fonte: CT Trends

Sendo assim, há uma tendência de crescimento contínuo no mercado de chatbots nos próximos anos, e com isso uma necessidade crescente de pensar as melhores práticas para melhorar as experiências dos usuários nesse meio.

Levando isso em conta, esse artigo pretende abordar a experiência do usuário (UX) com foco principalmente no UX Writing e em conceitos fundamentais para o desenvolvimento de bons fluxos conversacionais, como: arquitetura da informação, usabilidade, as Heurísticas de Nielsen, as Máximas de Grice e a predição. Espero que goste!

O papel do UX

User Experience (UX) ou Experiência do Usuário é um ramo que se dedica a estudar as melhores maneiras de aprimorar a forma como o usuário interage com determinado produto ou serviço. O UX está sempre relacionado a um design responsivo e a formas organizadas e intuitivas de dispor informações.

No livro O Design do Dia a Dia, o professor Don Norman descreve um fenômeno que ficou conhecido como As Portas de Norman. Esse fenômeno se dá quando o design pede para que o usuário faça o oposto do que é esperado para o funcionamento correto do produto, causando assim uma perda na qualidade da experiência do usuário.

É como quando puxamos uma porta que só funciona caso a empurremos. Em geral, quando isso ocorre há erros no design que desconsideram o comportamento intuitivo do usuário. Don Norman dá uma ótima explicação sobre essa temática neste vídeo (não esqueça de ativar as legendas!).

Entre as práticas de UX há o que conhecemos como discoverability, que é a habilidade da descoberta. Quando o usuário se depara com um produto, uma estratégia eficiente de UX permitirá que o usuário descubra o que deve ser feito intuitivamente. Isso é o que acontece quando abrimos o site da Netflix e sabemos exatamente onde clicar para fazer nosso cadastro, por exemplo.

Outro ponto importante abordado no vídeo é o feedback. O produto deve sempre indicar de alguma forma se as ações do usuário estão corretas ou não. Em produtos digitais, é comum a existência de mensagens de erro, que devem não só informar sobre o erro, mas também apresentar soluções possíveis para o usuário.

Dois balões de conversa, um marcado com um X para indicar uma fraseologia incorreta e um com um sinal de certo para indicar uma fraseologia correta. Descrição das fraseologias abaixo.
Fonte: Cappacita, 2021.

No primeiro exemplo, a frase: “Ocorreu um erro. Número inválido” não explica bem qual foi o erro e nem incentiva o usuário a nenhuma ação, além de não fornecer nenhuma dica de como pode-se evitar esse erro novamente.

Já no segundo exemplo, temos a frase:

“Hm… esse CPF parece inválido. Você pode tentar novamente, por favor? Dica: digite apenas os 11 dígitos do CPF no campo abaixo, sem pontos ou espaços.”

Aqui o usuário é incentivado a tentar novamente, além disso, o bot dá uma instrução que pode ajudar o usuário a não cometer enganos que podem gerar o mesmo tipo de erro mais uma vez.

E o UX Writing?

“A redação UX é o processo de criação de palavras em experiências de usuários (UX — User Experience): títulos, botões, rótulos, instruções, descrições, notificações, alertas e controles vistos pelas pessoas.”

— Torrey Podmajersky

Como descrito acima, UX Writing é a redação estratégica para a experiência do usuário. Sendo assim, o UX Writer é o profissional responsável por definir os textos de uma interface, de modo que estes auxiliem no melhor uso possível da interface por parte do usuário.

Muitas vezes, esses textos precisam comunicar muita informação de forma extremamente concisa (como é o caso das microcopies). Logo, as características principais de uma boa redação UX são: clareza, concisão e consistência; sendo que estas devem promover orientação e diálogo com o usuário.

Texto de UX Writing no aplicativo do Uber. Descrição abaixo.
Fonte: Aplicativo do Uber, 2021.

No aplicativo do Uber, podemos ver o título “Aprimore sua experiência de início de viagem”, seguido pelo texto “Sua viagem fica mais rápida e tranquila com a posição exata do local de partida”, e o link “Compartilhar localização”, indicando para que o usuário ative a sua localização. Informar o contexto, explicar claramente os benefícios para o usuário e indicar uma ação, tudo isso faz parte de uma boa redação para experiência do usuário.

Diretrizes para o desenvolvimento de diálogos

Os Diálogos de Platão são a forma com a qual o filósofo resolveu presentear o mundo com suas filosofias e conhecimentos diversos. Do mesmo modo, os chatbots são programados para transmitir informações para o usuário em forma de diálogo.

Apesar de vivermos nossas vidas baseando-nos nos diálogos que travamos com nossos familiares, amigos e conhecidos, desenvolver diálogos artificiais é uma ciência complexa que envolve diversas áreas do conhecimentos, como a linguística, a psicologia, o design, e muitas outras.

É por isso que iremos estudar um pouco sobre alguns dos principais fundamentos para a criação de diálogos humanizados para os chatbots e entender as melhores maneiras de aplicar essas ferramentas.

Arquitetura da informação

“A arquitetura da informação é a prática de decidir como organizar as partes de alguma coisa de modo a torná-la compreensível.”

— Information Architecture Institute

Em resumo, a arquitetura da informação diz respeito a tudo aquilo feito para encaixar a informação em uma estrutura que facilite a compreensão e seguir lógica simples que favoreça os tipos de interação.

No livro Information Architecture for the World Wide Web, os autores afirmam que a arquitetura da informação se dá pela interdependência entre três pilares:

  • conteúdo (textos, imagens, gráficos, áudios, estrutura, volume de informação);
  • usuários (persona, necessidades, comportamentos, experiência de uso, tarefas que quer executar);
  • contexto (modelo do negócio, objetivo do projeto, metodologias e tecnologias utilizadas, recursos, restrições).

Logo, para que a arquitetura da informação cumpra com seu papel, é necessário que as informações sejam dispostas considerando o desenvolvimento de um conteúdo para o usuário que esteja em sintonia com o contexto dele, da empresa e do projeto como um todo.

No contexto dos chatbots, é fundamental que haja uma arquitetura da informação eficiente para que o usuário tenha acesso às informações de forma orgânica e lógica no decorrer do fluxo conversacional.

Usabilidade

Usabilidade é o que utilizamos para tornar a arquitetura da informação agradável. Um dos mais importantes nomes no estudo de Usabilidade é Jakob Nielsen, cientista da computação que publicou diversos livros tratando sobre este assunto.

No livro Engenharia da Usabilidade de 1993, Nielsen diz que a Usabilidade pode ser definida em 5 componentes, são eles:

  • Facilidade de aprendizado: o usuário consegue completar tarefas básicas sem muitas dificuldades na primeira vez em que acessa a interface?
  • Eficiência de uso: após aprender a utilizar a interface, o usuário leva muito tempo para concluir as tarefas?
  • Facilidade de memorização: se o usuário fica algum tempo sem utilizar a interface, ele consegue utilizá-la sem dificuldade quando retorna?
  • Erros: os erros são cometidos em grande quantidade, são graves ou de fácil solução?
  • Satisfação subjetiva: é agradável?

Esses componentes podem ser muito úteis no desenvolvimento de um bom diálogo, pois buscam encurtar o caminho para uma boa experiência.

As Heurísticas de Nielsen

Uma ferramenta interessante para garantir a usabilidades são As Heurísticas de Nielsen, desenvolvidas em 1994 também pelo cientista Jakob Nielsen.

O objetivo principal das heurísticas não é servirem como uma regra geral do design de interfaces e da usabilidade, mas de funcionarem como diretrizes que visam diminuir a carga cognitiva do usuário permitindo uma navegação menos exaustiva na interface.

A seguir, vamos conhecer um pouco sobre cada uma das heurísticas:

  1. Visibilidade do sistema: o usuário precisa saber o que está acontecendo, por isso é necessário que se envie feedbacks durante as operações. Exemplo de aplicação em interfaces digitais: mostrar quantos passos faltam para concluir uma determinada etapa de uma operação ou mensagens para confirmar a finalização de um procedimento;
  2. Equivalência entre mundo real e sistema: deve falar como o usuário fala, sem termos técnicos ou jargões típicos de uma área específica caso seu usuário não tenha familiaridade com estes;
  3. Controle e liberdade do usuário: a interface deve permitir que o usuário faça correções, volte e reinicie diálogos. Exemplos: botões visíveis para “voltar”, “cancelar” ou “desfazer”;
  4. Consistência: tudo deve ser padronizado, um termo deve sempre significar a mesma coisa. Exemplos: tamanho de fontes e títulos devem ser sempre os mesmos, os botões devem ter sempre o mesmo tamanho, cores e formas;
  5. Prevenção de erros: sempre pedir confirmação ou dar a oportunidade de refazer as ações para todas as tarefas críticas. Exemplo: antes de deletar algum conteúdo, mostrar mensagem pedindo que o usuário confirme tal ação;
  6. Reconhecer ao invés de lembrar: o usuário não precisa lembrar de informações anteriores, é mais fácil de navegar caso ele precise apenas reconhecer padrões, logo o contexto deve fornecer dicas que auxiliem na navegação;
  7. Flexibilidade e eficiência: o sistema deve ser ágil para usuários experientes e flexível para usuários leigos, e também permitir automatizar tarefas frequentes. Exemplo: muitos programas possuem atalhos no teclado para os usuários mais experientes;
  8. Estética e design minimalista: recursos extras podem prejudicar a atenção do usuário, por isso os diálogos não devem conter informações irrelevantes;
  9. Auxiliar quando houver erros: quando há um erro, o sistema deve ajudar o usuário explicando o erro e oferecendo uma solução. Exemplo: “senha incorreta, deve conter no mínimo 8 dígitos”;
  10. Ajuda e documentação: pode ser necessário usar documentação; informações desse tipo devem ser fáceis de pesquisar, focadas na tarefa do usuário, listar as etapas para executar e não ser grandes. Exemplo: guias para ajudar o usuário durante seu primeiro cadastro explicando a função de cada botão.

Seguindo essas diretrizes, podemos garantir uma experiência mais humanizada para os usuários e, como consequência, fornecer mais eficiência na execução das tarefas solicitadas.

Máximas de Grice

Além das Heurísticas, podemos considerar as Máximas de Grice importantes aliadas para garantir a boa experiência do usuário.

Em 1982, Paul Grice conceituou o Princípio da Cooperação baseando-se no surgimento da vida em comunidade e em como a capacidade de conversar e cooperar foi essencial para garantir a continuidade da espécie como nós a conhecemos.

Este princípio é um dispositivo de conversação no qual os falantes da língua supõem que suprem as lacunas presentes no enunciado. Esse dispositivo se baseia nas máximas conversacionais, também conhecidas como Máximas de Grice.

Vamos entender um pouco sobre cada um desses princípios a seguir:

  • Máxima da Qualidade: sempre se fala a verdade ou aquilo que pode ser apoiado por evidências;
  • Máxima de Quantidade: as informações devem ser fornecidas objetivamente, sem falar mais do que o necessário;
  • Máxima de Relevância: as informações fornecidas devem ser relevantes para a dúvida ou expectativa do usuário;
  • Máxima de Modo/Maneira: deve-se evitar ambiguidade, preferindo clareza e brevidade.

Durante a elaboração dos diálogos para chatbots é importante seguir as Máximas de Grice se quisermos tornar a conversação com o usuário menos robótica e mais próxima das interações entre humanos.

Predição

Já o conceito de predição é relativamente simples, mas extremamente necessário para garantir uma boa experiência para o usuário. Trata-se de anunciar com antecedência o que acontecerá em seguida.

Abaixo vemos alguns exemplos de situações em que é recomendada a predição de uma etapa:

Descrição abaixo.
Fonte: Cappacita, 2021.

A predição é utilizada para evitar a frustração do usuário em determinadas situações do processo, como na primeira mensagem do exemplo onde o bot anuncia que pode-se baixar o PDF do documento, assim o cliente fica ciente do tipo de serviço que ele consegue obter através do chatbot.

Da mesma forma, ocorre na segunda mensagem, onde o bot informa que vai direcionar o cliente para um colaborador, isso evita que o cliente se frustre por ficar sem resposta por alguns instantes, pois sabe que logo será atendido.

Além disso, a predição também é uma forma de dar instruções, como no caso da terceira mensagem, onde o bot dá um exemplo de como deve ser o código da fatura que o cliente digitará em seguida.

Considerações finais

Os princípios citados neste artigo não devem ser vistos como regras absolutas, mas como ferramentas desenvolvidas a partir de anos de estudo que podem ser muito úteis na tarefa de tornar a vida do usuário mais fácil durante a utilização do chatbot.

Se você é UX ou também faz parte do multiverso dos chatbots, fique à vontade para deixar aqui embaixo uma dica que você considera essencial para o bom desenvolvimento de árvores conversacionais e dos chatbots como um todo.

E se tiver interesse, pode ler meus cases de UX Writing para chatbots: Boutique Draculea e Banco Tupã.

Obrigada por ler até aqui! 😉

O UX Collective doa US$1 para cada artigo publicado na nossa plataforma. Esse artigo contribuiu para a World-Class Designer School: uma escola de design gratuita de nível universitário, com foco em preparar designers africanos jovens e talentosos para o mercado de produtos digitais local e internacional. Construa a comunidade de design na qual você acredita.

--

--