Bom design é bom negócio?
Subverteram o design e ninguém viu.

Calma. Sei que pode assustar mas senta aqui, precisamos ter essa conversa.
Meus 3 últimos artigos foram sobre esse tema, mesmo indiretamente:
- “UX Writer, se posicione!”, o papo foi sobre o papel social de quem trabalha com design de conteúdo, assim como eu;
- “‘Design social’ é pleonasmo”, resgatei definições sobre design e seu compromisso — original — com a sociedade; e
- “Ensaio sobre um design socialmente engajado”, contei uma experiência pessoal e deixei um convite à reflexão sobre o real valor que nossa profissão deveria entregar não só ao negócio, mas também pra sociedade.
Agora que temos essa base de referências, estudos e opiniões, sinto que podemos ir pra um ponto mais crítico dessa conversa: o design durante o expediente. Aquele que a gente faz em dia útil e horário comercial.
Ah, e antes de qualquer polêmica: bom design também pode ser bom negócio, tá? Mas nunca só isso.
Pronto, agora sim. Ao que importa.
O que é design mesmo?
Já fizemos essa definição em outro artigo, mas pro nosso contexto atual também é importante. Por isso, trago uma problemática comum na profissão seguida de uma definição, dessa vez pelo designer Gui Bonsiepe, em “Design, cultura e sociedade”:
“No Brasil, o uso do termo ‹design› causou — e causa até hoje — certa resistência, que não se pode atribuir a um purismo linguístico. Inicialmente, design associava-se às atividades projetuais. Contudo, a partir da década de 1990, foi perdendo o seu significado original e adquirindo outras conotações, como o divertido (fun design), caro, superficial, extravagante, efêmero, caprichoso e emotivo. Associou-se a moda, festas e eventos midiáticos.
[O design] perdeu rigor e transformou-se em termo curinga, não contribuindo para consolidar a profissão dos projetistas de produtos e dos programadores visuais.”
Resumindo: design — por mais que não seja entendido comumente como — é projeto. Seja físico ou digital.
E, como defendem Aloísio Magalhães, Joaquim Redig, Gui Bonsiepe, Katherine McCoy, Steven Heller, Vèronique Vienne, Stephen Eskilson, Victor Margolin, David Berman e muitas outras pessoas que fizeram ou fazem design — incluindo eu mesmo — e manifestos da profissão, como o “First things First ”(1964 e 2000) e o “Design and Democracy” (2005), o design tem um papel social intrínseco: é um projeto que visa, de alguma forma, ajudar as pessoas, a sociedade, o planeta.
E não foram Norman nem Nielsen que “criaram” esse foco, viu. Lá nos anos 70, Aloísio Magalhães — estudem esse cara! — já dizia sobre o fator humano no design:
“Aos fatores econômicos […] foram acrescentados os fatores sociais e, já agora, a compreensão do todo cultural.
O Desenho Industrial [design] surge […] como uma disciplina capaz de se responsabilizar por uma parte significativa deste processo. Porque não dispondo nem detendo um saber próprio, utiliza vários saberes que se ocupam da racionalização e da medida exata — os que dizem respeito à ciência e à tecnologia — e de outro, daqueles que auscultam a vocação e a aspiração dos indivíduos — os que compõem o conjunto das ciências humanas.”
— Aloísio Magalhães, “O que o design industrial pode fazer pelo país?”
Logo, não somos apenas “advogados e advogadas” de quem é cliente, como já escutei no mercado. Fazemos a advocacia da sociedade toda mesmo. Cada designer com seu papel e especialidade, mas juntas e juntos.
E sim, que responsa!
“Bom” pra quem?
“Todavia, ser bom é subjetivo e alguém pode ser um bom (ou ótimo) designer sem necessariamente ser um bom cidadão. Mas se o bom design (independente de estilo e maneirismo) acrescenta valor à sociedade, seja pelo investimento no invólucro cultural ou pela manutenção do status quo em um nível alto, então design e cidadania andam de mãos dadas.”
— Heller & Vienne, “Citizen Designer”, traduzido por Flávia Neves.
Claro, o bom é relativo. Mas aqui, é relativo ao bem-estar da sociedade. Estamos falando de justiça social, igualdade econômica, educação de qualidade, acesso a informações e lugares, sinalizações, sistemas, transportes…
Como definido, design é bom pra sociedade. Deve ser.
Pra refletir
“Eu vejo o designer como tendo três possibilidades de introduzir seu próprio talento para a cultura:
- A primeira, é por meio do design, que é, fazendo coisas;
- A segunda é por meio de uma articulação crítica acerca das condições culturais que elucidam o efeito do design na sociedade; e
- A terceira é por meio da condução de um engajamento político.
Muito do poder que afeta todas as formas do design está nas mãos erradas e apenas pode ser considerado como um pensamento coerente por meio de estratégias de ação.”
— Victor Margolin, “Designer cidadão”.
Concordo com o Victor. Mas bom, convenhamos também que muito disso é individual. Vai depender de um monte de fatores que fizeram a gente ser e pensar como é e pensa. E tá tudo bem.
O importante é ser uma pessoa crítica quanto ao potencial que nosso trabalho tem de ser uma frente de apoio para uma sociedade mais justa, sustentável e, principalmente, igualitária.
Por isso, além do meu trabalho como designer de conteúdo, também escrevo e participo de comunidades de design. A gente precisa se comunicar, se posicionar e criar esse engajamento em prol de uma sociedade melhor. Tô falando de assumir responsabilidades, inclusive pelo nosso próprio futuro.
“[…] eu gostaria de ver mantida a intelectualidade como uma virtude do design no próximo século: a disposição e a coragem para questionar as ortodoxias, convenções, tradições e cânones pré-concebidos do design — e não apenas do design.”
— Gui Bonsiepe, “Design, cultura e sociedade”.
No meu entendimento, “bom design” é boa cidadania antes de ser bom negócio.
E você, o que acha sobre isso?
Se quiser conversar sobre esse ou outros assuntos, comenta aqui ou me chama! 😁
Aquele abraço!