Projetando um mundo melhor
Conhecendo cases importantes da prática do design pra uma sociedade melhor.

O design pode transformar o mundo em um lugar melhor. E eu posso provar.
Nesse artigo, quero te apresentar exemplos de pessoas ou iniciativas que trazem na alma a essência do design. Que serviram de apoio pra mudanças significativas — ou que ainda o fazem — na sociedade.
Espero sinceramente que eles te inspirem a ser uma pessoa designer melhor a cada dia, assim como fazem comigo 😊
Emory Douglas e o partido Panteras Negras
“Retratando a coragem das vítimas de abusos contra os direitos civis e a brutalidade das autoridades contra elas, as imagens de Douglas foram publicadas no jornal dos Panteras Negras e em cartazes colados ao redor da sede do partido em Oakland, Califórnia.
Seu estilo gráfico marcante, com contornos ousados e cores vibrantes em imagens brutalmente impactantes ou comoventes, criou uma identidade visual instantaneamente reconhecível para o movimento.”
— Alice Rawsthorn.
Quero falar de uma das pessoas que usaram o design como ferramenta pra combater e lutar contra a repressão policial dos Estados Unidos ao povo negro: Emory Douglas.
Entre 1967 e 1980, ele foi o ministro da Cultura do Partido dos Panteras Negras. Como ativista e designer, representava graficamente a resistência do grupo e as opressões sofridas pelas comunidades negras estadunidenses.
O movimento é referência até hoje quando o assunto é comunicação visual e design gráfico. E Douglas foi uma das pessoas responsáveis por criar toda a identidade visual do partido, além de contribuir ativamente, através de seus cartazes, em denúncias a prisões injustas e abusos de autoridade por parte do Estado.
Inclusive, foi um desenho dele que popularizou a relação entre o termo “porco” ao policiamento abusivo e ostensivo. Essa imagem foi descrita assim, nas palavras de Alice Rawsthorn:
“‘O que é um porco?’ está escrito acima de uma imagem grotesca de um porco mancando com a ajuda de uma muleta, lágrimas escorrendo do focinho, roupas rasgadas, membros enfaixados e mosquitos zumbindo em suas feridas.
A resposta à pergunta está logo abaixo: ‘Uma criatura de natureza vil, sem respeito pela lei, justiça ou direitos das pessoas; um ser que morde a mão que o alimenta; um difamador imundo e depravado, que costuma se passar pela vítima de um ataque injustificado.’”
A imagem? Essa aqui:

Oficina de Transformação de Pedra Furada
“Tendo como ponto de partida os conceitos de reciclagem local de plástico e de design para a inovação social, desenvolvemos tecnologia e metodologia apropriadas para que pessoas comuns, sem formação técnica, possam produzir objetos de valor comercial, gerando trabalho e renda.
O teste em campo dessa tecnologia foi realizado com a criação da Oficina de Transformação de Pedra Furada, em Sergipe, empreendimento no qual jovens artesãs fabricam e comercializam móveis, a partir de resíduo plástico coletado no lixo.”
Agora, viajamos dos EUA ao Brasil. Mais especificamente, Sergipe.
Paulo Gomes e Paulo Souza, os autores do projeto, contam que a ideia principal é unir duas dores da sociedade, uma ambiental e outra social: a reciclagem e a pobreza.
Pra isso, criaram um modelo conceitual do que chamaram de Oficina de Transformação (OT), composto por:
- Armazenamento e seleção do plástico
- Lavagem e trituração do plástico
- Operação dos equipamentos de reciclagem e armazenamento das placas e barras
- Produção de objetos de valor, e
- Atividades administrativas e organização.
O teste prático desse processo aconteceu no povoado de Pedra Furada, em que 74% da população vive com até um salário mínimo e a fonte de renda principal é a coleta de aratu, um caranguejo pequeno que vive no mangue da região.
As mulheres que participaram do projeto foram ensinadas a trabalhar com o maquinário — ainda simples, diga-se de passagem — e a produzir peças como mesinhas de centro, cadeiras e até carteiras de escola pra um projeto social da região a partir do material reciclado.
Se o projeto deu certo? Deixo a resposta para os autores: hoje, a tecnologia social desenvolvida se encontra madura o suficiente para ser escalada. Já garantimos financiamento para a implantação de três oficinas de transformação na região metropolitana de Salvador, Bahia, e muitas outras virão.
Vida longa ao design social!
Movimento Design Ativista
“O Design Ativista desafia a visão convencional do design como uma ferramenta comercial, propondo uma abordagem mais ampla e socialmente engajada.
Desde sua fundação, em 2018, a iniciativa busca levar o design para além dos espaços tradicionalmente orientados ao lucro, transformando-o em instrumento de mudanças culturais, políticas e sociais.”
Ainda estamos no Brasil. Mas agora, em escala nacional.
Esse projeto traz no nome pra quê veio: usar o design como ferramenta de mudança social. Ativamente presente na sociedade.
Inclusive, vale dizer também que o Design Ativista faz parte da NINJA, uma rede de comunicação livre que busca novas formas de produção e distribuição de informação a partir da tecnologia e de uma lógica colaborativa de trabalho.
Eu, particularmente, me amarro em acompanhar as campanhas feitas em épocas simbólicas, como:
- Design Ativista lança campanha pelo Dia Nacional da Democracia
- Nem Presa Nem Morta: Planeta ELLA e Design Ativista se juntam em campanha pela descriminalização do aborto
- Design Ativista lança convocatória para aumentar visibilidade da Copa Feminina
- Design Ativista lança campanha pela visibilidade bissexual
- Design Ativista convoca artistas gráficos para apoio coletivo ao MST
- Com mais de 500 postagens em um dia, Design Ativista mobiliza redes em campanha contra a ditadura.

No meio de tanta individualidade e competição, o movimento é um sopro de coletividade pra quem também enxerga o design como ferramenta de mudança social.
A Grande Muralha Verde
“Para o bem e para o mal, o caso da Grande Muralha Verde exemplifica o tipo de obstáculos e oportunidades que o design enfrenta ao lidar com um dos desafios da nossa época: as mudanças climáticas.”
— Alice Rawsthorn.
Do Brasil pra mãe África.
Ah, e já aviso: esse é um case complexo. Politicamente complexo.
A Grande Muralha Verde é um projeto gigantesco que tá mudando a paisagem da África e a vida de milhões de pessoas. Ou pelo menos deveria. Foi criado em 2007 pela União Africana, e a ideia é restaurar terras degradadas no Sahel, uma região que sofre com a desertificação.
Com 8.000 km de extensão, atravessa 22 países e envolve comunidades locais, governos e parceiros internacionais.
O problema é que, por envolver tantos interesses diferentes, as coisas ficam meio caóticas quando passamos da teoria pra prática.
Pra ajudar a gente a entender melhor esse desafio do ponto de vista do design , vou trazer referências da Alice Rawsthorn, em seu livro “Design como atitude”, da editora UBU.
Ela comenta sobre 4 motivos que fazem esse case ser desafiador e importante pra consolidar nossa disciplina como ferramenta de mudança global.
- Representatividade: o projeto, por suas dimensões, corporifica a determinação crescente de utilizar o design pra fazer frente a grandes ameaças globais.
- Interseccionalidade de fatores: nesse caso, não dá pra separar essa iniciativa de recuperação de terras — que se propõe a enfrentar um problema ambiental — das tensões sociais, políticas e econômicas dos países-membros. A Etiópia, por exemplo, conseguiu a maior taxa de reflorestamento até sua guerra civil de 2020. Triste, mas necessário considerar.
- Adaptabilidade: uma vez que a Muralha Verde evolui gradativamente, o design deve ser ágil e flexível ao definir os objetivos norteadores do projeto — e adaptar quando necessário. Vale lembrar que esse é um esforço conjunto de economistas, agricultores, ambientalistas, políticos e especialistas de outras áreas. Quantas variáveis temos aqui, não?
- Personalização: por se tratar de uma área muito extensa, o projeto precisa pensar também localmente. Árvores adaptadas pra regiões específicas são priorizadas, conforme o que é melhor pra natureza. Além disso, cada país tem a liberdade de aplicar técnicas de irrigação e cultivo característicos da sua região e cultura. Ao mesmo tempo que é um direito básico, é incrível ver isso sendo considerado nos dias de hoje.
O fato é: o projeto ainda tá em expansão e, entre trancos e barrancos, aos poucos vai mudando a vida das pessoas — ainda localmente, mas espero que em breve globalmente também.
E aí, deu pra refletir sobre as tantas possibilidades que a gente, ao fazer design, tem de impactar algo no mundo? Aliás, quero que esse tipo de artigo seja mais recorrente aqui.
Mas, pra isso, preciso da sua ajuda: você conhece algum case de design que mudou ou que tá ajudando a mudar o modo como vivemos em sociedade?
Se sim, me conta comentando aqui ou me chama! 😁
Aquele abraço!
Referências
- Are designers of colour finally getting the recognition they deserve?, de Alice Rawsthorn
- Design como atitude, de Alice Rawsthorn
- Design e impacto social: construindo futuros, de Carla Piaggio
- Com mais de 500 postagens em um dia, Design Ativista mobiliza redes em campanha contra a ditadura, de Mídia Ninja
- Emory Douglas: The Revolutionary Artist’s Legacy, de Lee Down
- Iniciativa Grande Muralha Verde, de United Nations Convention to Combat Desertification
- Quais contribuições o design pode e tem oferecido com relevante impacto social?, de Carla Piaggio