UX Collective 🇧🇷

Curadoria de artigos de UX, Visual e Product Design.

Follow publication

PARTE I DE III

Vieses cognitivos no design

Entendendo como economia comportamental entra no design.

Richard
UX Collective 🇧🇷
7 min readSep 20, 2023

--

Ilustração contendo uma vaca sendo abduzida por um cérebro em um disco voador.
Sendo abduzido pela ciência comportamental

TL;DR Existem mais de 200 vieses cognitivos conhecidos, e esse artigo não se propõe a listar todos. Quero apresentar uma visão sistêmica desse tema, ao invés de uma lista dos “10 vieses que você pode usar em seu próximo website”, pois considero que esta seja muito mais útil e fácil do que tentar memorizar mais de 200 vieses sem nenhuma organização ou lógica entre si.

Sim, eu quebrei esse artigo em três partes por conta de um viés, mas eu te explicarei no final deles o motivo disso (ops, usei outro 🙊).

Vieses não são necessariamente ruins

Nosso cérebro é um órgão incrível que apesar de pesar em média 2% do nosso peso corporal contribui em até 20% do nosso gasto calórico¹, isso acontece porque tomamos milhares de decisões durante o dia, estima-se que cerca de 30.000, para alguém que dorme oito horas diariamente isso dá mais que 1.800 decisões/hora.

Sabendo de tudo isso fica mais fácil imaginar que o cérebro possua mecanismos que otimizem nosso consumo de informação, tomada de decisão e memorizando nossas experiências e preferências.

E é exatamente isso que vieses cognitivos fazem, mas isso possui limitações que causam erros sistêmicos, previsíveis e inconscientes.

Vieses cognitivos são então regras, atalhos e simplificações que nosso cérebro usa para perceber, agir e memorizar tudo aquilo que experienciamos, mas que acaba gerando algumas falhas sistêmicas bastante úteis em diversos aspectos de se entender.

"Vieses cognitivos são então regras, atalhos e simplificações que nosso cérebro usa para perceber, agir e memorizar tudo aquilo que experienciamos…"

Preciso admitir, iniciei no design através do CRO (conversion rate optimization) em meados de 2000, em outras palavras eu otimizava sites unicamente para o ganho financeiro, sem pensar muito experiência dos usuários, algumas coisas que usávamos naquela época pode ser considerado hoje como padrão enganoso de design.

Trabalhar daquela forma me trouxe algumas algumas coisas úteis, primeiro a falar a linguagem do negócio quando fazemos projetos digitais, e uma mentalidade de buscar conversões e crescimento de negócio que acabou ficando por toda a vida, mesmo depois eu equilibrando com a experiência do usuário.

Parte dos “truques” consistiam em reduzir o ruído desnecessário do usuário, aumentando o contraste para aquilo que importava, buscavam aumentar maior confiança dos usuários (por meio de testemunhos, marcas e outros sinais de confiança) e sempre que possível adicionar mais pressão em cima de uma determinada oferta, o que geralmente é feito utilizando alguma variação de escassez.

Eu utilizava muita coisa, mas não fazia ideia da base teórica de nada disso, o estalo surgiu quando li este artigo de Richard Thaler, onde ele discutia o efeito padrão sendo utilizado como opt-out na doação de órgãos e como aquilo havia aumentado as doações.

Um banner que utiliza um recurso de opt-out (exige ação do usuário) mas com texto invertido começando pelo não fazer algo, influenciando o usuário a não realizar ação e se comprometer.
Questionável: Um opt-out com texto invertido para confundir o usuário

Bom, se um componente de opt-out criando um padrão é capaz a aumentar tanto² a capacidade das pessoas em doarem seus órgãos, é exatamente isso que eu deveria estudar, e encontrei outros designers com ideais parecidas, buscando aplicar conhecimentos da ciência comportamental no design.

Deixando claro: Opt-o quê?

Opt-in: Escolher participar ou dar permissão voluntariamente. É como dizer “sim, quero”.

Opt-in: Escolher não participar ou retirar-se voluntariamente. É como dizer “não, não quero mais”.

Ou se você é mais visual:

Explicação de Opt-in e Opt-Out.

Voltando ao tópico…

O que nosso cérebro percebe é que padrões são mais seguros, talvez porque sabemos que a maioria segue o padrão, ainda mais quando sair do padrão exige mais esforço.

Richard de Jesus palestrando sobre design comportamental no Google Brazil
Esse sou eu, palestrando sobre o tema em 2016 no Google Brasil (Ah os anos!)

Eu ainda não sabia muito, mas estava empolgado, com os resultados e o próprio aprendizado obtido, tanto que acabei palestrando no Google Brasil sobre o tema em 2016 com o framework de Aaron Otani, baseado em:

Framework de Aaron Otani de design persuasivo

A ideia é gerar uma mudança de comportamento por uma intervenção, que pode ser um produto, serviço ou funcionalidade de produto, uma visão bem mais ampla que somente otimizar websites, mas, ao mesmo tempo, rasa porque não entendia os mecanismos que tornam isso possível.

Foi aí que eu com o famoso livro “Influence, the Psychology of Persuasion”, que no Brasil ficou conhecido simplesmente como “As armas da persuasão”

Que fala respectivamente de:

  1. Reciprocidade = Gentileza gera gentileza, essa é a programação humana³
  2. Escassez = Valorizamos mais as coisas quando percebemos que elas estão se esgotando⁴
  3. Autoridade = As pessoas tendem a obedecer figuras de autoridade⁴
  4. Compromisso e Consistência = Pessoas gostam de permanecer consistentes com aquilo que falam e pensam
  5. Prova Social = Tendência a tomar decisões com base em um comportamento “modelo”⁵
  6. Afeição = Pessoas preferem dizer sim para aqueles que gostam.

Robert Cialdini, escreveu o livro com uma linguagem fácil, sem esquecer da teoria para cada um desses vieses cognitivos, chamados por ele de “gatilhos mentais” trazendo a lógica por trás de cada um deles como poderiam ser explorados no mundo dos negócios de diversas formas.

O livro tornou-se best-seller, não só no Brasil como globalmente, e fez pegar o nome “gatilhos mentais” de forma bastante forte, principalmente depois do “Product Launch Formula”, criado por Jeff Walker, mas difundido no Brasil pelo Érico Rocha como “Fórmula do Lançamento”.

Percebeu como isso foi se construindo?

Isso formou uma legião de info-produtores e pessoas que trabalham com marketing digital e reduzia qualquer truque para a gatilhos mentais, similar ao que hoje fazem com a palavra “hack”.

Isso gera um problema, principalmente para encontrar conteúdo.

Comecei a colecionar esses vieses cognitivos, no processo percebi que alguns eram muito semelhantes em contextos diferentes, até que em 2016 aparece algo muito interessante:

Codex de Vieses Cognitivos.

Sim, alguém teve o trabalho de não apenas reunir a maior quantidade de vieses cognitivos possíveis (tem 188 nessa lista), mas de agrupá-los conforme o problema que resolviam, obrigado Buster Benson pelo conteúdo e John Manoogian III, por colocar isso visualmente.

Problemas, Frameworks e vieses

Vieses cognitivos resolvem problemas, aumentando nossa performance cognitiva, na sobrecarga de informação, na falta de sentido, no tempo de reação e memorização do mundo.

O modelo que divide todos os vieses cognitovs em 4 problemas

Segundo o modelo de Benson você pode pensar então em 4 grandes problemas:

  1. Muita informação: Precisamos filtrar aquilo que observamos, isso nos ajuda a evitar tudo aquilo que não faça diferença em nossas vidas.
  2. Falta de Significado: Existe muito ruído informacional, por isso precisamos rapidamente encontrar padrões, do contrário não saberíamos no que nos focar.
  3. Tempo de reação: Agir rapidamente com aquilo que se tem de informação pode ser a diferença entre viver ou morrer, por isso avaliamos as situações com uma série de regras com aquilo que já sabemos.
  4. Memória: Não conseguimos lembrar de tudo, então aquilo que memorizamos também é filtrado, resumido, editado e armazenado por contexto.

Vamos então seguir um pequeno recorte:

Um dos frameworks para resolver o problema de velocidade de reação é:

"Para terminar coisas, demos a complementar coisas em que investimos tempo e energia."

Temos alguns vieses interessantes aqui, vou destacar o efeito IKEA, efeito do custo afundado e efeito dotação.

  • Efeito IKEA: Nosso esforço valoriza nossa percepção de algo.
  • Efeito do Custo Afundado: Nosso esforço em algo nos prende a algo, mesmo que seja ruim.
  • Viés de Posse: Estamos mais dispostos a valorizar coisas que sentimos ser nossas.

Sacou a semelhança?

Isso significa que você não precisa decorar mais de 200 vieses cognitivos, mas entender que problema está tentando resolver e daí começar a pensar, e daí usar os vieses que resolvem esse problema e criar experimentos baseado em hipóteses deles.

  • Exemplo: Quero aumentar as conversões nessa landing page de produto
  • Hipótese: Os usuários não percebem valor no produto
  • Framework: Posso criar experimentos baseados em vieses que respondem os problemas de falta de significado como:

Viés de Autoridade, Viés de Automação, Prova Social, Efeito Halo, Viés da sobrevivência, entre outros, e começar a experimentar coisas como:

  • Hipótese 1: Um depoimento de um reconhecido especialista pode aumentar a percepção de valor? (Prova Social)
  • Hipótese 2: A figura de um profissional de uniforme, poderia gerar maior valor na oferta? (Autoridade)
  • Hipótese 3: Utilizar uma marca não relacionada, mas muito querida pelo público pode validar a percepção do produto? (Efeito Halo)

Claro que cada um desses insights pode ter infinitas variações cujos resultados podem diferenciar por pequenos detalhes.

Prova Social, por exemplo, você poderia usar nas formas de:

  • Testemunhos
  • Número de clientes
  • Empresas compradoras
  • Destaque na Mídia
  • Número total de pedidos
  • Faturamento Anual
  • Prêmios

E imagine que para cada um desses você tem infinitas possibilidades de abordagem com provavelmente resultados diferentes.

🔗 Acesse aqui a parte 2/3.

Referências

  1. Appraising the brain’s energy budget — Marcus E. Raichle and Debra A. Gusnard (2002); Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America
  2. Moseley, A; Stoker, G (2015) — Putting public policy defaults to the test: an experiment in organ donor registration, International Public Management Journal
  3. Jacob, Celine (2015) — Effect of an unexpected small favor on compliance with a survey request.
  4. Worchel, Stephen (1975) — Effects of supply and demand on ratings of object value
  5. Bickman, L. (1974). The social power of a uniform. Journal of Applied Social Psychology
  6. Samuel M. McClure (2004) Neural Correlates of Behavioral Preference for Culturally Familiar Drinks

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

--

--

Written by Richard

Product Designer, obsessed with behavioral science and using it to create profitable experiences.