É o fim do Designer?
Reflexões sobre o advento de um futuro incógnito.

Não dá para negar que os tempos estão difíceis para nós designers. Demissões em massa, problemas de saúde mental cada vez mais comuns, dificuldades em se reposicionar no mercado, resistência das empresas ao modelo de trabalho adequado e, ainda por cima, novas tecnologias tem sido criadas para construir o que em outrora era desenvolvido por nossas mãos. Dito isto, pergunto-me: “O que será da nossa profissão?”.
Ao pesquisar sobre esse apocalipse design, deparei com alguns textos que exaltam fatores que nos levaram ao status quo atual. Um deles é bem conhecido, chamado de “The Vanishing Designer” de Chuánqí Sun, o outro é “Design is Dead” de Michael Buckley. Também tive acesso aos relatórios sobre o estado de UX de 2024 feito pelo Figma e pelo UX Collective, além de acompanhar calorosas discussões no LinkedIn sobre o assunto.
Após consumir todo esse conteúdo, refleti bastante sobre o cenário em que nos encontramos e do meu futuro como profissional. Hoje, quero compartilhar com vocês essas reflexões e convidá-los a adentrar nessa conversa tão polêmica e importante. Abaixo, compilei as causas que mais me preocuparam acerca do futuro do design. E lembre-se, tudo isso são reflexões pessoais. Então fique à vontade para adentrar na discussão e se empoderar nessa luta. Estamos juntos!
O ciclo da monotonia

À medida que o tempo passa, a premissa de que o designer tem que saber mais sobre o negócio se fortifica. Eu concordo. Afinal, projetamos experiências para gerar renda e com essa renda as empresas podem pagar nossos salários. Neste contexto, pergunto: “Caso projetemos algo que fez o lucro diminuir, isso significa que projetamos uma experiência ruim?”.
Sinceramente, não consigo cravar a resposta. Porém, penso que, se for positiva, então design e negócio não andam de mãos dadas como tanto falam. Na verdade, o negócio comanda tudo e, se a lucratividade cai, consequentemente a experiência precisa ser mudada, tornando-nos reféns do capitalismo.
A cultura baseada em dados veio para nos ajudar a tomar decisões mais assertivas para nossas soluções e ao mesmo tempo acabou criando o conceito da capitalização da empatia. É muito comum vermos hoje designers que preferem não arriscar em uma ideia ousada com potencial para melhorar a experiência e ao invés disso, se contentam com soluções de baixo risco que garantem a manutenção dos números, o chamado ciclo da monotonia.
"Os designers visionários perderam a sua integridade conceitual para um complexo industrial optimizado para consenso, previsibilidade e ganhos comerciais a curto prazo. A ascensão da cultura baseada em dados cultivou uma geração de designers que apenas tomam medidas sem riscos e com sucesso garantido em direção aos inevitáveis máximos locais da monotonia do design."
Chuánqí Sun, 2021
Dado que, o caminho do designer tem sido pavimentado através de incontáveis métricas. Este ciclo se estabelece colocando-nos uma barreira criativa, onde nossas ideias ficam engavetadas no receio de trazer alguma baixa para o negócio. E, apesar dos dados estarem presentes para nos auxiliar, muitas dúvidas emergem, tais como: “Ao abraçar o negócio, estamos deixando de projetar para os usuários e projetando experiências com base apenas em lucro? Nesse caso, ainda estamos sendo designers?”.
É fato que o ciclo da monotonia adentrou nosso processo, nos colocando no dilema se deveríamos arriscar mais ou se contentar com a previsibilidade garantida. Ainda assim, acredito que design e negócio podem atuar como dois pilares que conversam de forma igualitária. Porém, não tem sido assim e não temos certeza se as coisas irão trilhar nesse rumo. Hoje, insisto que designer deve saber sobre negócio e deve usar sim os dados a seu favor. Ao mesmo tempo, acredito que um dia encontraremos o meio-termo, onde poderemos defender os usuários de forma confortável em um mercado orientado a resultados.
Da prostituição à obsolescência

Quem nunca presenciou a situação onde o sobrinho ou o garoto do Corel Draw seriam os responsáveis pelo design em vez de um profissional? Eram os chamados “micreiros”, pessoas que sabiam manusear softwares gráficos e por isso se nomeavam designers. Para o cliente, o “micreiro” é um caminho mais cômodo e barato. Todavia, os resultados do trabalho provavelmente são duvidosos. Este cenário, traz à tona a prostituição do design, onde os designers são forçados a diminuir o preço dos serviços para garantir o pão de cada dia.
Infelizmente, ainda existem pessoas que acham que design é algo como um passatempo e não uma profissão. Dessa forma, acabam não valorizando nosso trabalho. Essas situações eram costumeiras há alguns anos, ainda acontecem hoje, mas percebo uma maior valorização do design com o advento das redes sociais e da ascensão dos produtos digitais.
Então essa prostituição está acabando? Na verdade, entramos em um cenário muito pior e mais sério. Se hoje já não vemos tantos micreiros por aí, é porque qualquer um se tornou capaz de fazer o design.
"Qualquer um pode produzir designs razoavelmente bons, desde a criação de ativos no Canva até a compra de modelos no Envato e a criação de interfaces no Figma. Se todas as interfaces estão começando a parecer iguais, é porque as ferramentas de design estão funcionando conforme planejado."
Fabricio Teixeira, Caio Braga, 2023
Dito isto, gostaria de relatar duas situações. A primeira é sobre a última reunião de briefing que tive com o intuito de desenvolver uma identidade visual. No decorrer da conversa, uma das clientes estava com o Canva aberto mostrando várias ideias que a mesma tinha feito. Claramente não expressavam os princípios definidos, mas tinham um visual razoável. Preocupante não é?
A segunda situação é relacionada às interfaces digitais. Hoje, vivemos uma era engessada, repleta de guidelines, frameworks e boas práticas para a construção da UI. Ferir essas premissas significa não estar em acordo com as convenções de usabilidade oferecidas aos usuários pela indústria, e isso não necessariamente é algo ruim, pois já dizia a lei de Jakob:
"Os usuários passam a maior parte do tempo em outros sites. Isso significa que os usuários preferem que seu site funcione da mesma forma que todos os outros sites que eles já conhecem."
Jakob Nielsen
Maravilha vivenciar este cenário onde podemos oferecer experiências intuitivas baseadas em padrões já existentes. Porém, a questão não é essa. Gostaria de olhar através de outra perspectiva. Se as interfaces estão cada vez mais iguais, com padrões cada vez mais pré-estabelecidos e com design systems cada vez mais inteligentes automatizando o trabalho, concluo que o design tem se tornado algo mecânico e que gradualmente tende a ser reduzido ao nível de commodity. Assim, deixamos a era da prostituição e entramos na era da obsolescência.
O futuro automatizado

Por último, óbvio que não poderia deixar de falar do assunto do momento. A inteligência artificial chegou causando muitos impactos em nossas vidas. Ferramentas como IA generativa e modelos de linguagem (LLM) tem trazido novos recursos para as mãos da sociedade e da indústria.
Hoje, com simples comandos de texto, podemos pedir para o computador gerar desde uma imagem até escrever a letra de uma música. É bizarro, não posso negar como isso me causa entusiasmo e medo.
"O maior medo que muitos têm é que a IA assuma o trabalho dos designers. Afinal, atualmente existe tecnologia que pode executar algumas das tarefas percebidas por um designer de forma mais rápida e barata do que nós. Por exemplo, Wix e Framer oferecem excelentes ferramentas de construção web integradas com IA. Com apenas alguns prompts e cliques, quem não é designer pode ter um site totalmente projetado e funcionando em questão de minutos."
Michael F. Buckley, 2023
Partindo da citação acima, permitam contar-lhes uma história. Em novembro de 2023, completava 6 anos de namoro. Queria presentear minha namorada com algo simbólico e logo pensei em alguma ilustração que nos representasse. A princípio, pesquisei por ilustradores e levantei orçamentos. Após alguns minutos, veio a ideia de criar uma imagem através de uma IA generativa, e adivinha?

Isso mesmo, a imagem acima foi a que escolhi para compor o presente, feita através de vários refinamentos de comandos até chegar no resultado que eu queria. Achei lindo e, ela também. Agora deixando meu romantismo de lado, essa situação é assustadora e faz refletir sobre. Pois eu, designer, ao invés de pagar um colega designer, optei pela IA. Se nós designers muitas vezes optamos pela escolha que é mais conveniente, quem dirá as empresas.
E não para por aqui. Na área de pesquisa com o usuário, a IA também já está presente:
"A IA é excelente na realização de análises preditivas que podem analisar grandes quantidades de dados para prever o comportamento e as preferências do usuário. Esse recurso benéfico permite que as empresas antecipem as necessidades dos usuários e forneçam soluções proativas, melhorando a experiência do usuário geral. "
Michael F. Buckley, 2023
Muitos podem dizer que os resultados são duvidosos devido não ter um profissional de UX atuando através de metodologias consistentes. Errados não estão, mas as empresas se importam? Se a prerrogativa da indústria for seguir o caminho da IA, quem somos nós para impedi-los? Se nós mesmos já utilizamos tal tecnologia para as nossas necessidades.
Os riscos de que podemos ser substituídos são iminentes e isso já tem nos afetado. Hoje os times de design tendem a ser mais enxutos e as tarefas manuais podem ser otimizadas por computadores. Dessa forma, nosso poder de negociação diminui e as vagas de emprego ficam mais reduzidas. Apesar de tudo, ainda sou bem otimista com relação à IA, acredito que tudo isso faz parte de um processo de adaptação e nós, designers, temos um papel essencial nessa mudança, pois como diz Nielsen:
“Você não perderá seu emprego para a IA, mas para alguém que usa a IA melhor do que você”
Jakob Nielsen, 2023
Mas afinal, é o fim para os Designers?

Se você é designer e chegou até aqui, pode estar apavorado. Ainda assim, fica tranquilo. Apesar dos pesares, minha visão acerca do futuro é bem positiva. Vamos por partes:
- O ciclo da monotonia está presente e precisamos enfrentar os entraves em nosso trabalho. Por favor, não quero deixar entendido que os dados estão atrapalhando nossa vida, muito pelo contrário. As métricas vieram para nos auxiliar em nossas decisões. Portanto, encaremos isso como uma oportunidade de aprender novas técnicas de análise e se aprofundar mais no negócio. Os números nos ajudam a justificar nossas escolhas, usem-os. Porém, jamais permitam que eles sejam o principal fator para provar seu valor.
- As novas tecnologias tem facilitado o desenvolvimento do design, colocando os designers em obsolescência. Vamos com calma, não podemos esquecer que o design não se resume a parte gráfica como uma marca no Canva ou uma interface no Figma, essa é só a ponta do iceberg do nosso trabalho. Como bem sabemos, design anda no contra ponto da arte e todas as nossas decisões precisam ser justificadas. Neste sentido, encare a chegada dessas ferramentas como um momento para adentrar na pesquisa, conhecer mais seu usuário, processos, metodologias e tantas coisas que o design abraça. Costumo dizer que atualmente, vale mais um designer com forte senso crítico e que sabe justificar suas ideias do que um designer que faz unicamente coisas bonitas.
- A inteligência artificial veio para chacoalhar nossas cabeças em um misto de receio e animosidade. Acredito que a IA vai sim substituir o designer em trabalhos mais mecânicos e isso é ótimo. Não vejo cenário melhor para que o mundo pare de nos taxar como fazedores de tela e convites de aniversário. Ao usar a IA em nosso favor, nós designers poderemos focar onde realmente é a essência do nosso trabalho, solucionar problemas. É a oportunidade perfeita para investirmos tempo atuando na estratégia do produto, na experiência do serviço e nas sensações de uso de nosso público. Dificilmente uma máquina poderá nos substituir nesse tipo de trabalho, visto que fatores humanos como intuição e percepção são primordiais para definir os rumos.
Os problemas estão aí e não são os primeiros e nem os últimos que iremos enfrentar, você que é da área sabe o quão difícil foi ser designer no Brasil. Apesar disso, olha para trás e vê o quanto já conquistamos juntos, até alguns anos nem se falava em UX/UI e ainda nem éramos regularizados em nosso país. Finalizo este artigo otimista com o futuro e de que estamos em uma fase de transformação, assim como tudo na vida, também estamos nos transformando.
Portanto, é o fim?