Você faz design de serviço ou design para serviço?
Os desafios para encontrar a raiz de problemas complexos.

Querido designer, vou fazer algumas perguntas e pretendo responder algumas, mas outras deixo como reflexão para você.
- O que acontece se todos os seus mapeamentos não forem suficientes para compreender um problema que esbarra na “cultura da empresa”?
- O que fazer ao descobrir, com evidências, que o principal problema do serviço é como o produto todo está estruturado?
- Uma mudança de regulamentação ou quebra de contrato de um fornecedor, pode destruir todo um produto?
- Já parou para pensar sobre a camada do serviço onde os problemas estão?
Pois bem, vou tentar explicar um pouco sobre as camadas de visualização de um serviço e seus desafios para nós designers de serviço.
Meu intuito com esse artigo é
- Refletir o alcance da capacidade de abstração das ferramentas mais tradicionais do design de serviço.
- Entender as camadas do serviço e onde os problemas começam a esbarrar com estruturas maiores que o próprio produto.
- Propor uma mudança prática na sua rotina de design, que ajudará a compreender problemas e oportunidades em diferentes níveis de abstração.
Saímos de uma economia baseada em produtos para uma economia do acesso ao serviço
Já alerto, não sou de escrever muito então vou tentar ser prático mesmo esse sendo um assunto conceitual. Não vou voltar em assuntos já batidos sobre como nosso mundo mudou nas últimas décadas e da importância do design de serviços em toda essa mudança, ou querer mostrar cases de empresas gringas bem-sucedidas ou enaltecendo CEOs com ideias brilhantes. Vou falar de conceitos e desafios que podem ajudar na prática do design de serviços nas empresas. E para começar, preciso criar um setup para evitar grandes saltos lógicos e tentar me fazer mais compreendido.
O que é serviço
O termo “Serviço” que trato nesse texto é baseado na Lógica de Serviço-Dominante de Vargo e Lusch (2004), que declaram uma mudança definitiva de uma perspectiva de produto para uma perspectiva centrada na interação entre o consumidor e o contexto do serviço. Essa lógica afirma que as empresas não podem entregar valor de forma independente, mas que apenas podem oferecer propostas de valor. Isso implica que as empresas, e os designers que trabalham nelas, não têm o controle no mesmo nível que tinham sobre os produtos. Mas também abre a possibilidade de visualizar os atores do serviço e onde estão, como as trocas e arranjos entre eles e como tudo isso está impactando na percepção de valor pelo consumidor.
O que é design de serviço
Quando falo de “Design de Serviço”, ainda na Lógica de Serviço-Dominante, me refiro aos processos de coordenar as trocas entre atores, instituições e arranjos para potencializar a cocriação de valor. E mesmo que muitos papéis possam assumir essas atribuições em diferentes contextos, para não ficar mais confuso, vou dizer que o “Designer de Serviço” é o profissional que utiliza métodos baseados na empatia, colaboração e experimentação de forma escalável e recorrente para moldar a maneira como o consumidor vê o valor, papel esse que consequentemente se torna um excelente agente de inovação. Em alguns casos, o Product Manager é o responsável por esse papel dentro do seu contexto do serviço.
O lado oculto do serviço
Nós, designers de serviço, estamos habituados a usarmos ferramentas como Blueprints, casos de uso, jornadas de usuário, entre outros mapeamentos, que unidos aos métodos de gestão de produtos digitais, nos dão um certo nível de controle sobre o que está diretamente ligado às interações do serviço com os usuários. Essas abordagens que compõem o playbook dos designers de serviço, em sua maioria, são usadas para definir um “processo de produção” do serviço em uso, mas que nem sempre são eficientes para mostrar problemas que estão em camadas estruturais e estratégicas, que constituem o arranjo final do serviço.
Quando se trata dos processos de interação do serviço e usuário, os designers e a galera de produto que atuam em diferentes camadas do serviço são atores difusos muito importantes para a evolução incremental do serviço. Somos capazes de identificar com métodos e dados quando uma etapa do serviço não anda bem e conseguimos rapidamente bolar um plano de ação para melhorar resultados específicos da jornada. Porém, quantas vezes nos deparamos criando funcionalidades que não solucionam o problema raiz daquela interação? Quantas vezes vemos decisões sendo pautadas pela restrição de evitar custos a curto prazo ao invés de mirar em grandes retornos de longo prazo? Quantas vezes vemos problemas de comunicação entre áreas ou processos desencontrados que saem da alçada do produto e que implicam diretamente na evolução do serviço? Ou pior, quando vemos que o produto é o maior detrator da proposta de valor?
Isso me faz refletir se estamos fazendo design de serviço capaz de potencializar a cocriação de valor, independente de como esse arranjo aconteça, ou se estamos fazendo design para serviço, nos restringindo ao escopo do roadmap de produto, agindo como mapeadores de necessidades em uma “linha de montagem” de novas funcionalidades incrementais.
O lado oculto do serviço é onde os problemas mais complexos se encontram, porém é onde a inovação acontece de verdade.
E como disse que seria prático, vou falar sobre como essas reflexões que levantei até aqui esbarram na forma como usamos as ferramentas de design de serviços no nosso dia-a-dia.
As três camadas de abstração de um serviço
Vamos separar a visão do serviço em três partes codependentes, que juntas formam o arranjo final do serviço, nos dando uma visualização da complexidade de um serviço em todos os seus níveis.

Camada operacional
Esta camada de visualização facilita e apoia as interações entre serviço e usuário. É onde está tudo que o blueprint de serviço é capaz de mapear, começando pelas interações e atores de front e back-stage e indo até as camadas de suporte que mantêm o serviço em pé, como o próprio produto, as áreas ligadas à operação, planejamento, marketing, TI, monitoramento, integrações, todas as ferramentas de back-office e por aí vai…
Muito comum que 99% dos nossos esforços como designer de serviços seja focado em eliminar frustrações e criar melhorias para o usuário a partir desse ponto de vista. E pode funcionar para a maioria dos casos, pois alguns procedimentos podem ser bastante rígidos e precisam dos pontos de contato para garantir padrões de qualidade desejados e o produto precisa de melhorias contínuas. As mudanças no serviço feitas nessa camada são sentidas a curto prazo e são geralmente fáceis de serem medidas.
Porém, nem todos os problemas e/ou soluções estão nesta visão do serviço ou as soluções possíveis para essa visão não são satisfatórias para uma mudança efetiva na percepção de valor. O que fazer? Leve o desafio para outro nível de abstração, um que vai te fazer enxergar novas possibilidades de trabalhar em prol de potencializar a cocriação de valor.
Então vai a dica: Antes de fazer qualquer mudança no serviço, tenha em mente a proposta de valor e quais são os desejos e necessidades dos clientes. Assim, você vai conseguir ir além de viabilizar interações incrementais e começar a debater soluções estruturais e realmente inovadoras.
Camada Infraestrutural
Essa visão gera a base a qual a criação de valor se sustenta, através das atividades de mediação, interpretação e articulação sobre como as interações acontecem. Isso também inclui atividades de infraestrutura básicas como os modelos escolhidos para a operacionalização das etapas de design, desenvolvimento e entrega do serviço. Essa base pode consistir em plataformas digitais de gestão, espaços físicos, espaços de inovação, estrutura dos times, serviços de informação, logística, entre outros que apoiam um alinhamento entre contextos, culturas e rotinas.
Alguns desafios podem esbarrar em camadas infraestruturais da empresa e ao contrário da visão operacional, os procedimentos são abstratos/indefinidos e seus pontos de contato são informais. As mudanças aqui são de médio/longo prazo e seus impactos no serviço são complexos de serem medidos. Porém estamos falando de mudanças capazes de impulsionar a inovação de forma radical.
Infelizmente, as mudanças que acontecem aqui muitas vezes são reativas, feitas após um resultado inesperado ao invés de pertencerem a um plano de evolução da proposta de valor através da melhorias infraestruturais, assim como em um roadmap de produto. Um exemplo disso é a troca da liderança de uma equipe por causa de resultados insatisfatórios ou a mudança da estrutura de uma diretoria toda causada por uma promoção. Casos como esses são capazes de alterar diretamente o valor do serviço.
Então fica a dica: Como designer de serviços, entenda sobre os atores que são integradores de recurso para a entrega de valor. Faça mapas de stakeholders, de fornecedores, de processos e esteja conectado com o modelo de negócio e no organograma que compõe os atores internos. Dessa forma, você vai conseguir conectar os problemas encontrados no blueprint com as estruturas que suportam o serviço, podendo propor futuros papéis e fluxos que potencializem o serviço.
Camada de governança
A última camada de abstração do design de serviço é responsável por identificar estruturas e competências que integram o ecossistema do serviço. Ela é capaz de estender e escalar as soluções de um contexto isolado para um contexto maior. Parte das atividades dessa visão é conectar esses integradores de forma a apoiarem um ecossistema de inovação saudável para o serviço.
Na maioria das vezes essa é uma visão restrita apenas aos executivos de alto escalão da empresa, que precisam defender uma evolução de longo prazo para a estratégia do serviço, como a expansão dos negócios para outras localidades, criar novas linhas de oferta, explorar novos segmentos de clientes, etc.
Nessa visão, os agentes institucionais e seus papeis na proposta de valor raramente são mapeados como partes inerentes do serviço, o que torna essa camada completamente invisível no blueprint. Com a visão dessa camada somos capazes de alcançar a inovação disruptiva ou o fiasco definitivo da sua oferta. Alguns desafios podem exigir que o designer de serviço pense de forma mais escalável que a própria capacidade atual do produto, principalmente quando o serviço tem um amplo impacto de transformação social inerente ao seu valor. Por exemplo, o que acontece com uma empresa de importação de tintas se o principal fornecedor fechar as portas? O que acontece se uma mudança de legislação passa a regular parte da sua operação, tornando tudo mais burocrático?
Então fica a dica: Nesses casos as ações devem ser elaboradas a partir de um plano de inovação contínuo e escalável, com modelos colaborativos que unam as visões de vários integradores, voltados para elaboração do próximo passo rumo ao que ainda não existe. O designer de serviços desempenha o papel de visualizar e esclarecer os elementos do ecossistema de inovação do serviço, evidenciando as ligações de confiança mútua e de suporte financeiro, que são essenciais para a sustentabilidade de soluções inovadoras.

Aumente suas interações com os atores do serviço (A famosa parte prática)
Agora é hora de você me questionar: “Certo, já sei de tudo isso, mas como faço para sair da camada mais ‘operacional’ do design de serviço e começo a provocar melhorias infraestruturais e de governança? E precisa ser de forma rápida e sistemática, sem atrapalhar minha rotina que já é caótica, ok?”
Fora as dicas que dei, tenho uma proposta ainda mais prática para passar. Mas antes gostaria de falar que essas 3 camadas que descrevi, não são as únicas formas de visualizar um serviço e que existem várias ferramentas, métodos que serão tão úteis quanto. Certo?
Faça prototipagens rápidas
Sugiro a prototipagem como parte de um processo contínuo de construção de relações e a participação de diversos atores. A prototipagem, como já sabemos, vai muito além de testes de usabilidade e conceitos de interfaces. Entendendo a prototipagem como uma ferramenta coringa de design de serviço somos capazes de testar, explorar ideias e apoiar a participação, podendo ser parte crítica para da uma estratégia de inovação. Acredito que as interações de testes de protótipo gerem mais insumos iniciais para enxergar possibilidades no serviço que outros métodos mais tradicionais de desenvolvimento de serviço.
Isso porque a prototipagem é uma ferramenta visual, narrativa e provocativa. Um “provótipo” capaz de destacar oportunidades, facilitar discussões e/ou enfatizar desafios e conflitos estruturais e de governança de forma orgânica, cocriativa e às vezes, até divertida. Esses protótipos podem ser constituídos por ferramentas de design simples e conhecidas, como storyboards, fluxogramas, jornadas e qualquer outra ferramenta que possa apoiar visualmente e materialmente o diálogo ou testar ideias com diferentes atores.
Framework Rapid Testing
Esse framework é implementado na estrutura de projetos ou em uma rotina de trabalho recorrente de design como design sprints. O seu objetivo é envolver o maior número de agentes possíveis, para mitigar riscos e encontrar novas oportunidades. Geralmente é usado como parte dos métodos de UX, mas pode ser facilmente encaixado no contexto de design de serviços. E sua prática é bem simples, basicamente criar pontos de contato com os atores do serviço através de protótipos com diferentes objetivos e níveis de fidelidade.
Unir esse framework aos processos de design estratégicos pode gerar insumos muito valiosos para mapear o serviço de forma mais completa, além de apresentar possibilidades inovadoras muito mais rápidas do que outros métodos.

Para pensar em melhorias realmente inovadoras, devemos considerar as diferentes abstrações onde o serviço permeia. Dessa maneira podemos evitar agentes não mapeados que possam ser detratores invisíveis da proposta de valor. E que se isso não está sendo mapeado por ninguém, ao perceber problemas estruturais ou ecossistêmicos do serviço, pode ser tarde demais.
Vejo que a maioria das ferramentas e métodos de design de serviços podem ser usadas em todas as visões de serviço que compartilhei aqui, o que vai determinar sua efetividade inovadora é por qual motivo essas ferramentas estão sendo usadas.
Mas considero impossível uma inovação real sem a participação efetiva, constante, cocriativa e colaborativa dos diversos atores que fazem parte do ecossistema do serviço, principalmente da visão do consumidor final em discussões onde a proposta de valor é pautada.
A prototipagem pode ajudar a provocar a inovação de maneira dinâmica, quando aplicada de forma constante e durante todo o processo de design.
Como designers, precisamos ser mais preemptivos com as questões do serviço que vão além da sua operação, elevando nossa compreensão e facilitando a visualização do serviço de maneira infraestrutural e ecossistêmica.
Obrigado pela leitura! Espero que tenha sido válida.
Comente aí o que achou.
Referências
- Lucy Kimbell — The Service Innovation Handbook: Action-oriented Creative Thinking Toolkit for Service Organizations.
- Amalia de Götzen — Service Dominant Logic. Changing perspective, revising the toolbox.
- Vargo e Lusch — Evolving to a New Dominant Logic for Marketing (O artigo original da lógica de serviço-dominante).
- Ricardo Yogui — Framework de inovação.
- UX Metters — How Rapid Usability Testing Is Changing UX Research.