A ascensão de UX Charlatões
Uma reflexão sobre a profissão UX e o mercado de trabalho.

Quem sou eu
Olá, como vai? primeiro quero apresentar-me, sou Filipe Nzongo, de nacionalidade Angolana, muito conhecido como Filipe Losoft. Sou Designer, atualmente trabalho na MJV Technology & Innovation como UX/UI Designer & Consultor de inovação e gosto do meu trabalho.
O que é um charlatão?
Aquele que se utiliza da boa-fé de alguém, geralmente, fingindo atributos e qualidades que não possui, para obter (dessa pessoa) quaisquer vantagens, ganhos, lucros etc..
Uma reflexão sobre a nossa profissão
Gostaria de começar esse discurso afirmando que não sou o dono da verdade, este artigo tenta descobrir os UX charlatões e desmascará-los de uma vez por todas. Não me levem a mal, é apenas uma reflexão.
Não escrevi esse artigo com intuito de promover uma empresa ou entidade, muito menos criar polêmica ou causar problemas entre amigos, mas apenas para refletirmos um pouco sobre a nossa profissão e como fazemos os nossos trabalhos no dia a dia nas empresas onde trabalhamos.
Aviso que esse artigo será um pouco longo, mas continue lendo, acredito que vai mudar a maneira de ver a profissão.
O Design e experiência do usuário, vulgo UX, esses dois ramos nunca foram tão valorizados como tem acontecido nos últimos 10 anos. Vê-se muitas empresas empregando designers e designers ocupando cargos chaves nas grandes empresas.
Com surgimento de novas tecnologias e amadurecimento da mesma, nota-se uma grande necessidade de desenvolver produtos e serviços que agregam valor a vida dos utilizadores.
Nos últimos anos o termo “experiência do usuário” (UX) tornou-se uma buzzword no campo da interação humano-computador (IHC) e design de interação. Vê-se UX Designers em todos os cantos, centro de formação oferecendo curso para se tornar UX Designer em uma semana, sim você leu bem, em uma semana. “Não sei qual é a fórmula mágica, mas gostaria de saber”. Essa banalização do termo e da profissão tem me irritado a cada dia que se passa. Se queremos ser bons profissionais, devemos levar a nossa profissão a sério.
Muitas empresas estão se familiarizando aos poucos com os termos “UX”, “User Experience” e “Usabilidade”; e isso é ótimo! Há uma comunidade crescente de pessoas que estão começando a ver isso como uma parte essencial do processo de design. Entretanto como a demanda desse serviço e profissionais cresceu, nota-se que o número de empresas e pessoas que afirmam que podem fazer esse serviço também cresceu. Até um certo ponto isso não é ruim, esse crescimento fez com que alguns profissionais migrassem de ramo e algumas empresas passaram também a oferecer esse serviço.
Tendo em conta esse crescimento, nota-se de certa forma a ascensão de UX charlatões, “pessoas que se denominam UX Designers, mas que não conseguem exercer essa função de maneira adequada, escondem-se por detrás de metodologias e técnicas que não aplicam no dia a dia e acham que UXD se resume nos produtos digitais”
O que está acontecendo com UX Design é o mesmo que aconteceu com Design gráfico: antigamente via-se muitos “sobrinhos” se denominando designers gráficos simplesmente porque sabiam mexer no Corel Draw. São essas mesmas pessoas que banalizaram a profissão e muitos profissionais acabaram por perder status e respeito.
A supervalorização do UX Design
Em uma sociedade democrática, toda profissão possui sua importância para o funcionamento harmônico das relações sociais. O pensamento de que uma profissão é mais importante que outra é apenas uma ilusão que passamos a adotar como verdade devido a diferença abissal de salários; claro que uns devem ganhar mais que outros devido a complexidade, dedicação e particularidades inerentes a cada profissão.
A supervalorização de uma profissão é um processo que acontece muito quando uma profissão é nova, o mesmo aconteceu com a engenharia, arquitetura, informática. Etc.. Esse mesmo processo está acontecendo com UX Design, isso é bom ao mesmo tempo ruim, por que é ruim? porque essa onda vai acarretar muitos charlatões pessoas não habilidosas que estão apenas preocupadas com cargos e salário. Acham legal ser “UXers” gostam de usar termos que estão na moda, mas não resolvem os problemas das suas organizações.
Ouve-se muito por aí nos meetup: “Eu já fazia UX há muito tempo,mas não sabia que era UX aquilo que fazia”
É mesma coisa um médico dizer: “Eu já praticava medicina, só não sabia que aquilo que eu praticava era medicina”
Cá entre nós, como você sabe que fazia UX, se você não sabia o que era UX Design? Acredito eu que essa pessoa que diz isso não fazia UX. Se você faz uma coisa e não sabe o que é essa coisa, provavelmente você fazia errado.
Será que estamos a projetar do jeito certo?
UX design é uma disciplina que exige muitas pesquisas e estudos, quanto mais você lê sobre UX Design, mais coisas você aprende. Não vamos nos prender a novas metodologias que muitas das vezes não aplicamos no dia a dia de trabalho, não diga que você é especialista em UX, no teu cargo pode até estar escrito desse jeito, mas acredite você não é um especialista.
Uma experiência do usuário nunca pode ser totalmente “projetada” ou medida. Como exatamente definimos a experiência de um usuário? Alguém ousa propor que este é um esforço quantificável com resultados matematicamente precisos? Os proponentes gostariam que acreditássemos que o UX Design nos leva um passo mais perto desse ideal. Faz isso será? A realidade é que não há dois indivíduos que compartilhem as mesmas percepções de qualquer coisa que lhes sejam apresentadas, independentemente do meio empregado ou das medidas tomadas para homogeneizar a experiência. Quaisquer sucessos reivindicados no nome de UX Design provavelmente seriam atribuídos ao senso comum do usuário e do designer. Na minha pesquisa sobre avaliação de produtos interativos digitais, descobri que essencialmente nós não podemos projetar a experiência, mas podemos abrir pontos de acesso para que a experiência aconteça.
Uma vez minha colega perguntou-me:“Filipe eu trabalho com Design de serviço já faz alguns anos e muitas das vezes quando ia procurar emprego, os entrevistadores me perguntavam onde estava o meu portfólio, queriam que eu mostrasse um portfólio. Eu como service Designer realmente não tenho portfólio, o que eu faço é intangível, difícil de ver e pegar. Só vivenciando mesmo para saber se aquele serviço foi bem projetado ou não.”
Uma tendência que acho interessante, embora não seja levemente divertida, é que muitos empregadores que procuram contratar designers dão maior ênfase à revisão de esboços “sketch” e wireframes do que no design final ao entrevistar candidatos. Embora seja possível argumentar que isso ajuda a ilustrar o processo de pensamento e as habilidades de planejamento do designer, o produto final nunca deve ser ignorado. Na verdade, é essencial revisar o produto final para ver com que eficácia os conceitos mais amplos se traduziram e ou contribuíram para a execução resultante. Por que o foco deve ser tão firmemente colocado nas reflexões rudimentares que precedem a conclusão de qualquer conceito de design com tal desrespeito pelo resultado final? Seguindo esse raciocínio ridículo e hipérbole, faria mais sentido solicitar o documento em branco que foi criado antes de qualquer trabalho ser iniciado.
Sinais de um UX Charlatão
Especialista em literatura existem vários, mas falta realmente pessoas capacitadas que sabem fazer as coisas na prática e da maneira certa.
Aqui listei alguns sinais que deve prestar atenção quando for falar ou entrevistar um “UX Designer” que provavelmente não é um designer, mas sim um charlatão, que está aí para enganar as empresas e os clientes.
“Os sintomas abaixo mencionados foram originalmente retirados do artigo da Martina Mitz foram modificados e adaptados”
1 — Só os usuários são importantes
“Para mim UX é sobre usuários”
- Dispensa as necessidades de negócios (Stakeholders), dores ou perguntas.
- Perde-se na pesquisa do usuário, muitas das vezes nem sabe porquê está fazendo a pesquisa.
- Não apresenta nenhum resultado valioso que impacta o negócio.
Conselhos
- O negócio (+ Stakeholders) também devem ser seus usuários
- É para as dores dos usuários e das necessidades de negócios dos stakeholders que nós trabalhamos, senão é para resolver seus problemas de negócios, para quem mais seria?
2 — Faz somente o que o negócio quer
“É tudo sobre o dinheiro”
- Reage apenas às demandas diretas da empresa ou de outras partes interessadas, só está preocupado em fazer, fazer, fazer, e entregar, entregar, entregar, muita das vezes esse charlatão não tem senso crítico, muito menos pensamento cético.
- Está mais preocupado com títulos “Head Of UX, Head Of Design, Lead Design Thinkers, Social Designer” e salário, mais do que produtos e serviços.
Conselhos
- Ser reativo, em vez de proativo, não ajuda em nada a empresa em que você trabalha, deve ser um profissional que demonstra resultados; a empresa te contratou para isso, não importa as metodologias.
- Tem que aprender com seus erros para melhorar seu processo de design. Se você não erra, provavelmente você está fazendo errado, como designers você nunca tem a certeza de tudo.
3 — Sabe tudo sobre UX
“Temos que aplicar design sprint e criar squads, é o que Google e Netflix estão fazendo”
- Não aceita opiniões de outros e tem ego muito inflado.
- Sabe todas as respostas para todas as perguntas.
- Dá a solução, ao invés de descobrir diferentes caminhos para a solução.
Conselhos
- Ninguém sozinho pode estar na posse da verdade suprema! Em outras palavras ninguém é dono da verdade e ninguém sabe tudo.
- Você só pode ver as coisas se esforçando para descobri-las de uma maneira objetiva e informada.
- A colaboração e iteração são fundamentais, se você quer deixar de ser um UX Charlatão e se tornar um profissional, seja colaborativo e aprenda com os outros.
- Preocupa-te em se comunicar melhor, porque a comunicação verdadeira e eficaz inclui a transmissão e a interpretação das ideias de uma forma que se consiga passar para outra pessoa exatamente o que se está querendo dizer.
4 — Gosta de falar sobre os termos hype
“Tenho mais de 15 anos de experiência na área digital”
- A maioria dos UX charlatões gostam de falar palavras que soam bonitos, como Design systems, Design Sprint, Lean Delivery, vai um DesignOps aí? ou que tal Usability Research Benchmarking?
- Faz declarações fortes, é confiantes demais, como se só ela soubesse essas coisas.
- Muitas das vezes as coisas que diz nunca aplicou na realidade, não tem embasamento para tal, não condizem com a sua realidade.
Conselhos
- Se você quer mudar a sua mentalidade ou “mindset”, provavelmente precisará de exemplos práticos.
- Certamente você precisará falar sobre coisas ruins e difíceis, como disse anteriormente a comunicação é importante, para ser um profissional bom, tem que aprender com seus erros, aceitar opiniões de outrem e ter senso crítico.
5 — Esconde-se por detrás de jargões e metodologias
“O nosso Team precisa de mais budget para, realizarmos algumas user research, senão fica difícil mapear os touchpoints e personas”
- Muitos charlatões gostam de termos hype, como expliquei no ponto 4, mas também gostam de esconder-se por detrás de jargões, sabe aquelas palavras bacanas como: Plug&Play, Deadline, MVP, Expertise, Budget, Disruptivo, Feedback. Etc..
- Muitos desses UX Charlatões gostam de usar essas palavras difíceis que ninguém entende, porque aumenta o ego deles, se sentem especiais quando falam.
Conselhos
- Como designer você precisa mostrar seu valor dentro da empresa, evita usar essas palavras complicadas “tecniquês”. Se ninguém entende o que você fala, então ninguém verá o seu valor também. Não esquece a comunicação é importante.
- Não seja o dono da verdade, seja simples e coerente, desse modo as pessoas te respeitarão, não precisa elevar seu ego sempre, e por favor pare de usar jargões.
6 — Apenas devolva a minha bola
“Pode lembrar-me o que é CTA?”
- Eles são bons em delegar tarefas ou pescar informações e ideias.
- Muitos UX charlatões são bons em se adaptar à situação atual, mas dificilmente têm a experiência de tomar decisões ou fazer previsões.
- Não conseguem dizer “Não sei”.
Conselhos
- Você tem que aprender a falar mais “Eu não sei” mas “posso aprender”, quando você não tem conhecimento sobre um assunto, você não precisa bancar de inteligente, só para parecer intelectual ou atualizado. Não saber não é sinônimo de falta de inteligência.
- Se você quer pegar um UX charlatão faça muitas perguntas profundas (não falei difíceis).
- Se você quer deixar de ser um UX charlatão, vai precisar ter muito conhecimento técnico e teórico sobre o assunto, leia livros, artigos (científicos ou não).
- Não foca em buzzwords, foca no que é importante, técnicas atemporais não passam. Um exemplo disso é “User Centered Design” uma metodologia que está na base de muitas metodologias existentes hoje.
7 — UX é tudo sobre ferramentas
“Eu uso Framer Studio, Sketch e Figma”
- Defensor e advogado de ferramentas específicas.
- Muita das vezes não gosta de experimentar coisas novas.
- UX charlatões estão muita das vezes concentrados nos resultados finais.
Conselhos
- Como UX designer, deve-se ter interesse e considerar estratégias e soluções de longo prazo, em vez de apenas soluções rápidas.
- Um bom soldado não escolhe a arma, como também um bom designer não escolhe a ferramenta, hoje existem várias ferramentas, você tem que aprender a adaptar-se a novas ferramentas levando em consideração o contexto em que você se encontra e das necessidades de negócio.
8 — UX é só digital
“Somos responsáveis apenas da plataforma Mobile e Web”
- É comum ver UX charlatões se concentrando apenas em resultados tangíveis, ao invés de mostrar realmente como a solução se desdobrou.
- Só atua apenas em um canal, não se preocupa com aquilo que acontece fora da tela.
- Não tem uma visão holística da Jornada geral do usuário.
Conselhos
- Se você trabalha como UX Designer e só fica de frente a sua tela do computador, você não é um bom UX designer.
- Muitos UX charlatões geralmente pensam que o design da experiência do usuário é uma atividade focada na tela (Digital). Na verdade, a experiência do usuário afeta a totalidade do que projetamos, e isso geralmente inclui atividades que são realizadas fora da tela.
- Se você se declara UX Designer, saiba que você trabalha para os humanos e não para robôs, então precisa conversar com essas pessoas para entender suas necessidades.
- Para criar experiências verdadeiramente memoráveis, precisamos ampliar nosso quadro de referência para incluir todos os pontos de contato da marca com os quais nossos usuários entram em contato ao longo da jornada do cliente. Isso tem o potencial de afetar significativamente os resultados de negócios, reconhecendo o papel que o design — e a experiência do usuário — podem desempenhar no centro de uma estratégia de negócios mais ampla.
Características de um bom UX Designer
Provavelmente muitas pessoas de outras áreas irão ler esse artigo, principalmente aquelas que contratam (RH, CEO, empreendedores, empresas Etc.) podem se questionar: “quais são as características de um verdadeiro UX Designer?”. Segue a lista:
- Eles são interrogadores, nunca sabem tudo.
- Eles tem pensamento cético e analítico.
- Eles são empáticos — para trabalhar em equipe precisamos ter empatia, transparência, solidariedade e muita lealdade.
- Eles evitam a linha reta, um bom designer sabe que um problema pode ser resolvido de várias maneiras.
- Eles são ambivados, pessoas que não são nem introvertidas nem extrovertidas, mas que estão em algum lugar no meio, tendem a ser mais criativas por causa de sua maior adaptabilidade às situações
- Eles não são egoístas, muito menos egocêntricas; são abertos a novas ideias e sugestões.
- Eles sabem que a colaboração é a chave para o sucesso.
- Eles são ótimos ouvintes e observadores, como dizia Goethe: “Falar é uma necessidade, escutar é uma arte”.
- Eles têm sempre uma visão holística, sabem aquilo que está acontecendo a sua volta.
- Eles não tomam decisões sem antes ter a certeza.
- Dificilmente lhe dará uma solução direta — provavelmente, lhe fará perguntas sobre o problema e contexto.
- Eles não são “UNICÓRNIOS”
Agradecimentos: Ao meu amigo Rafael Frota por ter feito a revisão do artigo e deixa-lo com um linguajar mais abrasileirado. À minha amiga Martina Mitz por ter permitido utilizar seu artigo sobre o assunto com o título original “Diagnosis: UX Charlatans.
🎓 Algumas referências para continuar estudando:
- More than design, less of a designer
- The Design Tool Dilemma
- Customer and User Perception of Value and What it Means to Designers
- O Mito do Designer-Unicórnio
- Um desabafo sobre o U do UX nas agências de publicidade